Nem sempre quem instrui o processo deve proferir a sentença
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garante que o
processo em que figuram a Companhia Vale do Rio Doce e pais de vítimas
de atropelamento em linha férrea tenha apelação apreciada pelo tribunal
estadual. O entendimento da Turma é que deve ser afastada a nulidade da
sentença proferida por substituto de juíza que instruiu o processo, mas
entrou de férias e, assim, o processo estava muito bem instruído, não
havendo, portanto, sequer a necessidade de obter mais dados. Segundo o
relator, ministro Aldir Passarinho Junior, a lei não é taxativa ao
dispor as exceções em que um outro juiz pode assumir os autos – entre
outras possibilidades a lei cita o "afastamento por qualquer motivo".
Assim, o relator afastou a sustentação da Vale do Rio Doce de nulidade
do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
(TJMA), porque o teve como suficientemente fundamentado: "E, claro,
apenas contendo solução contrária ao interesse da ré." Em seguida,
citou o artigo 132 do CPC e o analisou. Diz o artigo: "O juiz titular
ou substituto que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver
convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou
aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. Parágrafo
único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se
entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas."
De acordo com o ministro Aldir Passarinho Junior, a disposição que
enuncia os parâmetros do princípio da identidade física do juiz foi
assim redigida em lei de 1993 (Lei 8.637), que buscou abrandar a
vinculação do magistrado da instrução com o julgamento da causa. "Uma
forma de contornar problemas que advinham em quantidade pela dinâmica
da movimentação no primeiro grau de jurisdição, notadamente em estados
com elevado número de comarcas", explicou.
O relator lembra que a norma lista as exceções, mas não é taxativa ao
dispor o afastamento "por qualquer motivo". "Ainda é aberta a
possibilidade de o juiz substituto repetir as provas, se entender
necessário à formação da sua convicção pessoal", observou o relator.
No caso em questão, considerou ser muito farta a prova colhida,
existindo múltiplos e minuciosos depoimentos, prova pericial e
fotografias, o que lhe pareceu ter sido suficiente para formar a
convicção do magistrado substituto, até sem necessidade de repeti-las.
Por esse motivo, afastou a preliminar de nulidade de sentença e
determinou o retorno dos autos ao TJMA para a apreciação dos demais
pontos da apelação dos autores.
Histórico
Jorge Alves de Sousa e sua mulher moveram ação contra a Companhia Vale
do Rio Doce para requerer indenização por danos materiais e morais em
razão do atropelamento de seus três filhos por locomotiva da empresa.
As crianças cruzavam a linha férrea na garupa de uma motocicleta que
rebocava uma caçamba. Ao atravessar a linha, o veículo ficou preso,
ocorrendo o acidente, o qual resultou na morte de um dos menores e
ferimentos dos demais.
A ação foi julgada improcedente em primeiro grau por juiz substituto,
uma vez que a responsável pela instrução estava de férias. Na apelação
interposta pelos pais das vítimas, o TJMA acolheu a preliminar de
nulidade da sentença por entender que a magistrada que concluiu a
instrução processual e entrou em férias, mantém vínculo profissional,
devendo ser ela a proferir a sentença – sob pena de violação ao
princípio da identidade física do juiz.
Desconstituída a sentença, a Companhia recorreu, sendo seu recurso
acolhido e declarada a nulidade do acórdão do TJMA por falta de
encaminhamento dos autos ao desembargador-revisor. Porém, suprida essa
falta, novo acórdão foi proferido. Novamente foi desconstituída a
sentença do juiz de primeiro grau, nos mesmos termos do primeiro
acórdão do TJMA.
A ré apresentou outros recursos, não obtendo vitória. Por fim, a Vale
do Rio Doce recorreu ao STJ sustentando a nulidade do acórdão do
Tribunal de Justiça por obscuridade, contradição e falta de
fundamentação, sendo ofendidos artigos do Código de Processo Civil
(CPC). Na matéria de fundo, alega contrariedade ao artigo 132 do CPC
por entender que as férias devem ser consideradas como exceção legal ao
princípio da identidade física do juiz. Por isso, justifica "não haver
nulidade na sentença por ter sido proferida por outro magistrado, uma
vez que quem fez a instrução se achava em gozo de férias".