Da inconstitucionalidade de leis estaduais de contratação temporária na área da segurança pública

Da inconstitucionalidade de leis estaduais de contratação temporária na área da segurança pública

A exemplo das carreiras da administração tributária, fiscal de vigilância sanitária, guarda de trânsito, policial civil e militar, agentes ambientais, dentre outras. Nesses casos, a Constituição Federal não admite a contratação temporária.

As atividades inerentes ao exercício do poder de polícia do Estado devem ser preenchidas por meio de concurso público. A exemplo das carreiras da administração tributária, fiscal de vigilância sanitária, guarda de trânsito, policial civil e militar, agentes ambientais, dentre outras. Nesses casos, a Constituição Federal não admite a contratação temporária.

A contratação por tempo determinado visa atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, fundamentada no art. 37, IX, da Constituição Federal. Da norma constitucional, doutrina e jurisprudência podem ser inferidos quatro requisitos básicos para a contratação temporária de pessoal, são eles: previsão legal das hipóteses de contratação (lei do ente contratante), tempo determinado da contratação, necessidade temporária e excepcional interesse público.

No âmbito do Estado do Piauí, a Lei estadual nº 5.309 de 17 de julho de 2003 dispõe sobre a contratação temporária por excepcional interesse público e estabelece as hipóteses de contratação. A referida lei foi regulamentada pelo Decreto estadual nº 15.547, de 12 de março de 2014.

O ato administrativo que desencadear o processo de contratação temporária deve conter, além de outros elementos, a justificativa da contratação. O gestor deve demonstrar que a situação concreta justifica a contratação temporária conforme hipótese prevista na legislação da União, Estados e Municípios conforme seja o caso.

A simples indicação do dispositivo legal que ensejou a contratação temporária não é suficiente para justificar a celebração de contratos, devendo o gestor complementar no ato do processo de contratação as razões que o levaram a selecionar pessoal sem concurso público.

A jurisprudência do STF é consolidada no sentido de se vedar a realização de contratações temporárias para os serviços ordinários, permanentes do Estado e que devam estar sob o espectro das contingências normais da administração (Tese de Repercussão Geral 612 do STF). Não é possível contratação temporária para suprir atividades permanentes com funções de poder de polícia e fiscalizatórias, tendo em vista que desempenham funções tipicamente estatais, devendo ser realizadas por profissionais de carreira, devidamente aprovados em concurso público, nos termos da jurisprudência do TCE-PI (Vide Dec. Monocrática n° 476/2021-GWA, proferida no Processo TC/016429/2021, com publicação no DOE TCE/PI n° 201, em 25/10/2021, ratificada pela Decisão Plenária nº 1.081/2021).

Algumas atividades são inerentes ao exercício do poder de polícia do Estado e devem ser preenchidas por meio de concurso público, a exemplo das carreiras da administração tributária, fiscal de vigilância sanitária, guarda de trânsito, policial civil e militar, agentes ambientais, dentre outras. Nesses casos, a Constituição Federal não admite a contratação temporária.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. I. - A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37 e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público: C.F., art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público excepcional. II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 1.500/ES, 2.229/ES e 1.219/PB, Ministro Carlos Velloso; ADI 2.125-MC/DF e 890/DF, Ministro Maurício Corrêa; ADI 2.380-MC/DF, Ministro Moreira Alves; ADI 2.987/SC, Ministro Sepúlveda Pertence. III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3210 / PR. Relator: Min. Carlos Velloso. Julgamento: 11/11/2004. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

A pesquisa de jurisprudência revela ainda situações incríveis nesta temática da contratação temporária irregular. Cite-se, por exemplo, a contratação de policiais militares provisórios no Estado de São Paulo, prevista em lei e posteriormente declarada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, questão que também foi objeto de ação civil pública:

Incidente de Inconstitucionalidade. Lei federal 10.029/2000 e Lei estadual 11.064/2002 que disciplinam a contratação de voluntários temporários para as polícias militares e corpo de bombeiros. Inconstitucionalidades flagrantes Forma de admissão e de remuneração não previstas na Constituição Federal. Entendimento. Supressão de Direitos sociais do trabalhador. Contratação que, demais, deveria observar o prévio concurso público, já que as funções desempenhadas por policiais militares são permanentes. Inconstitucionalidade reconhecida. (9221852-31.2009.8.26.0000, Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei, Relator Des. A. C. Mathias Coltro, S. Paulo, Órgão Especial, 05/08/2009). [...] Ação Civil Pública Soldados PM Temporários Pretensão à convolação dos contratos temporários em vinculo definitivo ou, alternativamente, à nulidade dos contratos Inconstitucionalidade da LF F10.0299/2000 e LE 11.064 4/2002, que davam lastro às contratações, declarada pelo Órgão Especial desta Corte Desnecessidade de remessa da questão ao Órgão Inteligência do parágrafo único do art. 481 1 do CPC C Inconstitucionalidade que leva à nulidade dos contratos temporários Impossibilidade de convolação em vínculo definitivo Ofensa à regra do concurso público para acesso aos cargos, empregos e funções públicas Soldados PM Temporários que ingressaram mediante processo seletivo viciado, porquanto restringiu desmotivadamente a faixa de candidatos aceitos. Quebra do princípio da igualdade ao acesso aos cargos, empregos e funções públicos Nulidade dos contratos Inteligência do par.2º. do art. 37 da CF Sentença de procedência Recurso parcialmente provido. (AC 0031496-05.2011, j. 12/05/2014).

Algumas atividades são inerentes ao exercício do poder de polícia do Estado e devem ser preenchidas por meio de concurso público, nesses casos, a Constituição Federal não admite a contratação temporária.

Já na segurança pública, surge a dúvida: será permitida a continuidade da contratação temporária de policiais militares, ou nas Forças Armadas? Trata-se de prática usual, e, interpretado amplamente, o art. 37, IX, não permitiria essa hipótese, por se tratar de função finalística na área de segurança pública.

De acordo com o STF, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: os casos excepcionais estejam previstos em lei; o prazo de contratação seja predeterminado; a necessidade seja temporária; o interesse público seja excepcional; e a contratação seja indispensável, sendo proibida para os serviços ordinários permanentes.

Notas e Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 de abr. de 2023.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/inicio/>. Acesso em: 14 de abr. de 2023.

BRASIL. Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: <https://www.tce.pi.gov.br/>. Acesso em: 14 de abr. de 2023.

NOVO, Benigno Núñez. Compreendendo contratação temporária de servidor público nos Estados e Municípios. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/96275/compreendendo-contratacao-temporaria-de-servidor-publico-nos-estados-e-municipios>. Acesso em: 14 de abr. de 2023.

STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade: Adi 3210 PR. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363338>. Acesso em: 14 de abr. de 2023.

STF. Ação Direita de Inconstitucionalidade: Adi 7.098 MA. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6364502>. Acesso em: 14 de abr. de 2023.

Sobre o(a) autor(a)
Benigno Núñez Novo
Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília...
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