Auto procuração

Auto procuração

O drama de um advogado para conseguir vistas nos autos de um processo em que trabalhava em causa própria.

H ouve um tempo em que a advocacia era profissão e advogar era tarefa a requerer vasto conhecimento jurídico, os quais, diga-se de passagem, eram adquiridos mediante anos de experiências. É claro que hoje ainda existem advogados com grandes conhecimentos que até vivem de sua profissão. Mas, a bem da verdade, a maioria não tem muito tempo para praticar, uma vez que, teóricos por excelência – alguns até com memória fotográfica -, saem das Faculdades quase que já inscritos nos concursos e, ” vapt vupt”, são Promotores e Juízes...

Antes era diferente. Havia um respeito muito grande por estas pessoas, via de regra, senhores que haviam conquistado este respeito não só pelo cargo que exerciam, mas também pelos anos de lutas que haviam tido na árdua profissão de advogar. Tanto que o advogado mais novo tinha até um certo receio da figura do Juiz porque sabia da competência daquele e sabia que muita coisa ele tinha, ainda, para aprender com os Magistrados. Hoje, o medo já não existe mais, ou melhor, existe sim, mas os papéis se inverteram. Alguns juizes, quase sempre novos – na idade e na carreira – é que têm pavor dos advogados mais velhos- de idade e de profissão. Mas, isto já é assunto para outras 100 crônicas, no mínimo...

Todavia, em que pesem alguns problemas que isto ocasiona, o certo é que o grande empecilho mesmo , nos dias de hoje, para os advogados, sejam novos ou velhos, não é propriamente a questão da competência ou “juizite” dos Magistrados novos. Mesmo porque existem as exceções, e eu conheço várias... Eu digo que os grandes emperradores da máquina judiciária são, sem dúvida, alguns Cartórios... AH! Tem Cartório que é a própria Vara da Indolência e da Arrogância. Na maioria, repleto de moças bonitas, novas, muito bem vestidas, mas, que, com as honrosas exceções, nem sabem bem o que é processo, quanto mais autos de processo. Pra eles é tudo uma coisa só. O tratamento dispensado ao profissional do Direito que têm que bater às portas daquelas serventias é uma lástima. E não adianta você ficar bravo, nervoso, criar caso. É pior... A notícia se espalha e o cara fica manjado nos demais. Sabe, aquela coisa de corporativismo. “ Serventuários unidos, jamais serão vencidos” !

Depois de 25 anos percorrendo cartórios, observando e engolindo, não raras vezes, todo tipo de atendimentos, cheguei a conclusão de que existem três categorias de funcionários. O primeiro é o competente. Ele conhece tudo e atende a todos com eficiência e atenção.Tanto pode ser novato ou antigo, ser velho ou ser novo, não importa, porque ele entende que a atenção devida com o próximo é competência do espírito. Este tipo é a exceção.

O segundo é o competente preguiçoso. É atencioso, sabe de tudo que se passa no cartório, conhece todos os processos que lá se encontram e conhece qualquer procedimento. Só que , via de regra, já está cansado, doido pra se aposentar e usa os seus conhecimentos para enrolar o quanto pode o advogado, principalmente o mais novo que, inseguro, não tem muita prática nos tortuosos caminhos da dança dos autos processuais. Uma hora eles estão conclusos e não podem ser vistos, outra hora está para ser publicada a intimação ou qualquer outro ato, etc. e, quase sempre o pobre advogado novato volta pra casa sem ter tido, ao menos, a chance de ter vistas no balcão.

O terceiro é o incompetente. A grande maioria. Nada sabe, pensa que sabe tudo, quer saber mais do que o advogado, mas gostaria mesmo era ser o dono do cartório... Isto me fez lembrar, agora, de uma definição que me deram do argentino, que é o supra sumo da arrogância. A melhor que já vi: “ O argentino é um italiano que fala espanhol, pensa que é inglês, mas gostaria mesmo era de ser japonês.”

Outro dia estávamos eu e um colega no Fórum para uma audiência.E já que estávamos juntos fui com ele até o Cartório enquanto não dava a hora. Foi ai que presenciei o seguinte dialógo entre a serventuária e o advogado. Diálogo este devidamente gravado no meu gravador de bolso que, por um descuido meu, estava ligado.

O advogado, muito maneiroso:
- Por favor, eu queria vistas nestes autos. – Pediu fornecendo os dados anotados num pedaço de papel.
- O Sr.é advogado das partes? – Perguntou a funcionária, após ler o papelucho.
- Das partes, não. De uma das partes.
Ela saiu e passados cerca de 10 minutos volta e pergunta:
- Dr. O Sr. tem certeza de que é neste Cartório?
-Bem, existe outra Vara de Família na Comarca?
- Não.
-Então é neste, com certeza.
Ela sai novamente e volta.
-O Sr. já foi no PDU:?
-Já, minha filha, mas o processo é antigo e não consta nada lá.
-Aguarde um minuto.
Passaram-se mais 10 e volta ela:
- É processo de que, Doutor?
-Como de quê, minha filha?
- Uai, o que tem nele?
Meu amigo, que é um tremendo gozador de carteira assinada respondeu, muito sério, como se estivesse dando informações de suma importância para o desfecho da questão:
- Bem, são autos que contém, despachos, sentenças, recursos, além de outras coisas que, geralmente, nem o juiz e nem as serventuárias têm tempo de ler.
- O Sr. sabe de quando é o processo?
- Olha, se não me engano é de 1988. A data está ai. – Disse apontando o papelucho na mão dela.
- É bem antigo. - Resmungou a bela.
- Nem tanto! 14 anos na Justiça não é nada. – Replicou o causídico, dando um sorriso maroto.
Sem dúvida a prestimosa serventuária não gostou muito da resposta e sacramentou:
- Olha Doutor, aqui não está, com certeza.
- Tudo bem. Mas, quem sabe não está arquivado.? 1988...
- Pode ser. Mas a funcionária que faz estas buscas não veio hoje.
- Você não pode fazer isto para mim?
- O Sr. volta mais tarde que vou ver.

Fomos para a audiência e algumas horas depois voltei para ver o final da história.

- Conseguiu, minha filha ? Pergunta o advogado, super desconfiado
- Sim, Dr. – respondeu a serventuária, mas mantendo os autos nas mãos, e, com ares de promotora novata, que dispara perguntas a torto e a direito, mandou:
- O Sr. é advogado de qual parte? Do autor ou do réu?
- Minha filha, eu sou o patrono e a parte.
- Como? O senhor é ou não é advogado no processo?
- Sou. Eu advogo, neste caso, em causa própria,certo?

A serventuária fez uma cara meio que preocupada, de muita seriedade, abriu o processo, deu uma folheada como se estivesse fazendo isto pela primeira vez ali, e arrematou convicta, triunfante, com ares de quem vencera uma grande causa:
- Doutor, o senhor não pode levar o processo...
-E por que não?
-Ah! o Sr. não tem procuração nos autos...

Claro que o meu amigo levou os autos, não sem antes ter tido a paciência de esperar mais alguns minutos para que a linda serventuária ouvisse do MM Juiz que o advogado não precisava outorgar uma procuração para si próprio.

Sobre o(a) autor(a)
Nelson Medeiros Teixeira
Advogado
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O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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