O desvio produtivo nas relações de consumo
Análise do tempo como elemento jurídico relevante nas relações de consumo. A responsabilidade objetiva do fornecedor prevista como regra no Código de Defesa do Consumidor afeta diretamente a questão da apuração da natureza dos efeitos nefastos que o desperdício de tempo causa ao consumidor.
1 INTRODUÇÃO
Na mitologia clássica, Cronos é o deus do tempo. Não aquele que o protege, mas o que que se vinga dos deuses e mortais que desprezam ou dão pouca importância ao tempo. Cronos é conhecido por devorar seus filhos, da mesma forma que o tempo a tudo devora: a juventude acaba com a infância, enquanto sucumbe à velhice.
Enquanto elemento jurídico relevante, o tempo foi bastante aproveitado pelo Direito. Serve aos ditames materiais e processuais, podendo criar, modificar e extinguir relações jurídicas.
Há diversos exemplos de atuação do tempo como elemento de transformação das situações jurídicas: o decurso do prazo para contestação, o tempo necessário para obtenção de uma usucapião e a ocorrência da prescrição ou decadência.
No entanto, o Direito raramente olha o tempo como um bem que integra o direito extrapatrimonial do indivíduo. Os juros de mora e a indenização por lucros cessantes são raros exemplos da utilização do tempo enquanto bem ou direito indenizável.
Também é possível verificar a utilização do tempo como bem na fixação de astreintes pelo magistrado para o caso de atraso no cumprimento de determinada ordem judicial. Em que pese as astreintes tenham nítido caráter de penalidade por violação de uma ordem judicial, é inegável que servem de indenização pré-fixada pela perda do tempo do beneficiário da multa.
É necessário, no entanto, que se dê maior atenção ao tempo enquanto direito extrapatrimonial do consumidor. Isto porque, com a evolução da sociedade, o tempo tem se tornado cada vez mais escasso. Há um sentimento generalizado de que falta tempo para tudo: para dar atenção à família, para comparecer em uma confraternização com os amigos, para fazer cursos de especial interesse do indivíduo para autorrealização pessoal.
As situações a que estamos expostos no dia a dia tem demonstrado que o tempo é muito mais precioso do que se imagina: o tempo perdido no trânsito nos deixa mais afastados do convívio familiar. Da mesma forma, aproveitar o horário do almoço para enfrentar uma fila menor de banco pode nos custar uma refeição minimamente adequada.
É interessante trazer à baila as expressões da língua inglesa quanto ao tempo: spend time, no sentido de aproveitar o tempo, e waste time, com significado de desperdiçar o tempo.
Observada a escassez, a intangibilidade e a irreversibilidade do tempo, é necessário que os operadores do Direito se debrucem sobre o assunto, tratando o tema com mais seriedade e maior dedicação.
O presente trabalho tem por objetivo a análise da responsabilidade civil do fornecedor nas relações de consumo pela perda do tempo útil do consumidor.
2 TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR
A atual velocidade com que as informações e comunicações ocorrem demonstram que o tempo atingiu uma importância significativa nas relações pessoais. Enquanto no início do século se aguardava meses para receber uma carta, hoje é possível receber uma mensagem de um amigo do outro lado do mundo em questão de segundos.
Somos inundados por propagandas que prometem “o mais rápido” como um diferencial ao produto que nos proporcionará maior disponibilidade de tempo para ser utilizado para outros afazeres ou para ser desfrutado em atividades prazerosas do indivíduo
No entanto, é justamente nas relações consumeristas que ocorre o desvio produtivo. A expressão cunhada por DESSAUNE (2011) é uma alternativa para indicar o tempo perdido (wasting time) em filas de banco, consultórios médicos, atendimentos telefônicos, bem como a necessidade de retornar diversas vezes a uma loja para reparação de um bem recém adquirido.
Seguindo na mesma linha, STOLZE (2013) sugere que não é justo que um terceiro “pare” indevidamente tempo do consumidor, segundo a sua própria conveniência. Importante ressaltar que o este autor apresenta o tempo em duas perspectivas, sendo uma dinâmica e outra estática:
Na perspectiva mais difundida, “dinâmica” (ou seja, em movimento), o tempo é um “fato jurídico em sentido estrito ordinário”, ou seja, um acontecimento natural, apto a deflagrar efeitos na órbita do Direito. (...)
Em perspectiva “estática”, o tempo é um valor, um relevante bem, passível de proteção jurídica.
Durante anos, a doutrina, especialmente aquela dedicada ao estudo da responsabilidade civil, não cuidou de perceber a importância do tempo como um bem jurídico merecedor de indiscutível tutela.
Sucede que, nos últimos anos, este panorama tem se modificado.
As exigências da contemporaneidade têm nos defrontado com situações de agressão inequívoca à livre disposição e uso do nosso tempo livre, em favor do interesse econômico ou da mera conveniência negocial de um terceiro.
E parece que, finalmente, a doutrina percebeu isso, especialmente no âmbito do Direito do Consumidor. (STOLZE, 2013)
Desta forma, nas diversas relações consumeristas a que se submete diariamente, o indivíduo está sujeito a atrasos que podem desviar de suas atividades produtivas.
Trabalhando nos exemplos repassados por DESSAUNE (2011), na medida em que o consumidor precisa ficar em uma demorada fila na agência bancária em que, dos 10 guichês existentes, só há dois ou três abertos para atendimento ao público, é necessário que ele se afaste dos seus afazeres profissionais.
Da mesma forma ao ter que telefonar insistentemente para o serviço de atendimento ao consumidor de uma empresa, contando a mesma história várias vezes para cancelar um serviço indesejado ou uma cobrança indevida, o consumidor precisa deixar de cumprir as atividades que havia previamente planejado.
Ainda, em casos em que é obrigado a esperar em casa, sem hora marcada, pela entrega de um produto novo ou prestar um serviço, o consumidor permanece impedido de realizar atividades externas, mantendo-se refém em sua própria casa.
Importante relembrar ainda o caso de determinada sociedade de economia mista estadual que propõe um prazo para ligação de energia elétrica de até 5 dias, período em que o consumidor deverá permanecer na residência (sem energia elétrica) para receber os técnicos. A respectiva empresa justifica a demora na Resolução Aneel 414/2010, que estabelece um prazo de 3 dias úteis para vistoria e outros 2 dias úteis para a ligação. Aduz ainda que o agendamento não é admitido, pois não há como garantir a execução do serviço dentro do prazo acordado[2].
Em todas estas hipóteses, o consumidor é obrigado a se desviar de sua atividade produtiva, permanecendo à disposição do fornecedor.
Em determinada situações, este desvio é injusto e intolerável, seja porque, de forma dolosa, o fornecedor visa a desistência do consumidor em seu intento, ou, de forma culposa, o fornecedor busca a redução de custos empresariais que acabam por gerar prejuízos ao cliente.
Neste sentido:
Nesses casos, a indenização pelo dano moral deve ser reconhecida, na medida em que o dano sofrido pela perda do tempo livre se encontra num patamar distinto de meros aborrecimentos cotidianos, bem como de prejuízo material, posto que a perda do tempo de forma desarrazoada, causada por fatores que fogem à vontade e livre escolha do consumidor, não é algo que pode ser devolvido ou recuperado, pois o tempo perdido não é substituível, não podendo, por isso, ser compensado. No entanto, pode e deve ser indenizado.
O tempo é bem EXTRAPATRIMONIAL que não pode ser ressarcido, devolvido e recuperado. Sua perda implica em prejuízo íntimo para o seu titular, que ao se ver “sem tempo” não pode cuidar de outras atividades que compõe a sua vida, devendo haver, portanto, a devida repercussão na esfera da responsabilidade civil. (DELMONI, 2015)
Nesta ordem de ideias, a teoria estruturada por DESSAUNE (2011) propõe a responsabilização do fornecedor pelo desperdício injusto e intolerável do tempo útil do consumidor.
3 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR
Inicialmente, importante ressaltar que a responsabilidade civil classifica-se em responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual.
Quanto à responsabilidade contratual, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento de que somente haverá indenização por danos morais se, além do descumprimento do contrato, ficar demonstrada circunstância especial capaz de atingir os direitos de personalidade, o que não se confunde com o mero dissabor, conforme ementa apresentada pelo Ministro Relator Antônio Carlos Ferreira no REsp 1599224/RS.
Com efeito, o mero descumprimento do contrato ou o atraso no cumprimento da obrigação não gera, por si só, o direito à indenização por danos morais.
Por outro lado, a responsabilidade extracontratual, também chamada aquiliana, é aquela que, a despeito da existência ou não de um contrato estabelecido entre as partes, decorre de um ilícito praticado por uma das partes.
A especial codificação do direito do consumidor apresentou inegável avanço na questão da responsabilidade civil do fornecedor, vez que o desvincula da regra geral estabelecida no Código Civil para submetê-lo à regra dos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, com nítido cunho protetivo, baseada na teoria do risco-proveito.
Neste sentido:
Deve ficar bem claro que, como a responsabilidade objetiva consumerista é especificada em lei, não se debate a existência ou não de uma atividade de risco, nos termos da segunda parte do comando, que consagra a chamada cláusula geral de responsabilidade objetiva. Na verdade, o CDC adotou expressamente a ideia da teoria do risco-proveito, aquele que gera a responsabilidade sem culpa justamente por trazer benefícios ou vantagens. Em outras palavras, aquele que expõe aos riscos outras pessoas, determinadas ou não, por dele tirar um benefício, direto ou não, deve arcar com as consequências da situação de agravamento. Uma dessas decorrências é justamente a responsabilidade objetiva e solidária dos agentes envolvidos com a prestação ou fornecimento. (TARTUCE e NEVES, 2016)
Desta forma, aquele que adquire benefícios e vantagens em razão de exposição de pessoa a um determinado risco deve responder, de forma objetiva, com as consequências do agravamento ou realização do dano.
Observe-se, ainda, que NUNES (2012) sustenta que, além da teoria do risco-proveito, a responsabilidade objetiva não se fundamenta apenas no fato de ser difícil ao consumidor a comprovação da culpa, mas também na possibilidade de ausência de culpa do próprio fornecedor. Citando o caso de fornecedores que trabalham com produção em série, em larga escala, assim leciona o professor paulista:
Ora, o produtor contemporâneo, em especial aquele que produz em série, não é negligente, imprudente ou imperito. Ao contrário, numa verificação de seu processo de fabricação, perceberá que no ciclo de produção trabalham profissionais que avaliam a qualidade dos insumos adquiridos, técnicos que controlam cada detalhe dos componentes utilizados, engenheiros de qualidade que testam os produtos fabricados, enfim, no ciclo de produção como um todo não há, de fato, omissão (negligência), ação imprudente ou imperícia. No entanto, pelas razões já expostas, haverá produtos e serviços viciados/defeituosos.
Vê-se, só por isso, que, se o consumidor tivesse de demonstrar a culpa do produtor, não conseguiria. E, na sistemática do Código Civil anterior (art. 159), o consumidor tinha poucas chances de se ressarcir dos prejuízos causados pelo produto ou pelo serviço. (NUNES, 2012)
A abalizada doutrina de FARIAS, ROSENVALD e BRAGA NETTO (2015), explica que a responsabilidade objetiva exige a demonstração da conduta, o dano e o nexo causal entre a conduta e o dano, independentemente da existência ou demonstração de culpa do fornecedor.
Ressalte-se, no entanto, que a responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor cede perante as relações que envolvem os profissionais liberais que prestam serviços, vez que, neste caso, a lei exige a prova da culpa, de forma a tornar a responsabilidade subjetiva para estas situações, conforme preconiza o art. 14, parágrafo 4.º, da Lei 8.078/90.
4 POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO E ANÁLISE DE JULGADOS
De início, é importante separar o dano indenizável do mero aborrecimento.
Viver em sociedade – especialmente a atual – exige do homem uma série de situações de desconforto, caracterizados como um mero aborrecimento: enfrentar fila em um banco, o congestionamento de trânsito, a espera em um consultório médico, a necessidade de procurar o fornecedor para substituir um produto defeituoso.
Nestes casos, a situação experimentada pelo consumidor não chega a gerar um prejuízo além daquele exigido de todos que convivem em uma sociedade e que estão sujeitos a dissabores da vida moderna.
CAVALIERI FILHO (2008) ressalta que:
“Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.”
GUGLINSKI (2012), por sua vez, explica que apenas “a ocorrência sucessiva e acintosa de mau atendimento ao consumidor, gerando a perda de tempo útil, tem levado a jurisprudência a dar seus primeiros passos para solucionar os dissabores experimentados por milhares de consumidores, passando a admitir a reparação civil pela perda do tempo livre.”
No entanto, é preciso reconhecer que é humanamente impossível descrever quais situações configuram mero dissabor, e quais se revelam como efetivo prejuízo indenizável.
É inegável que existem situações em que é facilmente verificável a inexistência de dano indenizável, tal como uma simples fila de banco. Por outro lado, é patente que há ocasiões que geram um prejuízo indenizável, tal como uma fila em que o cliente precisa esperar em pé por mais de duas horas.
Fato é que existe uma infinidade de situações limítrofes que exigem uma análise percuciente do magistrado a fim de desvendar se se trata de um mero aborrecimento ou um efetivo dano que exija reparação.
A par disto, importa ressaltar que há circunstâncias que, em que pese a sujeição de pessoas às mesmas condições de tempo e lugar, devem ser reconhecidas como causadoras de prejuízo indenizável apenas para determinados consumidores, dadas as condições pessoais, enquanto para outros não passa de mero dissabor. Cite-se, a exemplo, a eventualidade em que, em uma mesma fila de uma agência bancária, encontrem-se em pé, durante quarenta minutos, um homem viril e uma mulher grávida no oitavo mês de gestação. Nesta hipótese, embora ambos os consumidores se encontrem submetidos às mesmas adversidades, é necessário reconhecer um mero aborrecimento ao homem, enquanto se reconheça um efetivo dano à mulher grávida.
No que se refere às filas em agências bancárias, observa-se que, no início, o Superior Tribunal de Justiça rejeitava o dano moral, por ausência de elementos que demonstrassem efetivo prejuízo, consistente na comprovação de dor, sofrimento, angústia ou tristeza em patamar além do tolerável.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça sequer reconhecia um prejuízo indenizável quando o pedido encontrava-se fundamentado em espera por tempo superior ao previsto em legislação estadual ou municipal, conforme se observa da ementa abaixo
DANO MORAL. ESPERA EM FILA DE BANCO POR MAIS DE UMA HORA. TEMPO SUPERIOR AO FIXADO POR LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. INVOCAÇÃO DA REFERIDA LEGISLAÇÃO PARA FUNDAMENTAR O RECONHECIMENTO DO DANO MORAL. INSUFICIÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Apenas a invocação de legislação municipal ou estadual que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para fundamentar o direito a indenização, devendo ser demonstrada a situação fática provocadora do dano" (STJ, AResp nº. 393798/SE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 17.05.2016).
Seguindo nesta esteira, as Turmas Recursais do Tribunal de Justiça do Paraná demonstram reticência na fixação de indenização por tempo excessivo em filas de bancos, ainda que ultrapasse os limites previstos na legislação daquele Estado:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANO POR DESVIO PRODUTIVO E DANO MORAL - ESPERA EXCESSIVA EM FILA DE BANCO - ATO ILÍCITO CARACTERIZADO - TEMPO DE ESPERA MUITO ACIMA DO PREVISTO EM LEGISLAÇÃO ESTADUAL E MUNICIPAL - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE OUTROS ELEMENTOS QUE ATESTEM ABALO OU DANO QUE ULTRAPASSEM O SIMPLES ABORRECIMENTO - ENTENDIMENTO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDENCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO RÉU CONHECIDO E PROVIDO - PREJUDICADA A ANÁLISE DO RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA.1. Conforme posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, para que a espera em fila de banco por tempo acima do previsto em lei seja indenizável, é necessário que, além do ato ilícito, estejam presentes também o dano e o nexo de causalidade, enquanto elementos da responsabilidade civil.2. Considerando que a autora deixou de demonstrar que a espera na fila do banco lhe causou algum dano que efetivamente tenha decorrido do evento, tem-se que a circunstância narrada não ultrapassou a esfera do mero aborrecimento cotidiano. (TJPR - 8ª C.Cível - AC - 1700881-0 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: Ademir Ribeiro Richter - Unânime - J. 19.10.2017)
Ressalte-se que no Paraná, a Lei Estadual 13.400/01 define como tempo razoável a espera por atendimento bancário de até 20 minutos em dias normais e 30 minutos em vésperas ou após feriados prolongados.
No entanto, os recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça demonstram uma evolução no posicionamento de alguns ministros, reconhecendo a aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor em diversas circunstâncias. A decisão mais recente referente ao tema, publicada em abril de 2018, consiste no Agravo em Recurso Especial 1.260.458/SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, que reconheceu o dano moral indenizável na relação de consumo envolvendo pessoa física e um banco privado, em razão de diversos encargos bancários indevidamente lançados à conta do cliente, cuja tentativa de resolução do problema entre as partes previamente à ação judicial se arrastou por 3 anos sem qualquer solução efetiva do transtorno causado pelo fornecedor ao consumidor.
Na referida decisão, o relator expressamente determinou a aplicação da teoria do desvio produtivo, analisando o martírio pelo qual passou o consumidor, que o privou de tempo que poderia ter sido melhor aproveitado:
Adoção, no caso, da teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, tendo em vista que a autora foi privada de tempo relevante para dedicar-se ao exercício de atividades que melhor lhe aprouvesse, submetendo-se, em função do episódio em cotejo, a intermináveis percalços para a solução de problemas oriundos de má prestação do serviço bancário. (Agravo em Recurso Especial 1.260.458/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, publicado em 25/04/2018)
Neste viés, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar a Apelação 0026929-56.2014.8.19.0202 em 16 de maio de 2018, determinou a aplicação da teoria do desvio produtivo, conforme se observa no seguinte trecho da ementa de relatoria do Desembargador José Carlos Paes:
Além disso, merece aplicação a chamada teoria do desvio produtivo do consumidor, assim entendida como a situação caracterizada quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento em sentido amplo precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências - de uma atividade necessária ou por ele preferida - para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável. Precedentes TJRJ. (TJRJ, Apelação 0026929-56.2014.8.19.0202, Relator Desembargador José Carlos Paes, publicado em 16/05/2018)
Também seguindo o mesmo entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a aplicação da teoria do desvio produtivo na situação em que o consumidor, mesmo após cancelar o contrato com empresa de televisão a cabo, continou recebendo cobranças, o que levou o cliente a efetuar inúmeras ligações objetivando cancelar as faturas
Apelação – Ação declaratória c.c. indenizatória – Sentença de rejeição do pedido – Irresignação procedente – Consumidora demandante indevidamente cobrada, por débito inexistente, após o cancelamento do contrato – Descaso da empresa ré para com as reclamações da autora – Situação em que há de se considerar as angústias e aflições experimentadas pela autora, a perda de tempo e o desgaste com as inúmeras ligações e reclamações para solucionar a questão – Hipótese em que tem aplicabilidade a chamada teoria do desvio produtivo do consumidor – Inequívoco, com efeito, o sofrimento íntimo experimentado pela autora, que foge aos padrões da normalidade e que apresenta dimensão tal a justificar proteção jurídica – Indenização que se arbitra na quantia de R$ 4.000,00, à luz da técnica do desestímulo – Responsabilidade pelas verbas da sucumbência atribuídas integralmente à ré, arbitrada a honorária na importância de R$ 1.500,00 (CPC, art. 85, §8º). Dispositivo: Deram provimento à apelação. (TJSP; Apelação 1008598-35.2017.8.26.0161; Relator Ricardo Pessoa de Mello Belli; 19ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 05/02/2018)
Quanto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, observa-se o primeiro acórdão publicado em 26 de abril de 2018, na Apelação Cível 1.0090.15.002710-1/001, de relatoria do Desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant, aplicando a teoria no caso de um consumidor que precisou procurar por três oportunidades distintas a assistência técnica para reparo em um aparelho telefônico, sem que o problema tenha sido solucionado.
Importante trazer à baila a decisão proferida pela Turma Recursal do Rio Grande do Sul que, em decisão de vanguarda no ordenamento jurídico brasileiro, reconhecia já em 2012 a aplicação da teoria do desvio produtivo, conforme se observa no Recurso Cível 71003680824, de relatoria do juiz Fabio Vieira Heerdt, no caso de um consumidor que não conseguiu o reparo em um aparelho celular no prazo previsto no Código de Defesa do Consumidor, obrigando-o a ingressar em juízo para solução do problema.
Do que se observa dos julgados analisados, com exceção do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a teoria do desvio produtivo do consumidor tem sido reconhecida como uma nova modalidade de dano, de forma presumida (in re ipsa), sem a necessidade de demonstrar efetivo sofrimento do consumidor, vez que a violação das regras consumeristas geram a responsabilidade objetiva do fornecedor.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável que o atual estágio da evolução humana impacta de forma efetiva – e por vezes nefasta – no tempo disponível. É comum ouvir as pessoas reclamarem por falta de tempo.
A escassez, a intangibilidade e a irreversibilidade tornam o tempo um bem valioso, ainda que não possua cunho patrimonial.
Em situação de regularidade, o consumidor já não dispõe de muito tempo livre utilizá-lo com a família, com amigos e atividades de interesse particular. Quando submetido a uma situação de desídia do fornecedor, este tempo útil diminui consideravelmente, retirando o consumidor de uma atividade necessária ou por ele preferida, para solucionar um problema que não foi por ele criado.
Considerando que a desídia ou a despreocupação do fornecedor ocorre de forma dolosa – objetivando fazer com que o consumidor desista do seu intento, ou de forma culposa – objetivando a redução de custos empresariais com consequências no atendimento do consumidor, a teoria do risco-proveito adotada pelo Código de Defesa do Consumidor acaba por reconhecer a responsabilidade objetiva do fornecedor, ressalvada a hipótese do art. 14, parágrafo 4.º, da Lei 8.078/90, que aplica a responsabilidade subjetiva, com demonstração de culpa, portanto, aos profissionais liberais que prestam serviços.
Este desperdício do tempo útil causado de forma consciente ou inconsciente pelos fornecedores determina o reconhecimento de um prejuízo indenizável, vez que, além de escasso, o tempo perdido é irrecuperável.
Neste sentido, tem iniciado um acolhimento da teoria do desvio produtivo na jurisprudência dos Tribunais de Justiça do país e do Superior Tribunal de Justiça, com viés de se tornar amplamente reconhecido e aplicado na exata medida em que o tempo disponível às pessoas se torna cada vez mais valioso.
REFERÊNCIAS
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed., São Paulo: Atlas, 2008.
DELMONI, Jéssica Ferreira. A Responsabilidade Civil pela perda do tempo útil nas relações de consumo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVIII, n. 139, ago 2015. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16295>. Acesso em 22 maio 2018.
DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011.
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD Nelson, e BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil: responsabilidade civil, volume 3. São Paulo: Atlas, 2015.
GUGLINSKI, Vitor Vilela. Danos morais pela perda do tempo útil: uma nova modalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3237, 12 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21753>. Acesso em: 22 maio 2018
NUNES, Rizatto, Curso de Direito do Consumidor, 7.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012.
STOLZE, Pablo. Responsabilidade civil pela perda do tempo. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3540, 11 mar. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23925>. Acesso em: 22 maio 2018.
TARTUCE, Flávio e NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
[1] Especialista em Direito Processual Civil pela Uninter.
[2] https://www.reclameaqui.com.br/copel-energia/por-que-5-dias-para-religar-ponto-de-energia_VB-BkA85mogwnNPI/