Momento processual da inversão do ônus da prova: estudo comparativo do CDC e do Novo Código de Processo Civil

Momento processual da inversão do ônus da prova: estudo comparativo do CDC e do Novo Código de Processo Civil

Saber se a inversão do ônus da prova no direito do consumidor trata-se de matéria de instrução ou de técnica de julgamento, depende da definição do momento mais adequado para o uso de tal medida, uma vez que esta questão ainda é bastante discutida e não pacífica no meio jurídico.

Saber se a inversão do ônus da prova no direito do consumidor trata-se de matéria de instrução ou de técnica de julgamento, depende da definição do momento mais adequado para o uso de tal medida, uma vez que esta questão ainda é bastante discutida e não pacífica no meio jurídico. 

A doutrina e a jurisprudência divergem sobre qual o momento adequado para se aplicar as regras de inversão do ônus da prova. Watanabe² considera que o momento adequado seria na sentença, assim prelecionando que “... somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estará o juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de no liquet, sendo caso ou não, conseqüentemente, de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível”.

O autor não vê em seu posicionamento nenhuma ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório e ao final endossa a sugestão de Cecília Matos² de que “... no despacho saneador ou em outro momento que preceda a fase instrutória da causa, o magistrado deixe advertido às partes que a regra de inversão do ônus da prova poderá, eventualmente, ser aplicada no momento do julgamento final da ação. 

Com semelhante providência ficará definitivamente afastada a possibilidade de alegação de cerceamento de defesa”.

Nesse sentido destaca-se o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:"... Todavia, penso que a inversão do ônus da prova deverá ser analisada apenas na sentença, quando o julgador avalia o conjunto probatório e vê quem faltou com seu dever de comprovar os fatos do processo e por isso ficou prejudicado por essa omissão. 

Ou seja, depende de todo o contexto probatório..." E ainda neste mesmo julgado ainda cita: “A dita inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor se dá no momento do julgamento, quando o magistrado avalia quem deveria ter provado tal fato, em face do acesso à prova.” ( TJ-PR, Ac. 8319, 5ª. Câmara Cível, Rel. Des. Domingos Ramina, DJ 26.03.2002).

Todavia, há o entendimento doutrinário contrário. João Batista de Almeida4 entende que o momento para o deferimento da inversão deverá ocorrer entre a propositura da ação e o despacho saneador, sob pena de prejuízo para a defesa do réu.

Rizzatto5 observa que a polêmica em torno do momento processual para aplicação da regra da inversão do ônus da prova, se dá em razão da falta de rigorismo lógico e teleológico do sistema processual instaurado pela Lei 8.078. E se opõe ao entendimento de que o momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova seja no julgamento da causa, afirmando que esse pensamento está em consonância com a distribuição legal do ônus da prova qual seja o posicionamento adotado no Novo Código de Processo Civil e que portanto, já trás uma certeza quanto ao momento da dinâmica em comento naqueles processos regidos conforme o CPC. (art. 357 e 373, CPC).

Atenta-se, desse modo, que o processo fora da relação de consumo não exige que o juiz faça qualquer declaração a respeito da distribuição do gravame. Basta levá-lo em consideração no momento de julgar a demanda. Não existe surpresa para as partes quanto a quem compete a produção da prova segundo o CPC. 

Já, a lei consumerista não expressa essa certeza, uma vez que a inversão prevista no art. 6º, VIII não é automática, fica a critério do juiz quando for verossímil a alegação ou se for hipossuficiente o consumidor. 

Portanto, é preciso que o juiz se manifeste para se saber se o elemento verossimilhança está presente ou se a hipossuficiência do consumidor, conforme o caso concreto, foi reconhecida. Concluindo que “... o momento processual mais adequado para a decisão sobre da inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o saneador. Na maior parte dos casos a fase processual posterior à contestação e na qual se prepara a fase instrutória, indo até o saneador, ou neste, será o melhor momento” . 

Voltaire de Lima Moraes6 não concorda que a inversão seja decretada ab initio, quando o juiz analisa a petição inicial, pois sequer houve manifestação do demandado, não podendo precisar a dimensão da sua resposta, muito menos os pontos controvertidos, acreditando ser imatura a decretação da inversão nessa fase do procedimento. 

Não concorda, também, com a decretação no momento da prolação da sentença, pois não vê a inversão processual como regra de julgamento. A inversão envolve questão incidente a ser efetivamente resolvida por ocasião da fase instrutória, sob pena de não se permitir ao fornecedor que se desincumba desse ônus que lhe foi judicialmente imposto, com prejuízo, inclusive para o exercício da ampla defesa e do contraditório.

Assim, Voltaire7 conclui que “... o momento adequado para a decretação da inversão do ônus da prova dar-se-á por ocasião do saneamento do processo, quando, inexistosa a audiência de conciliação, o Juiz tiver fixado os pontos controvertidos, aí sim, em seguimento, decidirá as questões processuais pendentes, dentre as quais o cabimento ou não da inversão do ônus da prova (art. 357, III , do CPC), ficando dessa forma cientes as partes da postura processual que passarão a adotar, não podendo alegar terem sido surpreendidas, especialmente aquela que recebeu o encargo de provar”. 

Neste sentido, parece mais acertada a corrente doutrinária favorável à tese de que o momento processual mais adequado é entre a propositura da ação e o despacho saneador, sendo o melhor momento no despacho saneador. Pois, não vai existir um elemento surpresa e as partes estarão cientes através do pronunciamento do juiz a quem compete o ônus da prova. Corroborando com este pensamento, vale citar a decisão abaixo:

"...Por outro lado, o momento processual mais adequado para decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o saneador." (Luiz Antônio Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Saraiva, pg. 126)... (TJ-PR, Ac. 7233, 5ª.Câmara Cível, Rel. Des. Bonejos Demchuk, DJ 29.06.2001).

Contudo, cita-se julgado do Superior Tribunal de Justiça que permitiu a dinamização do ônus da prova em fase posterior à fase de saneamento baseando-se no artigo 6º, VIII do CDC, destacando a ressalva de que tal atribuição dinâmica se ocorreu antes do encerramento da fase de instrução e com observância das normas fundamentais que hoje regem o Novo Código de Processo Civil.

Nesse sentido, cita-se a seguinte decisão Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REGRA DE INSTRUÇÃO. EXAME ANTERIOR À PROLAÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTES DO STJ. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, sendo que a decisão que a determinar deve - preferencialmente - ocorrer durante o saneamento do processo ou - quando proferida em momento posterior - garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas. Precedentes: REsp 1395254/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 29/11/2013; EREsp 422.778/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 21/06/2012. 2. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp 1450473 / SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, 23.09.2014). (g.n.)

Desta forma, fica evidente que o juiz da causa, caso venha a modificar a distribuição do ônus da prova dentro da relação de consumo, obrigatoriamente deve alertar as partes envolvidas no processo por meio decisão motivada, e, preferencialmente, em momento anterior ao início da fase de instrução. Ocorrendo após essa, deve ser garantida à parte tempo hábil a produção de provas. 

O Novo Código de Processo Civil, seguindo a mesma linha de entendimento do STJ, e também entendendo pelo momento do ônus da prova como regra de instrução, prevê em seu artigo 357 que na decisão de saneamento e de organização do processo, o magistrado deve definir a distribuição dinâmica do ônus da prova, uma vez observados os requisitos do artigo 373 do NCPC. Logo, de acordo com o NCPC, a decisão de saneamento do processo seria o momento exato para se determinar da distribuição do ônus da prova. Nesse sentido, cita-se8 :

Art. 357 do NCPC. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I – resolver as questões processuais pendentes, se houver; II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373;

Art. 373 do NCPC - O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. § 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.

Logo, para os processos regidos pelo NCPC não há dúvida sobre o momento de aplicação da dinâmica do ônus da prova por se tratarem de regras claras e precisas, o mesmo não se verificando, nas relações de consumo, onde a dúvida ainda se mantém na literatura jurídica.

CONCLUSÃO

Após o explanado, concluo ser a inversão do ônus da prova no Direito do Consumidor matéria de instrução por entender ser seu momento mais apropriado de aplicação no despacho saneador. Tal entendimento desprende-se da regra de distribuição do ônus da prova no processo civil é que já de amplo conhecimento das partes, conforme a inteligência do art. 357 e 373 do NCPC, seus parágrafos e incisos. 

Destaca-se que realizando a dinâmica do ônus da prova conforme preceituado acima, ambas as partes estarão a par de suas obrigações ao iniciar a fase instrutória, trazendo maior segurança as relações jurídicas, como também, garantindo a paridade de armas e evitando surpresas para parte.

Notas

2. WATANABE, Kazuo. In Grinover, Ada Pelegrine e outros. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª ed., p. 735, Forense, São Paulo, 2001. 

3MATOS, Cecília. O ônus da prova no CDC. Artigo in Justitia, abril/junho, São Paulo, 1995. 

4. ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2a ed., São Paulo: Saraiva, 2000. 

5. NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Comentarios ao CDC: direito material (arts. 1 a 54), p 124, ed. Saraiva, São Paulo, 2000. 

6. MORAES, Voltaire de Lima.In Revista de Direito do Consumidor, nº 31, julho-setembro, 1999. Ed.RT

7. Op Cit

8. DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

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Lucas Bittencourt e Xavier
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