Grávidas que não contribuem para o INSS não fazem jus ao salário-maternidade
Os ministros que integram a Corte Especial do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) cassaram os efeitos de decisão da Justiça Federal de
Niterói, Estado do Rio, que concedia às grávidas o direito ao
salário-maternidade mesmo que não contribuam para a Previdência Social.
Os ministros acompanharam o voto do presidente do STJ, ministro Edson
Vidigal, relator desse processo, que considerou que a medida causaria
"danos financeiros" aos cofres previdenciários.
De acordo com dados apresentados pelo Ministério da Previdência Social,
os gastos com esse benefício chegariam a R$ 721,8 milhões. Caso fosse
mantida a decisão de primeira instância, as despesas com o
salário-maternidade seriam absorvidas pelos trabalhadores que
contribuem para a Previdência Social. Deste modo, verifica-se a
ampliação do déficit para fazer frente ao pagamento de benefícios aos
cidadãos que se enquadram dentro dos critérios que regem a Previdência
oficial.
"Em que pese a inadequação de boa parte das razões apresentadas pelo
requerente, inclino-me, porém, pela concessão da suspensão, tendo em
mira a alegação de risco de lesão à ordem pública, pois a decisão
proferida pela instância inferior, ao afastar determinação normativa,
ampliou enormemente, já que de âmbito nacional, o alcance do benefício
do salário-maternidade, sem, em contrapartida, indicar fonte de
custeio", diz o ministro Vidigal na decisão.
O processo movido pelo Ministério Público iniciou-se na Vara Federal de
Niterói, Estado do Rio de Janeiro, quando foi assegurado por meio de
liminar o direito de grávidas ao benefício mesmo que não comprovem o
vínculo empregatício e que não tenham contribuído para a Previdência
Social. Na ocasião, o juiz de Niterói decidiu que o benefício seria
estendido para todo o território nacional.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorreu sucessivas vezes
com a finalidade de reformar a decisão. Porém, em todas as instâncias o
INSS não obteve sucesso, restando por fim este Tribunal. Após uma
análise criteriosa do caso, o ministro Vidigal entendeu que não haveria
respaldo para a concessão do benefício uma vez que a medida traria
prejuízos, inclusive, para os demais beneficiários da Previdência
oficial. Para o ministro, haveria necessidade de criar uma forma
compensatória.
"Não é novidade que temos desemprego em nível bastante elevado,
refletindo um grau de informalidade no mercado de trabalho superior ao
do setor formal da economia. São, portanto, milhares de brasileiras
desempregadas ou trabalhando, mas que não recolhem contribuição para a
Presidência Social. Com a decisão que busca o INSS suspender, essas
passarão a fazer jus ao benefício do salário-maternidade,
sobrecarregando um sistema previdenciário público já deficitário",
disse.
O ministro Vidigal prosseguiu: "Sem entrar no mérito da questão de ter
o Poder Judiciário soberania para decidir se tal benefício deva ou não
ser concedido independentemente da prova da existência de relação de
emprego, tenho que não se deve desprezar, como no caso, o impacto
financeiro que certas decisões, proferidas muitas vezes quando ainda
não estabelecida a lide, podem causar aos cofres públicos, em
particular ao da combalida Previdência Social. Não se deve olhar só os
interesses daqueles que aspiram legitimamente os benefícios do Estado
do Bem-Estar Social (welfare state), mas igualmente daqueles que se
esforçam mensalmente, e em valores cada vez maiores, para se vincularem
ao seguro social público, pois estes é que vão pagar a conta do
incremento do número de novos beneficiários da Previdência Social."
E concluiu: "Por último, não podemos olvidar que os danos financeiros
que afligirão os cofres previdenciários, ante o caráter alimentar do
salário-maternidade, serão irreversíveis, só restando ao contribuinte
saldá-los. Assim, dou provimento ao agravo para suspender a tutela
antecipada concedida no Processo nº 2004.51.02001662-4, em trâmite na
1ª Vara Federal de Niterói/RJ, cujo pedido de suspensão no Tribunal
Regional Federal da 2ª Região foi indeferido."
Em seguida, o relatório e o voto foram submetidos aos demais ministros
da Corte Especial que votaram com o relator. Ao ser conhecido o
resultado, que sustou os efeitos da decisão da Justiça Federal de
Niterói–RJ, o presidente do STJ comentou, em tom de brincadeira, que
como a decisão desagrada às futuras mamães que não contribuem para a
previdência poderia ser tratado como sendo "inimigo" das grávidas assim
como ocorreu no ano passado quando decidiu contrário ao benefício de
passagens grátis aos idosos em linhas de ônibus intermunicipal.
A seguir a íntegra do relatório e voto do presidente do STJ, ministro Edson Vidigal:
"AgRg na SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 115 - RJ (2004/0105990-0)
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL(Relator): Ajuizou o Ministério Público
Federal Ação Civil Pública, com pedido de liminar, contra o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, visando a não aplicação pela
autarquia previdenciária do disposto no Decreto nº 3.048/99, art. 97,
que exige a comprovação da existência de relação de emprego pela
requerente, para fazer jus ao benefício do salário-maternidade,
restrição não contida na Lei nº 8.213/91.
Deferida a liminar pelo Juízo de primeiro grau, determinou-se ao INSS
que não rejeitasse qualquer pedido de benefício de salário-maternidade,
ainda que a requerente não comprovasse o vínculo empregatício.
Pediu o INSS a suspensão dessa liminar à Presidência do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região, indeferida pelo Vice-Presidente no
exercício da Presidência, fls. 109/111.
Requereu aqui, então, o INSS, pedido suspensivo, alegando ilegitimidade
ativa do Ministério Público e impropriedade da via processual eleita;
dano à ordem jurídica; ofensa à ordem pública e, ainda, a criação de
novo benefício sem fonte de custeio.
O pedido foi indeferido pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, no exercício da Presidência, assim:
"2. Observe-se, inicialmente, que a Suspensão de segurança, medida de
caráter excepcional, não se presta, em princípio, a examinar a
legalidade ou constitucionalidade das decisões judiciais, o que,
oportunamente, se examinará em eventuais recursos especiais ou
extraordinários, conforme o caso. Presta-se, isto sim, a evitar grave
lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, nos estritos
termos do art. 4º da Lei n. 8.437/92. Não basta, entretanto, o
requerente, alegar o risco de grave lesão. É necessário tornar suas
alegações verossímeis estribando-as em sólidos suportes fáticos ou em
razões de previsibilidade, provando-se objetivamente ou deduzindo, de
forma incontrastável, a inevitabilidade de sua ocorrência.
Na espécie, as alegações do INSS relativas à grave lesão são
imprecisas, não se demonstrando objetivamente a extensão material em
que ocorreriam.
Com essas considerações, indefiro o pedido" (fl. 116).
Daí este Agravo Interno, no qual o INSS diz omissa a decisão impugnada
quanto a questão da ilegitimidade do Ministério Público para o
ajuizamento de Ação Civil Pública na defesa de direitos individuais
homogêneos, ocorrendo no presente caso flagrante ilegitimidade. Invoca
precedentes da Quinta e Sexta Turmas do STJ.
Aduz que decisões como a proferida na referida Ação Civil Pública causa
falsa expectativa de direito às seguradas, "na medida em que, diante da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o MPF
é parte ilegítima para a defesa de direitos individuais homogêneos, a
decisão será reformada no inter processual" (fl. 126).
Diz que os valores pagos indevidamente não poderão ser restituídos ao
INSS, dado o caráter da verba, de natureza alimentar, "causando grave
prejuízo aos cofres da Previdência" (fl. 127). E acrescenta:
"A possibilidade de mudança da decisão, em face da ilegitimidade do
MPF, justifica a suspensão da liminar, tendo em vista o seu caráter
provisório, que, representa, por outro lado, um custo financeiro e
operacional muito alto para a Administração" (fl. 127).
Afirma que em razão da extensão da decisão, de âmbito nacional, resta
evidente o impacto financeiro para a Previdência, pois milhares de
seguradas encontram-se na situação contemplada pela referida decisão
antecipatória de tutela; e que, considerando os dados do exercício do
ano de 2002, projeta-se um incremento de R$721.895.084,98 (setecentos e
vinte e um milhões, oitocentos e noventa e cinco mil, oitenta e quatro
reais e noventa e oito centavos) nos gastos com o benefício do
salário-maternidade.
Por fim, argumenta que o julgador não pode atuar como legislador positivo.
Relatei.
AgRg na SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 115 - RJ (2004/0105990-0)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL(Relator): Senhores Ministros, o
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS requereu à Presidência desta
Corte a suspensão da decisão concessiva de tutela antecipada que
afastava a exigência da prova do vínculo empregatício, pelas
postulantes ao benefício do salário-maternidade. Alegou a autarquia
previdenciária que referida decisão lesionava a ordem jurídica e a
ordem pública.
Ao indeferir o pedido o ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo ressaltou
que o incidente não se prestava ao exame da legalidade ou
inconstitucionalidade da decisão impugnada, e que o pedido não vinha
acompanhado de elementos suficientes a configurar o risco de graves
lesões apontado pelo INSS.
Não obstante o incidente de suspensão não se prestar a análise quanto
ao acerto ou desacerto da decisão concessiva de tutela antecipada, por
essa trilha caminhou em boa medida o requerente, como detectado na
decisão agravada, a meu sentir com razão no particular, não sendo caso,
ainda, de reconhecer a existência de omissão como no Regimental
suscitada. A questão da ilegitimidade do Ministério Público
simplesmente extrapola os limites da via escolhida, servindo quando
muito, e perifericamente, como argumento da presença da fumaça do bom
direito, insuficiente por si só para justificar a concessão da medida.
É nessa linha que vem essa Corte Especial reiteradamente se
pronunciando, que a via da suspensão não pode ser utilizada como
sucedâneo recursal, também não comportando o exame de alegada lesão à
ordem jurídica.
Em que pese a inadequação de boa parte das razões apresentadas pelo
requerente, inclino-me, porém, pela concessão da suspensão, tendo em
mira a alegação de risco de lesão à ordem pública, pois a decisão
proferida pela instância inferior, ao afastar determinação normativa,
ampliou enormemente, já que de âmbito nacional, o alcance do benefício
do salário-maternidade, sem, em contrapartida, indicar fonte de custeio.
Não é novidade que temos desemprego em nível bastante elevado,
refletindo um grau de informalidade no mercado de trabalho superior ao
do setor formal da economia. São, portanto, milhares de brasileiras
desempregadas ou trabalhando, mas que não recolhem contribuição para a
Presidência Social. Com a decisão que busca o INSS suspender, essas
passarão a fazer jus ao benefício do salário-maternidade,
sobrecarregando um sistema previdenciário público já deficitário.
Sem entrar no mérito da questão de ter o Poder Judiciário soberania
para decidir se tal benefício deva ou não ser concedido
independentemente da prova da existência de relação de emprego, tenho
que não se deve desprezar, como no caso, o impacto financeiro que
certas decisões, proferidas muitas vezes quando ainda não estabelecida
a lide, podem causar aos cofres públicos, em particular ao da combalida
Previdência Social. Não se deve olhar só os interesses daqueles que
aspiram legitimamente os benefícios do Estado do Bem-Estar Social
(welfare state), mas igualmente daqueles que se esforçam mensalmente, e
em valores cada vez maiores, para se vincularem ao seguro social
público, pois estes é que vão pagar a conta do incremento do número de
novos beneficiários da Previdência Social.
Por último, não podemos olvidar que os danos financeiros que afligirão
os cofres previdenciários, ante o caráter alimentar do
salário-maternidade, serão irreversíveis, só restando ao contribuinte
saldá-los.
Assim, dou provimento ao Agravo para suspender a tutela antecipada
concedida no Processo nº 2004.51.02001662-4, em trâmite na 1ª Vara
Federal de Niterói/RJ, cujo pedido de suspensão no Tribunal Regional
Federal da 2ª Região foi indeferido.
É o voto".