Estatização de cartórios privados não configura fato do príncipe
A estatização de cartórios privados, por meio de lei estadual, para
atender à exigência prevista no Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT, artigo 31) não configura a ocorrência do chamado
"fato do príncipe" (ou factum principis), instituto que transfere ao
ente público responsável pela paralisação temporária ou definitiva de
determinada atividade a obrigação de indenizar os trabalhadores que
perderam seus postos de trabalho.
Com base neste entendimento, a Seção Especializada em Dissídios
Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho acolheu recurso de
um grupo de escreventes que atuava na 4ª Escrivania Cível de Fortaleza
(CE) e que está encontrando dificuldades para receber verbas
rescisórias. O encerramento das atividades das escrivanias ou
serventias judiciais do Foro da capital cearense foi determinado pela
Lei Estadual nº 12.342, de 28 de julho de 1994, e a titular da 4ª
Escrivania alegou ocorrência do fato do príncipe. O relator do recurso
foi o ministro Gelson de Azevedo.
De acordo com a lei estadual, os escreventes que contavam com cinco
anos de exercício na data da promulgação da Constituição Federal
(05/10/1988) foram considerados estáveis e tiveram vaga assegurada na
nova estrutura funcional do Poder Judiciário, com lotação nas
secretarias das Varas com salários equivalentes aos pagos aos ocupantes
de cargos de atividades de nível médio.
A mesma lei autorizou o Tribunal de Justiça do Ceará a contratar
pelo prazo de seis meses os escreventes com menos de cinco anos de
serviço para atender à necessidade temporária de excepcional interesse
público, com vistas a evitar prejuízos das atividades do Poder
Judiciário da comarca da capital. Os trabalhadores beneficiados pela
decisão do TST estão justamente nesse segundo grupo.
A controvérsia começou quando o grupo de escreventes ajuizou
reclamação trabalhista contra a titular da então 4ª Escrivania Cível -
Lúcia Josino da Costa Liebmann – cobrando o pagamento de saldos de
salário, décimo-terceiro salário, multa de 40% do FGTS, entre outros. A
empregadora ponderou que com a estatização dos cartórios privados, os
escreventes não foram por ela dispensados, mas, sim, absorvidos pelo
Estado do Ceará, que seria o único a ter legitimidade para figurar no
pólo passivo da reclamação trabalhista, na qualidade de sucessor.
A titular do cartório afirmou que a paralisação de suas atividades
deu-se em decorrência do fato do príncipe em virtude da entrada em
vigor da lei estadual. A tese foi acolhida pelo TRT do Ceará, que
determinou, entre outras providências, a desconstituição da sentença
favorável aos trabalhadores. O grupo de escreventes recorreu então ao
TST sustentando que a paralisação das atividades do cartório não
decorreu de nenhuma circunstância que pudesse ser enquadrada como fato
do príncipe.
Argumentaram que, embora a titular da 4ª Escrivania Cível de
Fortaleza não os tenha demitido, houve a extinção do estabelecimento
que estava prevista desde a promulgação da Constituição de 1988, fato
que ensejaria o pagamento de todos os direitos rescisórios por parte da
ex-empregadora, como fizeram os titulares das demais escrivanias.
Ao afastar a caracterização do fato do príncipe, o ministro Gelson
de Azevedo afirmou que a obrigação de ressarcimento não decorre
simplesmente de qualquer ato estatal por meio do qual se imponham
prejuízos ao contratante. "Tal ato deve ser geral e imprevisível, pois
o fato do príncipe constitui uma modalidade de força maior, em cujo
conceito se inserem as idéias de imprevisibilidade e inevitabilidade",
disse o relator acrescentando que a estatização das serventias já
estava prevista desde a promulgação da Constituição de 1988.