Cliente atropelado na garagem do estabelecimento tem direito a indenização
A empresa Nortintas S/A Materiais de Construção, do bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, perdeu o novo recurso que interpôs contra a decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça que garantiu ao industriário Affonso Vasconcellos de Aboim indenização de R$ 30 mil, em razão de atropelamento sofrido na entrada da garagem subterrânea do estabelecimento comercial. O colegiado, com base em voto da presidente, ministra Nancy Andrighi, rejeitou por unanimidade os embargos de declaração opostos pela empresa, por entender não existir qualquer omissão, contradição, dúvida ou obscuridade no acórdão que acolheu parcialmente o recurso especial da Nortintas e assegurou ao consumidor o direito de ser indenizado em razão do acidente.
Segundo o processo, Affonso de Boim, ao deixar a loja de materiais de construção, foi atropelado na saída da garagem subterrânea pela pick-up dirigida pelo construtor Sebastião José de Moraes, que manobrava de ré. Sofreu várias lesões e fratura exposta no fêmur esquerdo, tendo sido operado de urgência em razão da gravidade dos ferimentos que lhe foram causados. Moveu, por isso, ação de indenização contra a Nortintas S/A Materiais de Construção e contra o motorista que o atropelou, pedindo reparação pelos danos materiais, referentes às despesas médicas por ele desembolsadas, indenização por danos estéticos de R$ 30 mil e pagamento de 800 salários mínimos de danos morais, em decorrência da dor, do incômodo e das seqüelas sofridas.
A sentença julgou procedente o pedido de Affonso para condenar a loja, juntamente com o condutor do veículo atropelador, a reembolsar as despesas materiais provocadas pelo acidente, ou seja, R$ 51.506,28, mais as que forem necessárias ao completo restabelecimento do autor. Condenou, ainda, ao pagamento de indenização pelos danos morais decorrentes, no valor de 300 salários mínimos.
O acórdão do Tribunal de Justiça manteve integralmente a sentença, confirmando os valores fixados, o que levou a empresa a recorrer ao STJ, pedindo a reforma da decisão. Alegou que haveria litigância de má-fé por parte do consumidor atropelado, uma vez que as importâncias por ele pretendidas já teriam sido pagas pelo seu seguro de saúde. Sustentou também que o montante fixado para a indenização foi excessivo, fora dos parâmetros aplicados pelo STJ, e que a solidariedade não pode ser presumida, devendo ser individualizada a responsabilidade de cada um dos envolvidos no acidente.
Ao examinar o recurso da Nortintas, a Terceira Turma, por maioria de três votos a dois, com base em voto da ministra Nancy Andrighi, presidente do colegiado, acolheu parcialmente o recurso da empresa, apenas para reduzir o valor da indenização pelos danos morais para R$ 30 mil, por considerar elevado o valor de 300 salários mínimos fixados na sentença. Para a ministra Nancy Andrighi, o fornecedor de produtos e serviços responde objetivamente pelos eventos decorrentes do fato do produto ou do serviço que provocam danos a terceiros, principalmente como no caso, em que a garagem na qual ocorreu o acidente constitui um serviço diferenciado de estacionamento posto à disposição da clientela, de modo que agrega valor ao produto oferecido.
Assim, se, na disputa pela clientela, o estabelecimento comercial oferece estacionamento para seus usuários, tirando disso proveito para sua atividade empresarial, deverá responder pelos riscos de quem utiliza o serviço, sejam eles materiais ou extrapatrimoniais. Por isso, ainda que não se considere, no caso, o consumidor como destinatário final do serviço de estacionamento prestado pela empresa, deve ser aplicada à hipótese a disposição contida no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor, que equipara à noção de consumidor todas as vítimas do fato do serviço, de vez que restou comprovado o uso da referida garagem em proveito da clientela, constituindo um diferencial de serviço para atração dos clientes.
No entanto, para a ministra relatora, procede a inconformidade da empresa em relação ao valor fixado para a indenização. Para ela, mesmo que se tenha em mente o transtorno sofrido pelo cliente acidentado, a dor e a aflição sofridas em virtude da fratura, da cirurgia e da espera pela recuperação, o montante de 300 salários mínimos arbitrado na sentença apresenta-se muito elevado em relação aos valores atribuídos pelo STJ em casos mais graves, tais como atropelamento com morte da vítima. Por isso, reduziu o valor da condenação por danos morais a R$ 30 mil, em voto que foi acompanhado pelos ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Castro Filho. Votaram vencidos os ministros Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito, que mantinham integralmente os valores fixados na sentença, por entender que, estando provado que o usuário do estacionamento foi um adquirente de mercadoria na loja, a indenização deve alcançar danos morais e estéticos, não sendo por isso nem estratosférico nem absurdo nem despropositado o valor de 300 salários mínimos arbitrado.
Daí o inconformismo da Nortintas que tentou, por meio dos embargos de declaração, obter pronunciamento da Terceira Turma sobre a questão de sua responsabilidade solidária com o atropelador, que entende não poder ser presumida no caso. Mas o colegiado, desta vez por unanimidade, acolhendo voto da ministra Nancy Andrighi, rejeitou os embargos, pela ausência de qualquer omissão ou dúvida ou contradição no acórdão, capaz de ensejar o recebimento do recurso.