Lei de Gerson

Lei de Gerson

Análise bem-humorada da máxima "levar vantagem em tudo", conhecida como Lei de Gerson, visando a resgatar seu significado, num sentido mais nobre.

A xiomas científicos, tais como constantes físicas, propriedades químicas, teoremas matemáticos e fenômenos sociais são tidos como leis, por vezes recebendo o nome de quem os tenha enunciado. Por ironia, certas inverdades, de tão comuns, são batizadas com o nome de leis ou travestidas de preceitos respeitáveis, como é o caso da Lei de Gerson (levar vantagem em tudo) e da Lei do Fisiologismo Explícito, mais conhecida pela máxima franciscana ‘é dando que se recebe’, que nossos políticos cultuam pelo avesso – é recebendo que se dá.

O senhor Gerson Oliveira Nunes, ‘canhotinha de ouro’, maestro do tricampeonato mundial conquistado pela seleção brasileira de futebol, em 1970, profissional irrepreensível e cidadão exemplar, teve a infelicidade de estrelar um comercial de cigarro nos anos 80, no qual afirmava: “o negócio é levar vantagem em tudo, certo?”. Carrega, desde então, o estigma da lei que enunciou, deturpada, talvez, pelo seu conteúdo subliminar de incentivo ao vício. Outra causa pode ser a de que ele anunciava Vila Rica e fumava Minister, levando vantagem na contradição. O senhor Gerson se aborrece com a indesejável vinculação de seu nome à espúria prática desvirtuada, no afã de zelar pela sua imagem. Propõe-se resgatar a Lei de Gerson, conferindo-lhe um significado honroso, cigarros à parte.

Segundo o conceito maquiavélico mais conhecido, os fins justificam os meios. A validade de tal lei é muito questionada, porque deixa ao arbítrio de seu aplicador estabelecer os fins, nem sempre nobres. Dizer que fins nobres justificam os meios é o mesmo que aplicar a Lei de Gerson na sua essência. Ou seja, priorizar sempre o homem em relação à coisa, respeitar o desejo da maioria, preservando o todo perante a parte, submetendo o direito individual ao bem comum. Esse é um princípio universal do qual derivam todas as leis justas.

Exemplificando: votar a favor ou contra uma proposição, segundo a conveniência do momento, pode render excelentes dividendos políticos, o que é maquiavelicamente correto. Nem sempre, sob a ótica de Gerson. Ora, o que interessa, em longo prazo, para todo mundo, tirante a notoriedade e a sensação do poder, superada a fase da subsistência? É o incremento patrimonial, não importa se para usufruto próprio ou dos descendentes, desconsideradas estóicas e raras exceções. A própria notoriedade e o poder, redundam, no mais das vezes, em fomento indireto do patrimônio. É irrelevante a forma por que se processa. Da imediatidade efêmera da propina à estudada ascensão à fama, passando pela calculada garantia de uma sinecura para quem prefere levar vida de nababo à custa do erário, tudo se resume à busca incessante da acumulação de riqueza.

Há pessoas que passam rapidinho da condição de provinciano matuto a milionário astuto. Mas, por não seguirem a Lei de Gerson ao pé da letra, vem a derrocada, o ostracismo. Alguns, no entanto, se esmeram tanto na técnica, que enganam populações inteiras por várias gerações. Não adianta, porém, trilhar o caminho do sucesso se não se cumprir o vaticínio de Gerson: levar vantagem em ‘tudo’.

De nada valem uma reeleição aqui, alguns milhares de dólares acolá, o apadrinhamento de um lado, o golpe do baú de outro, um desvio de verbas na surdina, um assalto à mão armada, um nepotismo ontem, um superfaturamento amanhã... Isso dura algumas gerações, não é eterno. Certamente há os que se contentam em sustentar a estirpe por duas ou três gerações, supondo que a prole lhes herde também a torpeza, o que denota sua tacanhice. A própria linhagem, contudo, não é eternamente boa ou má. A probidade vem do berço, mas também do caráter imanente a cada ser, que se revela na personalidade, somatório das qualidades e defeitos, inatos e adquiridos. E no futuro, o que se pisoteou de humildes, se matou de miseráveis, se torturou de moribundos, virá em forma de cobrança inexorável, como a besta do apocalipse. A história é implacável e hoje repudiamos, consternados, figuras históricas do nosso país-criança, outrora tidos como heróis, agora desmascarados como vis aproveitadores.

Dentre os homens virtuosos, há respeitáveis empresários honestos e políticos decentes. A casta da bandidagem, no entanto, aquela que relega milhões à marginalidade degradante, não é composta por facínoras anônimos ou malvados cinematográficos, mas por empresários gananciosos e políticos sem escrúpulos. Eles se regalam em dizer que aplicam a brasileiríssima Lei de Gerson, assumindo a safadeza tupiniquim num gesto de autocrítica falaciosa, pois, na verdade, estão aplicando o conceito alienígena de Maquiavel.

Ressalvando-se a importância da obra do escritor italiano, tal lei é moralmente questionável. Observe-se, contudo, que os humanos, não tendo o dom da clarividência, não podem decidir sobre determinado assunto com precisão a respeito de sua correção, diante dos acontecimentos futuros. No entanto, em homenagem à boa-fé, o que se decidir hoje, sob as condições atuais, há de ser considerado acertado. Então, o que se deve aplicar é a Lei de Gerson.

Não se pode contemporizar com a cultura do ‘jeitinho’, com o hic et nunc. A propósito, cabe lembrar Churchill, que a título de incentivar seus patrícios a vencer a Segunda Guerra Mundial, disse: "Não tenho nada a oferecer a não ser sangue, suor e lágrimas”. Não se trata de apologia ao estoicismo insípido. É lícito buscar a riqueza, a felicidade, o prazer. Para ‘todos’. Nunca o prazer pelo prazer; nem o poder pelo poder, simplesmente. A concupiscência atrofia os sentimentos nobres, anestesia o coração, embrutece a alma.

Nos países orientais, como o Japão, potência econômica mundial, observa-se que a rígida disciplina induz os cidadãos a pensar primeiramente na coletividade, na nação como um todo, ao contrário do individualismo excludente. Há uma década alguns países chamados Tigres Asiáticos deram exemplo de eficiência. No entanto, não buscaram a vantagem em tudo, donde resultou a derrocada, oriunda da subserviência à roleta especulativa.

Os próprios países ditos desenvolvidos, ao defender seus nacionais, fim último do Estado, embora hipocritamente, pregam a abertura econômica e se fecham aos países emergentes, numa autêntica aplicação do princípio do famoso filósofo florentino. Em longo prazo, no entanto, estão jogando com o futuro da humanidade. Basta ver a onda atual de terrorismo que varre o planeta, fruto do próprio estímulo desses países à belicosidade entre os povos e a sua indiferença aos problemas que eles próprios causaram ao explorá-los.

O Brasil, dizem os ufanistas, está fadado a ser o celeiro do mundo, que haverá de liderar. Deve-se preparar, então, para todos, sob a Lei de Gerson assim resgatada, um país justo, de pessoas íntegras, que dê exemplos à humanidade e não um berço esplêndido aonde alienígenas oportunistas venham saquear milhões de miseráveis, sob a conivência genocida de uma dúzia de autóctones ‘espertos’.

Sobre o(a) autor(a)
Claudionor Rocha
Delegado
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