Prestação de serviços sem fins lucrativos não impede entidade de ser submetida ao CDC
O fato de uma sociedade civil prestar serviços de assistência médica,
hospitalar, odontológica e jurídica, sem fins lucrativos, de caráter
beneficente e filantrópico não a impede de ser considerada fornecedora
de serviços e, como tal, ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor
(CDC). A conclusão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,
ao examinar recurso do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor –
Idec contra suposta ilegalidade no aumento de mensalidades da Sociedade
de Beneficência e Filantropia São Cristóvão, de São Paulo.
Na ação, o Idec afirmou que a entidade, contrariando os contratos
celebrados com seus associados, reajustou as mensalidades cobradas para
a prestação de seus serviços em percentual muito superior aos índices
oficiais de inflação apurados em maio de 1997 e aos índices de reajuste
salarial. Segundo o órgão, o índice de reajuste exigido pela Sociedade
poderia tornar impossível o pagamento das prestações e impedir os
consumidores associados de utilizar os serviços médico-hospitalares
oferecidos e, até mesmo, causar a perda do plano de saúde por
inadimplência.
Com esses argumentos, requereu, então, que fosse reconhecida a
ilegalidade e abusividade do reajuste, impedindo a entidade de aplicar
os índices que excedam a variação do índice oficial de inflação apurado
no período de um ano anterior à data do reajuste. Pediu, também, que o
órgão fosse condenado à devolução ou compensação das quantias pagas
pelos associados.
Em sua defesa, a Sociedade alegou que é sociedade civil, de caráter
beneficente e filantrópico, sem fins lucrativos, reconhecida como de
utilidade pública por todos os órgãos federais, estaduais e municipais.
Afirmou, ainda, que conta com as contribuições de seus associados como
única forma de receita, que é revertida integralmente em benefícios,
não podendo ser confundida com empresas prestadoras de serviços
médicos, de medicina em grupo, cooperativas ou seguradoras, pois não há
relação de consumo entre ela e seus associados, mas sim relação
jurídica de natureza estatutária.
Em primeira instância, o juiz julgou improcedente, reconhecendo que a
entidade não exerce atividade empresarial, pois não tem o lucro como
fim; o CDC não pode ser aplicado, pois a empresa não recebe
remuneração, mas contribuições de acordo com as categorias nas quais se
enquadram; o reajuste das contribuições em discussão foi decidido pelos
próprios associados em assembléia-geral. Ao julgar a apelação, o
Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença, e o Idec recorreu
ao STJ.
"A relação estatutária existente entre a recorrida e seus associados
não interfere no seu enquadramento como fornecedora de serviços,
observados os critérios objetivos traçados pelo art. 3º, caput, do
CDC", explicou Nancy Andrighi, relatora do recurso especial no STJ.
"Ainda que os serviços sejam prestados conforme prevê o estatuto da
recorrida, consigne-se que as despesas advindas dessa atividade são
cobertas por remuneração feita a título de contribuição, o que reforça
o caráter de relação de consumo", acrescentou.
Por unanimidade, a Terceira Turma concordou com a ministra, dando
provimento ao recurso do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
para determinar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação
jurídica entre a Sociedade e seus associados. A ministra declarou a
nulidade do processo a partir da sentença e determinou o retorno dos
autos ao Juízo de primeiro grau, para que prossiga na esteira do devido
processo legal.