Sublegenda

Sublegenda

Pela sublegenda um partido podia apresentar mais de um candidato a um cargo majoritário. O artigo examina o instituto e comenta aspectos políticos.

O regime militar que tomou o poder em 1964 logo depois de instaurado, sentiu minguar sua legitimidade e, ao longo do tempo, vários contorcionismos jurídicos foram idealizados e postos em prática para, digamos, dar um “verniz” de legitimidade aos seus representantes.

Um desses artifícios foi a SUBLEGENDA, cujas origens vem do URUGUAI e já tinha sido suscitada antes mesmo do golpe de 64, pelo Deputado RAUL PILLA, em plena redemocratização do país, no ano de 1946, segundo nos conta WALTER COSTA PORTO (O VOTO NO BRASIL, Ed Topbooks).

Em síntese, a sublegenda permitia que concorressem ao mesmo cargo majoritário (Prefeito, Governador e Senado) mais de um candidato pelo mesmo partido político. É fácil perceber que esse instituto somente tem importância na vigência de poucos partidos ou, mais apropriadamente, quando presente o bi-partidarismo, como era o Brasil da época da ditadura militar.

No nosso caso, tínhamos apenas dois partidos, a ARENA (ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL), que era o partido do governo e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Naturalmente, em razão do poder político da ditadura, a ARENA tinha muito mais adeptos em todo o País e isso possibilitava, muitas vezes, conflitos entre várias facções e, para evitar que um ou outro candidato se bandeasse para a oposição, institui-se a sublegenda que permitia que mais de um candidato pudesse disputar as eleições majoritárias pelo mesmo partido, pela ARENA normalmente.

Para a população e como justificativa sociológica para essa regra, diziam seus defensores que a sublegenda fortalecia os partidos políticos.

Efetivamente a sublegenda foi instituída através do ATO COMPLEMENTAR n. 4, de 20 de novembro de 1965 e foi regulamentada por várias outras normas, sendo a última delas o Decreto-Lei n. 1.541, de 14.04.77.

Os candidatos eram, como ainda hoje, escolhidos pelas convenções partidárias e, naturalmente, o que obtivesse (ou obtenha) a maioria dos votos dos convencionais é o escolhido pelo partido para disputar as eleições. Na vigência da sublegenda, o candidato derrotado na convenção poderia viabilizar sua candidatura acaso obtivesse, individualmente, pelo menos de 20% dos votos da convenção, após ser indicado por 10% dos convencionais. No caso de disputa do cargo de senador, poder-se-ia a indicação resultar na escolha de até três candidatos. Ao final das eleições, acaso fosse eleito um dos candidatos da sublegenda, os dois menos votados seriam escolhidos como primeiro e segundo suplente, respectivamente.

Na verdade, a sublegenda, como disse o cientista político JAIRO NICOLAU (História do Voto no Brasil, Jorge Zahar Editor), “foi uma maneira de acomodar interesses das diversas lideranças políticas que apoiavam o regime militar”.

Os votos dos três candidatos eram somados e, caso a sublegenda vencesse o pleito, o mais votado era eleito, mesmo que tivesse obtido menos votos do que o seu adversário

Aqui em Pernambuco, de todas as campanhas, a mais memorável foi a disputado de uma vaga para o cargo de Senador, em 1978. Essa foi uma das eleições mais acirradas e polêmicas que vivenciei, recém chegado a Recife, vindo do Sertão. Pela ARENA disputaram a convenção dois ex-governadores de grande influência política NILO COELHO e CID SAMPAIO. O primeiro tinha uma base política mais rural, mais ligada ao interior do Estado, especialmente na região do São Francisco, onde até hoje seus familiares “dão as cartas nas eleições”. O segundo, embora do mesmo partido, não tinha a mesma performance junto aos conservadores e era considerado um político mais ligado aos grandes centros urbanos, mais avançado. A convenção, me lembro bastante, foi realizada no TEATRO DO PARQUE e foi movimentadíssima, parecia, guardadas as devidas proporções, as famosas disputas primárias dos Estados Unidos. O escolhido pela maioria dos convencionais foi NILO COELHO que disputou as eleições pela ARENA 1 e CID SAMPAIO, pela ARENA 2. Opondo-se a ambos, estava a candidatura do então jovem deputado JARBAS VASCONCELOS, pelo MDB. Na época, MARCOS FREIRE era Senador por Pernambuco e, juntamente com JARBAS VASCONCELOS, eram as figuras mais importantes das oposições no Estado, embora outros políticos também tivessem peso, tais como FERNANDO LYRA, FERNANDO COELHO (sem parentesco com NILO), EGYDIO FERREIRA LIMA e outros. Registro que ARRAES ainda não havia voltado do exílio e JARBAS era apontado como favorito. Sabia-se que não seria fácil vencer os dois, NILO e CID, mas quando começaram os trabalhos de apuração dos votos, inúmeras foram as denúncias de fraudes, daí a apuração ter sido um período extremamente conturbado e nos muros do Recife, especialmente nas proximidades do TRE viam-se pichações do tipo: “OLHO NELES” e “OLHO NA FRAUDE”. Com isso, as apurações terminaram em todo o Brasil, porém continuavam aqui, chamando a atenção do país inteiro e a imprensa do Sul passou a dar destaque às notícias de fraudes. O interesse era tanto pelo resultado que chegou a se afirmar que aumentou em 1.000% a venda de pilhas para rádios, já que os boletins eram divulgados pelas emissoras de rádio e não havia, ainda, essa maravilhosa Internet.

JARBAS e, em menor escala, CID, foram vítimas do chamado “mapismo”. Dava-se o nome de mapismo a inversão de resultados lançados nos boletins de apuração. Apuravam-se 301 votos para JARBAS numa secção e quando o resultado era lançado no boletim apareciam apenas 103. As denúncias eram grandes e o presidente do TRE, o ex-desembargador OTÍLIO NEIVA eximiu-se de responsabilidades dizendo que a apuração era feita pelo público.

Mas, voltando ao exame jurídico e histórico da sublegenda.

Ao final, a sublegenda somente existia para disputa do cargo de senador e inclusive a constitucionalidade do DL n.o. 1.541/77 foi argüida, pelo PFL (um dos sucessores das ideologias da ARENA) de Rondônia, Minas e Espírito Santo, bem assim como pelo PMDB do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro, além do PT do Distrito Federal, entretanto o Poder Judiciário entendeu que o DL era constitucional, dando sobre-vida à sublegenda até a edição da Lei n. 7.551/86.

Sobre o(a) autor(a)
Augusto Sampaio Angelim
Juiz de Direito, ex Diretor Regional da Escola da Magistratura em Caruaru e lecionou na Faculdade de Direito de Caruaru na Cadeira de Direito Constitucional. Foi, também, Promotor de Justiça.
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