Negativa de competência difere de rejeição de denúncia
A recusa de competência pela Justiça Federal não equivale à rejeição da
acusação. O entendimento da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) foi dado em pedido de habeas-corpus apresentado por
acusado pelos crimes de associação em bando armado, para furto a caixas
eletrônicos de agências bancárias, e lavagem de dinheiro. Além de Paulo
Roberto Ponath, existem outros 42 co-réus.
Um dos acusados alegou que a competência para julgar os crimes de
lavagem de dinheiro seria da Justiça Federal, o que foi reconhecido
pelo juízo estadual. A Justiça Federal, no entanto, recusou a
competência, já que as práticas de lavagem de dinheiro apontadas não se
encaixariam em nenhuma das listadas como de sua jurisdição.
A Primeira Vara Criminal de Joinville (SC), então, aceitou sua
competência, mas recebeu a denúncia apenas pelo crime de formação de
quadrilha, afastando os de lavagem de dinheiro. Para o juízo, a Justiça
Federal competente teria recusado a acusação por esses crimes. Pelo
mesmo motivo, a Justiça estadual revogou os decretos de prisão
preventiva.
O Ministério Público local apresentou recurso contra a decisão, que foi
recebido como apelação pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina (TJSC). O tribunal deu provimento ao recurso para anular a
parte da decisão que alterou a capitulação dos crimes atribuída pela
denúncia e cassar a revogação da prisão preventiva dos réus.
O pedido de habeas-corpus de Ponath alegava que a decisão de primeira
instância deveria prevalecer, já que o acórdão do TJSC não estaria
devidamente fundamentado, e que o ponto de vista do juiz processante,
por estar mais próximo dos fatos, deveria ser privilegiado. Além disso,
o tribunal estadual não poderia rever decisão da Justiça Federal.
Ao avaliar o caso, a ministra Laurita Vaz, relatora do processo na
Quinta Turma, considerou que o acórdão do TJSC foi correto ao reformar
a decisão de primeira instância. O juízo federal teria apenas rejeitado
a competência para processar e julgar o feito, comentando que os fatos
supostamente criminosos não caracterizariam as modalidades de lavagem
de dinheiro que atraem sua competência.
O acórdão do TJSC afirmava que "o juiz de direito laborou em equívoco
ao entender que o juiz federal desclassificara o crime de lavagem de
dinheiro narrado na denúncia e em seu aditamento – não obstante
houvesse apenas emitido seu entendimento pessoal no que pertine à
atipicidade da conduta imputada aos acusados pelo Ministério Público
Estadual –, porquanto, tendo declinado da competência para processar e
julgar o feito, não poderia examinar o conteúdo da exordial acusatória
e seu aditamento, tanto a primeira, quanto o segundo, recebidos pelo
juiz estadual. (...) Diante disso, impõe-se o restabelecimento da
capitulação constante da denúncia, quando de seu aditamento".
Além disso, para a ministra, não cabe ao magistrado adiantar-se na
análise da correção da capitulação apresentada pelo Ministério Público,
o que não é permitido pela legislação processual penal em vigor. O
Código de Processo Penal admite que o juiz altere os crimes apontados
quando emitir a sentença apenas, sendo vedada sua realização em momento
anterior.
A prisão preventiva dos acusados também estaria devidamente
fundamentada. Afirma a ministra Laurita Vaz em seu voto: "A conclusão
do magistrado de primeiro grau no sentido da revogação do decreto
prisional foi alcançada a partir da inoportuna desclassificação do
delito de lavagem de dinheiro. Com efeito, o juiz processante, mesmo
admitindo a persistência das razões autorizativas da segregação
cautelar, partiu de conjecturas acerca da sanção penal a ser aplicada
pelos demais crimes em questão, que não chegaria, pelo ‘quantum’ por
ele estimado, a justificar, desde logo, o cárcere provisório por
período de tempo muito grande."
Conforme demonstrado pelo TJSC, a liberdade dos envolvidos
representaria perigo à ordem pública, na medida em que os autos indicam
a existência de formação de quadrilha organizada, cujos integrantes têm
praticado os crimes de furto a caixas eletrônicos repetidamente, em
diversas localidades, utilizando-se dessa atividade ilícita como meio
de vida.
Por esses motivos, a Quinta Turma negou a ordem de habeas-corpus por
unanimidade, mantendo a decisão do TJSC e a prisão preventiva dos réus.