Irrepetibilidade dos alimentos à luz da Súmula 621 do Superior Tribunal de Justiça

Irrepetibilidade dos alimentos à luz da Súmula 621 do Superior Tribunal de Justiça

Questiona a aplicabilidade da Súmula 621 do Superior Tribunal de Justiça, principalmente no que tange à retroação dos efeitos da sentença à data de citação.

1. Considerações iniciais

O presente artigo tem por objeto questionar a aplicabilidade da Súmula 621 do Superior Tribunal de Justiça, principalmente no que tange à retroação dos efeitos da sentença à data de citação.

Posto que a retroação da sentença, resguardada pela Súmula supra, além de confrontar o princípio jurídico que dispõe sobre a irrepetibilidade dos alimentos, entra em desacordo com o Código de Civil, uma vez que trata dos alimentos como indispensáveis à sobrevivência humana.

Após descrever as circunstâncias doutrinárias referente a cada perspectiva, será abordado sobre o conceito da irrepetibilidade dos alimentos, a importância da não restituição dos valores pagos a título alimentício e as exceções da irrepetibilidade.

Será apurado também, sobre a não devolução do valor anteriormente pago a título de pensão alimentícia, uma vez que o credor, via de regra, possui uma relação de sobrevivência com o devedor dos alimentos. Não obstante, abordar da perspectiva de casos que comprovam a má fé do credor e a sua obrigatoriedade na devolução dos valores alimentícios pagos.

O exposto artigo, portanto, pretende abordar sobre a duplicidade de um tema altamente relevante, não com objetivo de cessar o conteúdo, mas buscando esclarecer e conscientizar a sociedade. Bem como, fazer com o presente estudo sirva para consulta e referências para uma possível causa e a fim de esclarecimentos para o seleto grupo da sociedade que passa por tal circunstância.3

2. Ação de Alimentos

A palavra “alimentos”, no âmbito do Direito, abrange muito mais do que o entendimento literal do vocábulo, é entendida como às prestações periódicas pertinentes à determinada pessoa, com a finalidade de proporcionar uma sobrevivência digna, abrangendo também: a alimentação, o vestuário, a habitação, a assistência à enfermidade e a educação.

O Direito Civil brasileiro, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, mas especificamente no Subtítulo III - Dos Alimentos, dispõe sobre as circunstâncias e os requisitos necessários para a ação de alimentos.

No que tange sobre o assunto do presente artigo, uma das condições para gerar a obrigação de arcar com alimentos é dado pela existência do vínculo familiar, que se caracteriza pelos laços formados. O ônus, nesse contexto, é resguardado pelo princípio da solidariedade familiar, que é dada pelo auxílio recíproco entre os membros da família no tocante à assistência moral e material.

Portanto, como disposto no art 1.694, do Código Civil, possuem capacidade processual [1] para requisitar a pensão alimentícia: (i) os filhos de pais separados; (ii)ex-cônjuge ou ex-companheiro; (iii) parentes e; (iv) grávidas.

A Ação de Alimentos tem por objetivo estabelecer uma quantia justa, a fim de assegurar ao autor da demanda recursos adequados para resguardar suas necessidades vitais

Nessa esfera, o requerente na ação de alimentos, frequentemente, não consegue,por conta própria, arcar com seu próprio sustento. E, à vista disso, o Juiz estabelecerá,visando o binômio possibilidade - necessidade, as condições indispensáveis para serem aplicadas na execução da sentença.

Devido à natureza urgente, é disposto no artigo 4° da Lei n° 5.478/68 [2] - da Ação de Alimentos, que haverá, nos momentos iniciais do processo, a definição de um valor temporário, uma vez que durante o curso, o necessitado precisa de condições adequadas para suster-se.

Como também, é disposto no Código Penal, em seu artigo 244 [3], caput, é dever do membro da família, na condição de filho, pai ou marido, prestar assistência no que lhe couber, a fim de auxiliar nas necessidades habituais, devido a seriedade da adimplência em relação a prestação de alimentos, é descrito como ato típico a falta de pagamento da pensão alimentícia estabelecida.

Posteriormente, com a sentença transitada em julgado, ou seja, da qual não cabe mais recurso, os alimentos definitivos serão fixados. Em muitos casos, devido às circunstâncias e o alimentando não conseguindo proceder com os pagamentos mensais estabelecidos ou o alimentado necessitando de valores maiores para sobrevivência,poderá, a parte prejudicada, solicitar a revisão a qualquer tempo, conforme preceitua o artigo 1.699 do Código Civil. [4]

Em qualquer dessas hipóteses, será necessário meios comprobatórios para provar o que está sendo alegado, de modo que o Juiz estabeleça o melhor caminho a ser seguido, visando o binômio - possibilidade e necessidade, e, dada as circunstâncias para tal solicitação, quanto antes houver a reclamação em juízo, melhor será para a parte recorrente.

Caso procedente a sentença para a revisão de alimentos, a nova decisão se embasará na súmula 621, na qual a nova sentença retroagirá à data de citação.

2.1. Princípio da irrepetibilidade dos alimentos

Os alimentos, ao possuírem uma natureza fundamental, detém de princípios importantíssimos do Direito, sendo eles: princípio da proporcionalidade, princípio da irrenunciabilidade, princípio da incompensabilidade, princípio da condicionalidade, princípio da impenhorabilidade e, por fim, o princípio da irrepetibilidade.

A irrepetibilidade, nada mais é, do que seu próprio significado literal, algo que não se pode repetir, ou seja, o princípio da irrepetibilidade é uma segurança dada ao credor na ação de alimentos, com o propósito de que, uma vez pago os alimentos, não há como pedi-los de volta.

À face do exposto, Maria Berenice Dias, proferiu sábias palavras a respeito do tema em sua obra: “Talvez um dos princípios mais significativos que rege o tema dos alimentos seja o da irrepetibilidade. Como se trata de verba que serve para garantir a vida e a aquisição de bens de consumo, é inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade por tão evidente é difícil de sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio.

Provavelmente por esta lógica ser inquestionável é que o legislador não se preocupou sequer em inseri-la na lei. Daí que o princípio da irrepetibilidade é aceito por todos, mesmo não constando do ordenamento jurídico.”[5]

Não obstante, apesar de sua natureza fundamental e absoluta, o princípio da irrepetibilidade tem sofrido uma relativização quanto ao seu entendimento, devido às circunstâncias que caracterizam e comprovam a má-fé por parte do credor de alimentos.

O princípio da boa-fé objetiva, um dos princípios basilares do Direito brasileiro, deve se mostrar presente em todas as relações jurídicas, tanto no direito público quanto no privado e, quando manifesto ao contrário, entra em desacordo com o Código Civil [6].

Isto exposto, quando atestado o dolo por parte do requerente, poderá, analisada as particularidades de cada caso, ocorrer o enquadramento nas condições previstas no Código Civil, no que tange ao locupletamento ou enriquecimento sem justa causa [7] e pagamento indevido [8].

O enriquecimento sem justa causa, tem como característica o acréscimo de patrimônio, de forma ilícita ou não, em detrimento de alguém, gerando a responsabilidade de restituição do valor por parte de quem recebeu, o artigo 884, parágrafo único, do Código Civil [9], estabelece a forma como deverá ser feito o ressarcimento do valor.

Conforme Rolf Madaleno, se torna excessivamente injusto a não restituição dos alimentos claramente indevidos, em evidente infração ao princípio do não enriquecimento sem causa. [10]

É notório a equivalência das características dos institutos de enriquecimento sem justa causa e o pagamento indevido, principalmente no que tange a responsabilidade de restituição do valor.

Ressaltando que esses casos supracitados são exceções à regra, uma vez que a regra se apresenta na irrepetibilidade dos alimentos, sendo reforçada pela Súmula 621,do STJ [11], que mesmo após revisão do valor arbitrado na sentença, no que diz respeito à exoneração ou redução, não há disposição de compensação e repetibilidade dos alimentos.

A Súmula 621 do Superior Tribunal de Justiça, aprovada em 12 de dezembro de 2018, ressaltou a irrepetibilidade dos alimentos e serviu de norteador aos grupos juristas que divergiam quanto ao entendimento da legalidade da retroação da sentença e a ilegalidade de tal ato.

Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade.

3. Ação revisional e os efeitos da sentença

Utiliza-se da ação revisional para minorar ou majorar o valor anteriormente fixado a título de alimentos, entende-se que para que seja julgado procedente o pedido de minoração é necessário, dentre outros fatores, que seja comprovada uma perda da capacidade financeira do alimentante, enquanto para pleitear a majoração deste valor, é necessário a comprovação de um aumento considerável nas necessidades do alimentado, associado com a possibilidade por parte do alimentante.

Importante salientar que, a possibilidade de rever a sentença que fixou os alimentos tem respaldo legal tanto no Código Civil, em seu artigo 1.699 [12], quanto artigo 505, inciso I [13] do Novo Código de Processo Civil, como também no artigo 15 da Lei 5.478/1968 [14]. Desta forma, notório é o entendimento sobre a possibilidade da revisão do valor pago a título de alimentos, quando comprovada a alteração na situação financeira dos implicados.

Ainda quanto à revisão dos alimentos, importante destacar que no caso do alimentante for demitido ou por qualquer outro motivo não mais trabalhar de carteira assinada, poderá este pedir o reajuste do valor, devendo sempre se atentar se há na sentença ou no acordo que fixou os alimentos cláusula de desemprego, fixando um percentual sobre o salário mínimo vigente.

Cabe ainda acrescentar que deve o alimentante continuar a fazer o depósito dovalor que ficou definido na ação que fixou os alimentos, salvo se tiver sido deferida a antecipação de tutela, e caso não o faça pode figurar no polo passivo de um processo de execução, estando sujeito à prisão ou penhora de seus bens.

No entanto, um trecho da súmula merece bastante atenção, ficou definido que asentença que exonera, reduz ou majora o alimentante irá retroagir à data da citação,dessa forma, caso por qualquer motivo o alimentado ou seu representante legal não promova a ação de exoneração contra o alimentado em caso de não pagamento da prestação alimentar, e no futuro venha uma sentença que altera o valor, este retroagirá e não será possível a cobrança de qualquer valor diferente do fixado, desde a data da citação até a data da sentença.

3.1. Súmula 621 do STJ e o entendimento dos tribunais do país

A edição da súmula 621 foi uma infuca para sanar uma obscuridade jurídica em matéria de retroação dos alimentos à data da citação. Tal bruma ocorria em razão de não possuir um entendimento único, pois dados juízes interpretavam que deveria haver a retroação ao passo que outros defendiam a tese de que não poderia retroagir.

Inúmeras são as interpretações que podem ser feitas seguidamente à análise dasúmula, seguramente a que trouxe mais porfia para o meio jurídico foi a seguinte: o alimentante que ingressa com uma ação de exoneração de alimentos e alcança uma decisão favorável poderá pleitear do alimentado uma restituição dos valores pagos da data em que este fora citado até a data da sentença?

Ocorre que, pela leitura da Súmula, infere-se que o STJ abalroou no sentido de reconhecer a retroação da sentença à data da citação. Com a edição da referida súmula e ainda a máxima processual que determina que devem os tribunais inferiores seguir as súmulas dos tribunais superiores, o que vêm calhando é que os processos de revisão e exoneração de alimentos são guiados por esse entendimento.

A Súmula em tese dirimiu o imbróglio, dado que tem-se agora um entendimento a ser seguido nos tribunais, mas o debate se manteve entre os juristas. A polêmica perdurou em razão destes entenderem que tal interpretação acaba estimulando a inadimplência do devedor, que poderá ter uma decisão satisfatória e por conseguinte menos custosa para o alimentante.

4. Considerações finais

Importantíssimo é o tema alimentos, não em vão tal instituto possui esse nome. Merece portanto ser tratado com seriedade, visando um equilíbrio entre o trinômio que hoje rege os limites da fixação dos alimentos, sendo eles necessidade, possibilidade e proporcionalidade.

Pacificado está o entendimento que deve sim retroagir a sentença, restando ainda a controvérsia se essa é a linha ideal a ser seguida. Na defesa do alimentante tal posição é favorável, haja vista a possibilidade de não realizar o pagamento contando com uma possível revisão para menos ou exoneração do valor. Do outro lado, na defesa do alimentado, deve-se apressar-se em propor a execução caso não haja pagamento por parte do alimentado de uma única parcela que seja.

Conclui-se que a súmula cumpriu com seu propósito de dirimir os embates que vinham acontecendo em razão da retroação da sentença, por mais que tenha criado novos debates, conclui-se ainda que há por parte do Judiciário Brasileiro o interesse em resolver essas questões controversas a fim de padronizar o entendimento em todo território nacional e dessa forma garantir uma certa segurança jurídica sobre esse tema que como dito é tão importante.

Notas de rodapé

[1] Artigo 7 da Lei nº 5.869 de 11 de Janeiro de 1973: "Toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo."

[2] Art. 4° da Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968: "Ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita."

[3] Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.

[4] Art. 1.699 do Código Civil: "Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias,exoneração, redução ou majoração do encargo."

[5] Dias, Maria B. Manual de Direito das Famílias: De Acordo com o Novo CPC, 4° ed. em e-book baseado na 11°ed. impressa - Thomson Reuter Revista dos Tribunais, pg. 949

[6] Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

[7] Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

[8] Art. 964 - Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir.

[9] Art. 884 (...) Parágrafo único: Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

[10] Rolf Madaleno, Curso de direito de família, 357.

[11] Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação,vedadas a compensação e a repetibilidade.

[12] Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.

[13] Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito,caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
II - nos demais casos prescritos em lei.

[14] Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.

Referências bibliográficas

https://dramarcelamfurst.jusbrasil.com.br/artigos/188967333/a-acao-de-alimentos-sob-o-regime-do-novo-cpc

 https://www.migalhas.com.br/depeso/292323/o-onus-da-prova-nas-acoes-de-alimentos

https://jus.com.br/artigos/85084/a-irrepetibilidade-dos-alimentos-e-o-enriquecimento-sem-justa-causa

Dias, Maria B. Manual de Direito das Famílias: De Acordo com o Novo CPC, 4° ed. eme-book baseado na 11° ed. impressa - Thomson Reuter Revista dos Tribunais

MESTRINER, Angelo. A controvérsia sobre a retroatividade da redução e da exoneração da pensão alimentícia chegou ao fim com a edição da súmula 621 do STJ? Jusbrasil. Disponível em:. Acesso em: 23 de maio de 2022

STJ, RECURSO ESPECIAL: AgRg no REsp 1181119 RJ 2010/0031827-1. Relator:Ministro Massami Uyeda

https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21078665/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1181119-rj-2010-0031827-1-stj/inteiro-teor-21078666

https://advogado1965.jusbrasil.com.br/artigos/605786358/acao-revisional-de-alimentos-de-acordo-com-o-novo-cpc

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