Justiça não pode aceitar que devedor se isente de suas responsabilidades por meios de ardis
Para a caracterização da fraude à execução basta a venda ou doação do
único bem que garantia a execução, não importando se o ato fraudulento
foi praticado na pendência do processo de conhecimento, na execução ou
em medida cautelar. O entendimento dos ministros da Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) acataram pedido do casal Alexandre e
Bruna Meloni para reformar decisão proferida pela Sexta Turma do
Tribunal, que entendeu não se poder falar em fraude à execução se os
fiadores doaram o imóvel de sua propriedade antes de qualquer ato de
constrição ou ação de despejo procedente. Com a decisão, a fraude à
execução do casal fiador José e Maria Aparecida Alves de Souza fica
caracterizada.
O primeiro casal locou um imóvel de sua propriedade a João Carlos
Barbosa, tendo como fiadores José e Maria Aparecida Alves de Souza.
Segundo os proprietários, desde agosto de 1996, João Carlos não pagava
aluguel, razão pela qual ajuizaram uma ação de despejo, da qual os
fiadores foram notificados através de oficial de justiça, em novembro
de 1996. "Tão logo o casal fiador foi informado pela administradora do
procedimento judicial, apressaram-se em colocar o imóvel dado em
garantia à venda."
Ao tomarem ciência da tentativa de fraude, os proprietários
ingressaram com uma medida cautelar de arresto para evitar que a
transferência fosse efetuada em flagrante prejuízo de seus direitos. Na
audiência de conciliação, o casal fiador prestou depoimento admitindo
que só possuía o bem dado em garantia e que não ia pagar o valor
devido.
Em setembro de 1997, os proprietários ajuizaram a ação de execução
para o pagamento dos aluguéis e demais encargos devidos desde agosto de
1996. José e Maria Aparecida Alves de Souza ofereceram embargos à
execução, que foram julgados improcedentes.
Quando os proprietários foram registrar a penhora, verificaram que
o imóvel dado em garantia da fiança fora objeto de doação em 20 de
fevereiro de 1997. "Perplexos quanto à conduta adotada pelo casal
fiador, Alexandre e Bruna requereram que o Juízo da 4ª Vara Cível da
Comarca de Mauá (SP) declarasse nula a doação. Entretanto o Juízo
entendeu que a doação foi perfeita, não existindo nulidade e nem fraude
à execução", afirmou a sua defesa.
O casal proprietário interpôs, então, um agravo de instrumento
(tipo de recurso que visa que o próprio tribunal decida se aprecia ou
não a questão). O Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo deu
provimento ao recurso considerando que, "embora válido o ato jurídico
da alienação, é ela ineficaz em relação ao credor, possibilitando a
lavratura da penhora no imóvel garantidor".
José Alves de Souza recorreu ao STJ. A Sexta Turma do Tribunal deu
provimento ao recurso por entender que, "se os fiadores doaram imóvel
de sua propriedade antes de qualquer ato de constrição e até mesmo da
sentença que julgou procedente a ação de despejo, não se pode falar em
fraude à execução".
Inconformados, os proprietários entraram com embargos de
divergência (tipo de recurso) sustentando a fraude à execução já que os
fiadores tinham plena ciência da existência do débito e doaram o único
imóvel que tinham para os filhos menores, em usufruto próprio.
Para o ministro Jorge Scartezzini, relator do caso, a ordem
jurídica não pode aceitar que o devedor possa exonerar-se de suas
responsabilidades patrimoniais por meio de ardis, com o intuito de
subtrair de seus credores os valores dados anteriormente em garantia.
Segundo Scartezzini, surgida a obrigação, que no caso concreto nasce em
conjunto com a garantia da fiança, remanesce ao credor a certeza da
solidez dos ativos ofertados pelo contratante e seus garantidores,
motivadores da aceitação dos termos pactuados no contrato de locação.
"Nesta esteira, independe qual tipo de ação está se movendo para a
satisfação da obrigação: se de natureza cognitiva, cautelar ou
executivo. No caso concreto, os embargados tinham plena ciência da
existência da ação de despejo e da medida cautelar de arresto. Logo,
configurada restou a fraude".