O julgamento de Joana D'Arc: uma análise Jurídica de um caso histórico

O julgamento de Joana D'Arc: uma análise Jurídica de um caso histórico

Explora o processo de julgamento, as acusações contra Joana D'Arc, os aspectos legais considerados e as implicações históricas e jurídicas desse caso único, além da relevância desse julgamento para o desenvolvimento do Direito e para a compreensão da justiça ao longo da história.

Neste artigo:
  • Introdução
  • Quem foi Joana D'Arc e o contexto injusto em torno de seu julgamento
  • O processo de Julgamento de Joana D'Arc
  • Questões legais em destaque
  • Implicações históricas e jurídicas
  • Conclusão

Introdução

Ao longo da história, diversos julgamentos tiveram um impacto significativo e causaram mudanças profundas na sociedade. A civilização foi moldada pelas decisões dos tribunais, desde julgamentos de figuras como Jesus, Sócrates, reis, revolucionários, heróis e vilões. Alguns julgamentos foram justos e reparadores, enquanto outros foram injustos e vingativos. O ato de julgar é inerente à natureza humana, e frequentemente julgamos os outros mais facilmente do que a nós mesmos. Por meio desses julgamentos, o mundo progrediu até os dias de hoje e continuará a avançar. Este artigo tem como objetivo ser original, analisando profundamente o julgamento de Joana D'Arc, uma figura histórica emblemática, à luz do contexto jurídico da época e das questões legais envolvidas. Será explorado o processo de julgamento, as acusações contra Joana D'Arc, os aspectos legais considerados e as implicações históricas e jurídicas desse caso único. Além disso, será abordada a relevância desse julgamento para o desenvolvimento do Direito e para a compreensão da justiça ao longo da história.

Quem foi Joana D'Arc e o contexto injusto em torno de seu julgamento

O julgamento de Joana D'Arc é um dos eventos mais famosos da história, um marco emblemático que despertou interesse e debates por séculos. No entanto, a escolha de abordar esse caso específico se baseia na crença de que a imensa injustiça cometida contra Joana deveu-se ao fato de ela ser mulher. Uma simples camponesa que sempre agiu com franqueza e inocência, incapaz de perceber a natureza das pessoas com quem lidava. Por outro lado, fica evidente como o rei Carlos VII, um sujeito covarde, aproveitou-se da disposição de Joana em ajudá-lo a retomar o trono e, em seguida, a abandonou às suas próprias desgraças, sem demonstrar qualquer sentimento de empatia para libertá-la de sua horrenda condenação à morte na fogueira.

Joana D'Arc nasceu em 6 de janeiro de 1412 no vilarejo de Domrémy-la-Pucelle, no Vale do Meuse, entre duas províncias, Champanhe e Lorena. Ela era filha de um casal de camponeses e tinha mais quatro irmãos. Desde muito cedo, Joana mostrou-se uma garota piedosa, religiosa e dedicada ao trabalho. Durante a adolescência, Joana começou a ter

visões de anjos, como São Miguel, que a exortava a libertar o rei e, consequentemente, a França, que estava sob domínio inglês. Essa época coincidiu com a Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra (1337-1453), um período de devastação para a França. Foi nesse contexto que surgiu Joana D'Arc, uma jovem camponesa que afirmava ter visões divinas e a missão de libertar a França do domínio inglês. Ela foi submetida a um interrogatório pelo rei Carlos e pelas autoridades religiosas, o qual evidenciou sua sanidade mental. Durante esse interrogatório, Joana fez quatro profecias: os ingleses levantariam o cerco de Orléans, o rei seria coroado em Reims, Paris retornaria ao poder real de Carlos e o duque de Orléans seria libertado de seu cativeiro na Inglaterra. Impressionado pela forte convicção de Joana, Carlos concedeu-lhe um exército para libertar a cidade de Orléans, que estava sob domínio inglês.

Nesse momento, Joana começou a agir em favor do rei Carlos, mas, sem saber, também agiu contra si mesma. Ao vestir-se com uma armadura, cortar os cabelos e portar uma espada, ela deu motivos absurdos para sua condenação à fogueira. Sua missão foi bem- sucedida, e ela seguiu para Reims, libertando várias vilas ao longo do caminho. Finalmente, em 17 de julho de 1429, Carlos VII foi coroado rei da França na Catedral de Reims. Joana havia cumprido sua missão de entregar aos franceses um monarca legítimo. Durante a coroação, Joana disse: "- Nobre rei, assim é cumprida a vontade de Deus, que desejava que eu libertasse a França e vos trouxesse a Reims, para receberdes esta sagrada missão e provar à França que sois o verdadeiro rei".

Sua missão continuou com a intenção de libertar Paris, mas ela falhou nessa empreitada. O pior aconteceu quando Joana foi capturada pelos Borguinhões em 23 de maio de 1430. Eles a venderam para os ingleses, que a enviaram para Rouen para ser julgada em um tribunal eclesiástico francês. Sua primeira acusação foi bruxaria. Ela foi condenada à morte na fogueira na Place du Vieux-Marché, em Rouen, em 30 de maio de 1431. Vinte e cinco anos após sua execução, sua mãe conseguiu reabrir e anular o caso, e Joana foi reabilitada pelo Papa Calisto III. Em 1920, ela foi canonizada pelo Papa Bento XV e é considerada uma das três santas mais importantes da França nos dias de hoje.

O processo de Julgamento de Joana D'Arc

Esse foi conduzido por autoridades tanto eclesiásticas quanto seculares. O tribunal eclesiástico, composto principalmente por bispos e teólogos, foi  responsável por

supervisionar o processo. O julgamento passou por várias etapas, incluindo interrogatórios, apresentação de testemunhas, debates teológicos e avaliação das provas. Durante o processo, Joana enfrentou acusações persistentes e questionamentos minuciosos sobre suas visões, missão e sua alegada relação com Deus. Ela foi submetida a uma pressão intensa para confessar supostas transgressões, apesar de seu forte senso de convicção.

O Bispo de Beauvais desempenhou um papel central e hostil no julgamento de Joana. Sua proximidade com os ingleses e seus interesses políticos o levaram a se opor fortemente a Joana. Ela foi mantida em uma prisão militar e, posteriormente, transferida para a torre do castelo, onde o Bispo tinha jurisdição. Durante sua detenção, foram realizados testes absurdos, como a verificação de sua "condição feminina" e sua virgindade. Além disso, o Bispo nomeou Jean d'Estivet, uma pessoa ainda mais implacável, para conduzir os processos contra Joana.

Durante as fases preliminares do processo, que começaram em 9 de janeiro de 1431, não havia evidências incriminatórias contra Joana. Ela foi submetida a interrogatórios longos e intensos, conduzidos por teólogos. Joana, uma jovem mulher de 19 anos, estava assustada e temia ser abusada pelos outros dois prisioneiros que estavam acorrentados com ela. A Inquisição considerava um crime ela se vestir como homem, e assim encerrou-se a fase preliminar das investigações. Em 23 de maio, no cemitério de Saint-Ouen, o Bispo realizou uma cerimônia na qual, após um interrogatório violento, ele informou que Joana havia sido condenada à morte na fogueira. Em seguida, ele apresentou um termo de abjuração, que Joana assinou, prometendo usar apenas roupas femininas. Momentaneamente, ela conseguiu escapar da fogueira, mas sua liberdade foi breve.

Os ingleses desaprovaram sua libertação e, quando ela foi colocada novamente na cela, ela foi submetida a torturas, estupro e insultos. Diante dessa situação desumana, Joana escolheu vestir roupas masculinas e enfrentar a fogueira em vez de passar seus dias como prisioneira acorrentada. Infelizmente, suas opções eram limitadas, já que seus guardas noturnos roubavam suas roupas femininas. Assim, iniciou-se o processo em que ela foi acusada de ser reincidente, entre os dias 28 e 30 de maio de 1431. As atrocidades continuaram nesse período, com o Bispo insistindo que ela abjurasse publicamente suas declarações sobre as vozes que a guiavam. No dia de sua execução, aproximadamente 10 mil pessoas testemunharam essa cena terrivelmente brutal.

Questões legais em destaque

No julgamento de Joana D'Arc, surgiram questões legais relevantes, principalmente em relação à autoridade da Igreja, à validade da acusação de vestir-se como homem e ao conceito de heresia. Essas questões refletiram as tensões entre a Igreja e o Estado da época.

Em relação à autoridade da Igreja, houve um debate sobre se o tribunal eclesiástico tinha jurisdição sobre o caso ou se Joana deveria ser entregue às autoridades seculares. Essa disputa evidenciou a luta pelo poder entre as instituições religiosas e governamentais, cada uma buscando afirmar sua autoridade sobre o julgamento.

A acusação de vestir-se como homem levantou a questão de como as normas de gênero eram interpretadas e aplicadas na época. Joana D'Arc afirmava que suas vestimentas masculinas eram necessárias para sua proteção durante a guerra, mas seus acusadores não consideraram essa justificativa suficiente. Isso colocou em evidência as normas sociais e culturais da época e como elas eram utilizadas para restringir a liberdade de Joana.

Quanto ao conceito de heresia, as visões e alegações divinas de Joana D'Arc foram vistas como desafiantes às doutrinas estabelecidas pela Igreja. Sua crença em uma comunicação direta com Deus e seu papel como líder militar foram considerados heréticos pelos inquisidores. Essa questão colocou em confronto a autoridade da Igreja e a liberdade de crença individual, destacando a tensão entre a ortodoxia religiosa e as interpretações pessoais da fé.

O julgamento de Joana D'Arc não apenas impactou a vida e a reputação dela, mas também levantou importantes questões legais e sociais da época. Ele evidenciou as disputas de poder entre a Igreja e o Estado, as normas de gênero e as crenças religiosas divergentes. Ao analisar essas questões, podemos compreender melhor as implicações históricas e jurídicas desse caso único e sua relevância para o desenvolvimento do Direito e a compreensão da justiça ao longo da história.

Implicações históricas e jurídicas

O julgamento de Joana D'Arc teve implicações profundas tanto na história quanto no desenvolvimento do Direito. Sua condenação e execução levantaram questões sobre a justiça, a imparcialidade do sistema legal e a proteção dos direitos individuais. O caso de Joana D'Arc se tornou um símbolo de resistência e inspirou movimentos posteriores que questionaram a autoridade e os dogmas estabelecidos. Além disso, seu julgamento destacou a importância do devido processo legal, da imparcialidade dos tribunais e da necessidade de garantir a proteção dos direitos fundamentais.

No campo jurídico, o caso de Joana D'Arc levanta questões sobre a influência da religião e da política no sistema legal. Também destaca a necessidade de uma análise crítica dos processos judiciais, a importância da justiça imparcial e a evolução do conceito de liberdade religiosa. O julgamento de Joana D'Arc despertou debates sobre a relação entre a Igreja e o Estado, a separação dos poderes e a independência do Judiciário.

Conclusão

O julgamento de Joana D'Arc permanece como um marco histórico e jurídico significativo. Ao analisar esse caso emblemático, pudemos examinar os desafios enfrentados por Joana D'Arc diante de um sistema legal complexo e das normas sociais e religiosas da época. Além disso, refletimos sobre a relevância contínua do julgamento de Joana D'Arc para o estudo do Direito e da história.

O caso de Joana D'Arc nos lembra da importância de um processo judicial justo, imparcial e fundamentado em evidências, garantindo o devido processo legal e a proteção dos direitos individuais. Também nos convida a refletir sobre a evolução do sistema legal ao longo do tempo, as mudanças nas normas sociais e o impacto da religião e da política nas decisões judiciais. Além disso, a história de Joana D'Arc nos inspira a questionar e desafiar as injustiças presentes em nossa sociedade, assim como ela fez em sua época. Sua coragem, determinação e crença inabalável em sua missão continuam a ressoar e a servir de exemplo para todos nós.

Ao estudarmos e compreendermos o julgamento de Joana D'Arc, podemos ampliar nossa compreensão do Direito, da justiça e da importância de proteger os direitos humanos fundamentais. Seu legado perdura como uma lembrança da necessidade contínua de buscar a verdade, a igualdade e a justiça em todas as épocas. Que o julgamento de Joana D'Arc seja uma fonte de inspiração para que, como sociedade, continuemos a avançar em direção a um mundo mais justo e igualitário.

"Enquanto uma mulher não for livre, eu também não serei verdadeiramente livre." (Audre Lorde)
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Isabella Trevisani
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