Mantida responsabilidade de piloto e co-piloto da Varig por mortes em acidente aéreo
Tanto Cezar Augusto Pádula Garcez e Nilson de Souza Zille, piloto e o
co-piloto da aeronave Boeing 737-200, da empresa Varig, são
responsáveis pelas mortes de doze pessoas e lesão corporal grave em
outras 29, ocorridas em acidente aéreo na localidade de São José do
Xingu, no Pantanal mato-grossense. O reconhecimento é conseqüência de
decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo
entendimento determinou que ambos cumpram pena restritiva de direitos
mais multa.
O acidente ocorreu em setembro de 1989. O Boeing 737-200 da Varig que
partiu de Marabá com destino a Belém (PA), caiu na região de São José
do Xingu (MT) por "distração" do comandante. Segundo informações
descritas pelos setores de aviação responsáveis pelo controle de
acidentes aéreos, o comandante teria consultado o Plano de Vôo
Computadorizado e inserido, por falha de percepção, a radial 270 no
curso do HSI, quando a correta seria 027. Ou seja: ao invés de tomar o
rumo norte, o piloto foi na direção sudoeste. O co-piloto, ao retornar
de inspeção externa, por imitação, também teria inserido a mesma proa
observada no instrumento do comandante. O erro só teria sido percebido
após 40 minutos de vôo, alguns minutos antes de aterrissar. Seis
tripulantes e 36 passageiros sobreviveram ao acidente.
Piloto e co-piloto foram denunciados pois teriam agido com desatenção e
imprudência ao percorrer o caminho errado. Quando foram corrigir o
erro, não pensaram nas conseqüências, e desse erro resultou o desastre
que causou a morte e o ferimento de várias pessoas.
A Justiça Federal os condenou a quatro anos de detenção, convertidos em
pena alternativa e pagamento de multas, mais honorários. Ambos os
acusados apelaram, mas o Tribunal Regional Federal da 1ª Região afastou
todas as alegações e transformou a condenação em uma pena restritiva
mais multa em duas penas alternativas.
Ambos recorreram ao STJ. O piloto diz que a ação não poderia ter
corrido na Justiça Federal de Mato Grosso sem a ratificação do
Ministério Público, já que originalmente apresentada em uma vara
federal de São Paulo, e que o TRF não poderia ter reformado a sentença
condenatória em prejuízo dos réus se o Ministério Público não apelou. O
co-piloto, por sua vez, após ter seu recurso interno recusado no TRF –
no qual alegava que a decisão não se manifestou sobre a hierarquia e a
responsabilidade exclusiva do comandante em relação à condução da nave,
não que afastaria a culpa dele –, também recorreu ao STJ. Além das
mesmas alegações feitas pela defesa de Cezar Garcez, Nilson de Souza
Zille afirmou não poder ser responsabilizado pela condução da nave,
principalmente quando teria agido em estrita obediência à ordem de
superior hierárquico.
O ministro José Arnaldo da Fonseca, relator do caso no STJ, afastou a
alegação de que a denúncia foi oferecida perante juiz incompetente e
depois remetida à 3ª Vara da Seção Judiciária do Mato Grosso, onde não
foi ratificada pelo Ministério Público de forma expressa. O relator
considerou possível a ratificação implícita, conforme reconhecido pelo
TRF, até porque não há lei que determine que a ratificação deva ser
expressa.
No que diz respeito à alegada substituição pelo Tribunal Regional, de
ofício, da pena privativa de liberdade por duas restritivas de
direitos, alterando a sentença condenatória nesse ponto, onde a
substituição da pena privativa de liberdade se deu por uma restritiva
de direitos e multa, o ministro – acompanhando entendimento da ministra
Laurita Vaz – deu razão a Garcez. "O acórdão recorrido realmente
incorreu em reformatio in pejus, porque a pena restritiva de direitos
é, sem dúvida, mais severa que a pena de multa, tendo em vista que o
não-cumprimento da primeira, ao contrário do que ocorre com a segunda,
poderá resultar na sua conversão em pena privativa de liberdade",
afirmou o ministro José Arnaldo. Lembra o relator que a proibição da
reformatio in pejus (reforma para pior.) tem como fundamento o
princípio de que o tribunal não pode piorar a situação processual do
recorrente, retirando-lhe vantagem concedida pela sentença, sem pedido
expresso da parte contrária.
Quanto ao argumento do co-piloto de que a responsabilidade é exclusiva
do piloto, o entendimento da Quinta Turma é de que "a responsabilidade
prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica é de natureza
administrativa, invocável para fim de ressarcimento do dano e possível
ação regressiva contra o piloto. Não se confunde, todavia, com
responsabilidade de natureza penal, cujos requisitos estão previstos no
Código Penal Brasileiro, e que decorre de uma relação de causalidade
dissociada das responsabilidades de origem administrativa". Ainda que
assim não fosse, a discussão em torno da responsabilidade penal do
co-piloto, reconhecida pelas instâncias ordinárias, acarreta a
necessidade de revolvimento do conjunto de provas, o que não é possível
em sede de recurso especial, conforme reza a Súmula 7 do STJ.
Agora a questão da responsabilidade do co-piloto voltou à discussão no
âmbito da Quinta Turma. Nilson Zille apresentou embargos de declaração
requerendo que a Turma reapreciasse o caso. Segundo ele, a decisão
anterior dos ministros conteria uma contradição, pois, tendo
reconhecido a subordinação hierárquica advinda do Código Brasileiro de
Aeronáutica, haveria de reconhecer também a violação ao artigo 22 do
Código Penal, segundo o qual "se o fato é cometido sob coação
irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente
ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da
ordem". Para Zille , há necessidade de modificar o julgado para retirar
do co-piloto a responsabilidade pelo acidente.
Para os ministros da Quinta Turma, não houve nenhuma contradição na
decisão tomada anteriormente. "A discussão relativa à aplicação do
artigo 22 do Código Penal restou eficientemente definida pelo acórdão,
tanto no voto do relator, quanto no da ministra Laurita Vaz", afirma o
ministro José Arnaldo em seu voto. Explica o ministro que os embargos
de declaração têm por objetivo responder a possível obscuridade,
dúvida, contradição ou omissão, como no caso são inexistentes, é
inviável a sua condução com o fim de substituir a decisão a qual ataca,
sob a pretensão de modificá-la. A Quinta Turma manteve assim a decisão
que determina que ambos são responsáveis pelo acidente, crime cuja
condenação ficou fixada em pena restritiva de direitos e multa.