Vítima que perdeu um olho em acidente de trânsito não consegue indenização
Gilmar Carvalho de Souza, vítima de atropelamento quando tinha oito
anos, situação em que perdeu um olho, não conseguiu na Justiça o
direito à indenização. A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) entendeu, por maioria, ter prescrito o caso, pois o fato ocorreu
em 1980 e a ação foi interposta em 1997. Assim, manteve-se a decisão do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que concluiu pela
prescrição qüinqüenal do processo.
O fato ocorreu em 1980 e em 1997 foi apresentada, no Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP), uma ação de indenização por danos morais,
materiais e estéticos contra a Fazenda Pública do estado. Gilmar de
Souza sustentou ter sido atropelado por um caminhão-tanque, em 24 de
dezembro de 1980, provocando a perda do olho direito. Alegou que
ocorreram "falhas gritantes no inquérito policial e que o Ministério
Público requereu, equivocadamente, o seu arquivamento."
O juízo de primeiro grau julgou extinta a ação devido a sua prescrição.
Nesse sentido, salientou que, "interrompido o curso da prescrição pela
menoridade absoluta, completando o autor 16 anos o prazo recomeçou a
correr por inteiro". Assim, a ação deveria ter sido ajuizada até 1993.
Decorridos mais de cinco anos desde o início do prazo extintivo,
"encontra-se prescrito o direito do requerente demandar contra a
Fazenda Pública".
Depois, Gilmar de Souza interpôs recurso de apelação no TJSP, mas não
obteve sucesso. Por fim, entrou com recurso do STJ. Sobre o último, o
Ministério Público Federal também opinou pelo não-provimento, por
entender que, nas "ações propostas contras as Fazendas Públicas, mesmo
em se tratando de direitos processuais, aplica-se o prazo prescricional
qüinqüenal".
O caso, de relatoria do ministro Franciulli Netto, foi debatido na
Segunda Turma do STJ, onde obteve dois votos em favor da vítima e três
contra. O acórdão vai ser redigido pela ministra Eliana Calmon, de quem
partiu a divergência em um voto-vista. Seu entendimento foi acompanhado
pelos ministros Castro Meira e Francisco Peçanha Martins.
Para a ministra Eliana Calmon, "encontra-se consagrada a prescrição
qüinqüenal com a plena vigência do Decreto 20.910/32". De acordo com
ela, a ressalva que se faz é em relação aos direitos reais, cujo lapso
prescricional obedece ao Código Civil. "Dentro de uma visão bem moderna
do Direito, com respaldo constitucional, pode-se afirmar que em certas
e determinadas situações ficam as pessoas, por força de carência
absoluta, privadas de assumirem atitude ativa contra o Estado", informa.
Sobre o assunto, a ministra explica que, "quando isso ocorre, aplica-se
a regra jurídica da não-fluição do lapso prescricional para os
incapazes e pode-se, a partir daí, construir uma jurisprudência em
consenso com a lei e os princípios gerais do direito". Entretanto, no
presente caso, assim entende a ministra: "Por mais lamentável que seja
o episódio, por mais carente que seja a vítima, não vislumbro a
excepcionalidade para dizer que foi infringido direito fundamental" e
ainda completa: "Se assim for, tudo passa a ser direito fundamental, a
vida, a integridade física, a personalidade, etc, de tal forma que na
prática acabaríamos com a prescrição qüinqüenal".
Para o relator, ministro Franciulli Netto, a integridade física é um
direito fundamental e assim "ou se deve entender que esse direito é
imprescritível ou a prescrição deve ser a mais ampla possível, o que,
na ocasião, nos termos do artigo 177 do Código Civil então vigente, era
de 20 anos". Em seu voto, o ministro havia pedido o afastamento da
prescrição e o retorno dos autos ao Tribunal de origem para a análise
das demais questões de mérito.