Abordagem histórica acerca da responsabilidade civil

Abordagem histórica acerca da responsabilidade civil

Quando se transgride estas normas, causando uma perturbação da ordem, tem-se a necessidade de ressarcir os danos causados. Esta é uma reação natural do homem, de ver seus prejuízos de alguma forma reparados.

1. INTRODUÇÃO

Desde os tempos mais remotos, a idéia de responsabilidade civil está presente no cotidiano das civilizações. A obrigação de indenizar, é, sem dúvidas, uma ocorrência natural da vida em sociedade.

Logicamente, em tempos mais remotos, a obrigação de indenizar não se mostrava da forma como é observada hoje em dia. Muitas vezes, a responsabilização daquele que tomava atitudes reprováveis perante os demais membros da sociedade era realizada através de torturas, mutilações e até mesmo a morte do causador do dano.

Com a evolução das sociedades, a forma de responsabilização por danos foi tomando outros contornos, chegando às formas que se tem conhecimento hoje em dia.

Sendo assim, faz-se de grande relevância um breve estudo acerca do responsabilidade civil, tendo como objeto de estudo as teorias objetivas e subjetivas aplicadas no Brasil.

2. CONCEITUAÇÃO E ABORDAGEM HISTÓRICA ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O homem, ao organizar-se para a vida em sociedade, criou regras de conduta capazes de direcionar as relações com seus semelhantes, a fim de evitar o surgimento de conflitos de interesse.

Ao transgredir estas normas, o transgressor vê-se coagido a reparar os danos provenientes de sua conduta inadequada.

Da observação destes comportamentos reprováveis à ótica das normas de conduta da sociedade e também tendo em vista a necessidade de reparar os danos causados a outrem, surgiu o instituto da responsabilidade civil.

Como bem ensina Hermes Rodrigues de Alcântara, citado por Júlio Cezar Meirelles, José Geraldo de Freitas Drumond e Genival Veloso de França[1]:

O fundamento da responsabilidade civil está na alteração do equilíbrio social produzida por um prejuízo a um de seus membros. O dano sofrido por um indivíduo preocupa todo o grupo porque, egoisticamente, todos se sentem ameaçados pela possibilidade de, mais cedo ou mais tarde, sofrerem os mesmos danos, menores, iguais e até mesmo maiores.”

A responsabilidade civil, do latim respondere, deriva, pois, da necessidade de se obrigar o agente causador do dano a repará-lo, inspirada basicamente no sentimento de justiça social.

Conforme conceito de Sílvio Rodrigues, a responsabilidade civil é “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”[2].

Segundo as palavras de Sílvio de Salvo Venosa[3]:

“O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar.”

Para Maria Helena Diniz[4], a responsabilidade civil é:

“Aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral e/ou patrimonial causado a terceiro em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal. A responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou Estado, de modo que a vítima poderá pedir reparação do dano, traduzida na recomposição do statu quo ante ou em uma importância em dinheiro.”

Por fim, tem-se Ruy Stoco[5]:

“Digamos, então, que responsável, responsabilidade, assim como, enfim todos os vocábulos cognatos, exprimem idéia de equivalência de contraprestação, de correspondência. É possível, diante disso, fixar uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) da atividade do homem. Como esta varia até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o campo em que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado.”

O Direito Civil brasileiro contempla duas teorias quanto aos fundamentos da responsabilidade civil.

A primeira delas, a teoria da responsabilidade subjetiva, considera como fundamento da responsabilidade a culpa em sentido lato (abrangendo as noções de dolo e culpa em sentido estrito).

Segundo esta teoria, para que haja a responsabilização pelo dano, o requerente deverá provar a culpa do agente.

Em certos casos, tendo em vista a real dificuldade de se constituir prova de culpa do agente, o ônus da prova é invertido, cabendo a este provar que o dano não foi proveniente de ação culposa.

Miguel Kfouri Neto[6] assim se expressa acerca da responsabilidade subjetiva:

“Os partidários da culpa como elemento fundamental da responsabilidade civil afirmam que a culpa possui um lastro moral, daí não se poder conceber a responsabilidade senão nela fundada. O homem se sente responsável – e obrigado – a reparar dano causado por um ato culposo seu, o que não ocorre em relação a eventuais danos a que haja dado causa de modo absolutamente imprevisível, e pelos quais não se reconhece responsável, pois não os causou verdadeiramente.”

Para melhor visualização, sita-se como exemplo de responsabilidade civil subjetiva a atividade médica exercida por médicos profissionais liberais. Para estes, há a necessidade de comprovação da culpa para que haja a devida responsabilização.

A segunda teoria acerca dos fundamentos da responsabilidade civil é a teoria da responsabilidade objetiva, segundo a qual não se exige a prova de culpa do agente; pode-se presumir esta culpa em virtude de lei, ou simplesmente ela é dispensada. Por tal fato, costuma-se denominar esta teoria de “responsabilidade sem culpa”.

Em se tratando de responsabilidade objetiva, leva-se em conta a teoria do risco, em que, segundo Sílvio de Salvo Venosa, o sujeito é “responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano”[7].

Como exemplo desta teoria, tem-se a responsabilidade objetiva atribuída aos hospitais ou clínicas cujos médicos a eles estejam vinculados por meio de contrato de trabalho. Tais estabelecimentos são responsabilizados pelos danos causados por seus profissionais, o que não impede que posteriormente haja uma ação regressiva contra estes. É o mesmo caso verificado em hotéis e demais estabelecimentos do gênero, que também são responsáveis pelos danos causados a outrem por seus funcionários.

A adoção da teoria da responsabilidade objetiva se justifica pela incompletude da teoria da responsabilidade subjetiva, quando de sua aplicação a determinados casos em que se faz extremamente difícil atribuir culpa ao agente.

Neste sentido, salienta Ruy Stoco[8]:

“A jurisprudência, e com ela a doutrina, convenceram-se de que a responsabilidade civil fundada na culpa tradicional não satisfaz e não dá resposta segura à solução de numerosos casos. A exigência de provar a vítima o erro de conduta do agente deixa o lesado sem reparação, em grande número de casos. Com esta conotação, a responsabilidade, segundo a corrente objetivista, deve surgir exclusivamente do fato.”

Ao ser analisado sob o prisma de seu fato gerador, o instituto da responsabilidade civil pode ser classificado em contratual ou extracontratual.

Vê-se, portanto, que fixar um conceito para o instituto da responsabilidade civil faz-se por vezes difícil, devido à amplitude da abrangência de seus efeitos e suas características, porém, de um modo geral, sua definição gira em torno do cometimento de um ato ilícito e sua consequente necessidade de reparação.

Como já mencionado, a noção de responsabilidade civil acompanha as relações humanas desde o início da vida em sociedade. Logicamente, devido ao prematuro estágio de desenvolvimento das civilizações, muitas vezes a responsabilização beirava ao que se entende hoje por vingança, chegando a atingir a integridade física, ou mesmo a vida, daquele que cometia a falta ou de membros de sua família.

Tal entendimento acerca da responsabilização pode ser facilmente verificada no Código de Hamurabi (1792 a. C.), que estabeleceu a famosa “pena de Talião”. Vê-se:

“§196. Se um awilum destruir o olho de um (outro) awilum, destruirão o seu olho.

§200. Se um awilum arrancou um dente de um awilum igual a ele, arrancarão o seu dente.

§209. Se um awilum bateu na filha de um awilum e a fez expelir o fruto de seu seio, pesará 10 siclos de prata pelo fruto de seu seio.

§210. Se essa mulher morreu, matarão a sua filha[9].”

Cabe aqui esclarecer que “awilum”, conforme se acha no texto do Código de Hamurabi, define o homem livre, em posse de todos os direitos de cidadão.

Mesmo a Bíblia Sagrada menciona a responsabilidade ao determinar que “os pais não serão mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais. Cada um será executado por causa de seu próprio erro”[10], e também que “se alguém roubar um boi ou uma ovelha e os abater ou vender, devolverá cinco bois por um boi, e quatro ovelhas por uma ovelha”[11].

Anteriormente ao Código de Hamurabi, do império babilônico, verificavam-se vestígios de responsabilidade civil em legislações como o Código de Ur-Nammu (Suméria, cerca de 2.040 a.C.), Código de Manu (Índia, cerca de 1.500 a.C.) e a Lei das XII Tábuas (República Romana, cerca de 450 a.C.). Em alguns de seus dispositivos, observava-se a composição econômica, em que o ofensor pagava uma certa quantia pelo dano causado, o que originou as mais incompreensíveis tarifações.

Na Lex Aquilia (Império Romano, século III a.C.), verificou-se a reparação do dano com observação da culpa do agente, idéia esta que esboçava, ainda que vagamente, os moldes do moderno instituto da responsabilidade civil.

Com o passar do tempo e conforme a sociedade foi se desenvolvendo, a responsabilidade civil foi tratada em diversas legislações pelo mundo, atingindo o patamar em que hoje se encontra.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O homem, para possibilitar a vida em sociedade, criou normas de conduta capazes de orientar e organizar a conduta de seus membros.

Quando se transgride estas normas, causando uma perturbação da ordem, tem-se a necessidade de ressarcir os danos causados. Esta é uma reação natural do homem, de ver seus prejuízos de alguma forma reparados.

Cada povo, em cada período da história, encontrou um meio de atribuir ao agente causador do dano uma punição, para que não repetisse o erro. Nos tempos antigos, as formas de responsabilização por danos eram muitas vezes cruéis, chegando a agredir a integridade física do indivíduo. Com o passar do tempo, a responsabilidade tomou contornos hábeis a ressarcir os prejuízos, sem, no entanto, tomar medidas mais drásticas. Passou a responsabilidade, então, a recair sobre os bens do ofensor.

Hoje, na maioria das nações a responsabilização depende, em grande parte dos casos, da verificação da culpa atribuída ao agente.

Em casos especificados em lei, há a responsabilização objetiva, sem que haja a prova da culpa.

Por fim, pode-se notar que as legislações acompanham as transformações ocorridas na sociedade, a fim de resguardar a ordem. Estas mudanças também atingem o instituto da responsabilidade civil, daí a sua tão profunda mudança desde os tempos antigos.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA SAGRADA: edição pastoral. São Paulo: Editora Paulus, 1999.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 4.

GOMES, Júlio Cezar Meirelles; DRUMOND, José Geraldo de Freitas; FRANÇA, Genival Veloso de. Erro médico. 3. ed. Montes Claros: Unimontes, 2001.

KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

KICH, Bruno Canísio. Responsabilidade civil: teoria, legislação e jurisprudência. Campinas: Agá Juris Editora, 1999.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4.

STOCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

[1] ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de. Responsabilidade médica Apud GOMES, Júlio Cezar Meirelles; DRUMOND, José Geraldo de Freitas; FRANÇA, Genival Veloso de. Erro médico, p. 147.

[2] RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 6.

[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, p. 1.

[4] DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, p. 200.

[5] STOCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil, p. 119.

[6] KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico, p. 61.

[7] VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 13.

[8] STOCO, Ruy. Op. Cit., p. 150.

[9] KICH, Bruno Canísio. Responsabilidade civil, p. 15.

[10] BÍBLIA SAGRADA. Deuteronômio, 24:16.

[11] BIBLIA SAGRADA. Êxodo, 21:37.

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