Sentença que absolve réu não pode ser anulada mesmo quando proferida por juiz incompetente
A sentença transitada em julgado que absolve réu no processo penal não
pode ser anulada mesmo tendo sido proferida por juiz incompetente. Essa
posição fundamentou a decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) que concedeu habeas-corpus ao jovem Marcos Augusto de
Araújo, determinando à Justiça do Rio de Janeiro que o ponha em
liberdade.
Araújo foi preso em flagrante pela polícia fluminense depois de ter
praticado um roubo. Levado para a delegacia, mentiu para os policiais,
informando que era menor de idade e que se chamava Júnior de Souza
Costa. Desconhecendo a verdade, o Ministério Público estadual ofereceu
representação contra o suposto menor pela prática de ato infracional
semelhante a roubo, e a Vara da Infância e da Juventude determinou sua
internação provisória.
Em 4 de março de 2004, a Justiça do Rio de Janeiro julgou improcedente
a representação oferecida contra o acusado por falta de provas,
determinando o arquivamento do processo. Após algum tempo, foi
constatado que Júnior na verdade se chamava Marcos Augusto de Araújo e,
ao contrário do que dissera à polícia quando foi preso, não era menor
de idade. Diante dessa notícia, os autos do processo foram enviados à
Vara Criminal e o MP ofereceu denúncia contra o acusado por roubo, uma
vez que, descoberta a verdade, verificou-se ser ele penalmente
imputável.
Para evitar sua prisão, Araújo impetrou habeas-corpus no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), mas seu pedido foi negado
pelos desembargadores da Sétima Câmara Criminal daquela Corte. O réu
ajuizou, então, outro habeas-corpus, dessa vez no STJ, sob a alegação
de que, como a Justiça estadual decretou improcedente a representação,
ele não poderia ser processado e julgado novamente pelos mesmos fatos
por outro juiz ou tribunal.
Ao analisar o pedido, o relator do caso no STJ, ministro Hélio Quaglia
Barbosa, destacou que a sentença prolatada por juiz incompetente, mesmo
nula, pode ter o efeito de tornar definitiva a absolvição do acusado.
Para o relator, ainda que carregada de nulidade, a decisão tem como
conseqüência a proibição do reformatio in pejus (reforma para pior), ou
seja, o agravamento da situação do réu.
No entendimento do ministro Quaglia Barbosa, expresso em seu relatório
e acompanhado pelos demais componentes da Sexta Turma, incide sobre o
caso de Araújo o princípio do ne bis in idem, que impede a instauração
de ação penal pelos mesmos fatos contra réu que foi absolvido por outro
juiz ou tribunal, ainda que incompetentes. "Aliás, outro não foi o
espírito que orientou o legislador do Código de Processo Penal pátrio,
ao permitir a revisão criminal apenas pro reo, senão garantir a
segurança jurídica sem a qual todas as pessoas já processadas perante o
Juízo Criminal, ainda que absolvidas por sentença transitada em
julgado, passariam o resto de seus dias atormentadas pela possibilidade
de, vislumbrada alguma nulidade em seus julgamentos, virem a ser
novamente processadas pelos mesmos fatos", escreve o relator. A
sentença transitada em julgado é aquela da qual não se pode mais
recorrer.