Justiça garante a cobrador de ônibus direito de não se incriminar
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o direito
ao silêncio de um trabalhador que não queria se incriminar numa conduta
irregular e manteve decisão de segunda instância que o absolveu da
litigância de má-fé. Cobrador de ônibus, ele recusou-se a se reconhecer
num vídeo em que aparece deixando passageiros a pular a catraca.
O Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco (6ª Região) manteve a
justa causa na demissão do trabalhador, porém absolveu-o da litigância
de má-fé e de todas penalidades decorrentes dessa condenação: pagamento
de custas judiciais, honorários de advogados e de perícia (R$ 300,00).
O TRT-PE ainda condenou o empregador, Expresso Vera Cruz Ltda, do
Recife, a pagar horas extras ao empregado de vinte minutos ao dia.
A empresa alegou que a recusa do empregado demitido provocou
constrangimento à juíza de primeiro grau e representou mais um ônus ao
Estado devido à realização de perícia pela Polícia Federal.
"O dever de expor os fatos em juízo conforme a verdade, previsto no
artigo 14 do Código de Processo Civil, não obriga o trabalhador, ao
depor, a reconhecer ser ele a pessoa que aparece em tela de vídeo, em
gravação feita pelo empregador, cometendo suposto ato de improbidade",
disse o relator do recurso da empresa no TST, o juiz convocado Ricardo
Machado.
Machado afirmou que o caso deve ser interpretado pelo princípio
constitucional que assegura o "privilégio contra a auto-incriminação",
"aplicável não apenas no sistema jurídico e administrativo de repressão
criminal, mas em quaisquer órgãos dos poderes Executivo, Judiciário ou
Legislativo".
O relator citou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada
a partir da interpretação do direito ao silêncio, previsto no artigo
5º, inciso LXIII da Constituição. Na decisão que firmou essa
jurisprudência o relator, ministro Sepúlveda Pertence, diz que "a
garantia contra a auto-incriminação se estende a qualquer indagação por
autoridade pública de cuja resposta possa advir a imputação ao
declarante da prática de crime, ainda que em procedimento e foros
diversos".
Machado citou uma outra decisão do Supremo, em que o ministro Celso
de Mello afirma que "o privilégio contra a auto-incriminação, que é
plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito,
traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa que, na
condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento
perante orgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder
Judiciário".
O registro de imagem do cobrador permitindo passageiros a pular a
catraca foi feito pela Empresa Metropolitana de Transportes do Recife
após verificar evasão de receitas. A empresa intensificou a
fiscalização nos ônibus, inclusive com a colocação de microcâmeras
dentro dos ônibus. Segundo a empresa, o cobrador já havia sido
advertido em outras ocasiões por permitir que passageiros entrassem
pela porta dianteira do ônibus para embolsar a tarifa.