Desapropriação de terras caracteriza "factum principis"
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em julgamento de
recurso de revista do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), manteve o entendimento de que a desapropriação de
terras para fins de reforma agrária caracteriza o chamado "factum
principis", que torna o agente público responsável pelas indenizações
trabalhistas decorrentes de seus atos.
Previsto no artigo 486 da CLT, o "factum principis" – ou fato do
príncipe – se aplica aos casos de paralisação temporária ou definitiva
do trabalho motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou
federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a
continuação da atividade.
No processo julgado pela Segunda Turma, um trabalhador rural de
engenho do município de Escada (PE) reclama de seu empregador diversos
direitos trabalhistas não atendidos. Admitido em 1956, o agricultor
trabalhou até 1963 sem carteira assinada, além de nunca ter recebido
horas extras, adicionais e outros direitos.
A ação foi ajuizada em novembro de 1997. Em outubro do mesmo ano, a
desapropriação da fazenda foi decretada, e o INCRA foi imitido na posse
do imóvel em 19 de dezembro de 1997, quando o trabalhador estava em
férias. Com a imissão de posse, as atividades da fazenda foram
paralisadas e os trabalhadores demitidos sem receber as verbas
rescisórias.
No julgamento da reclamação, a Vara do Trabalho de Escada enquadrou
a desapropriação no artigo 486 da CLT. O empregador foi condenado ao
pagamento dos direitos suprimidos durante a vigência da relação de
trabalho mas não das verbas rescisórias, que seriam de responsabilidade
do Incra, já que "a ruptura do laço empregatício deveu-se ao processo
expropriatório". Sendo este uma autarquia federal, o juiz determinou o
envio da parte do processo relativa à sua condenação para a Justiça
Federal.
O Incra recorreu então ao Tribunal Regional do Trabalho de
Pernambuco alegando que não há sucessão trabalhista em casos de
desapropriação pelo poder público, principalmente quando se trata de
desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária. Em
sua defesa, a autarquia afirmava que "a desapropriação só é
desencadeada se o proprietário não cumpre a função social do imóvel e o
mantém inexplorado ou pouco explorado, improdutivo".
O TRT, no entanto, manteve a decisão, afirmando que seu embasamento
não era a ocorrência de sucessão de empregados, e sim do "factum
principis", devidamente caracterizado no processo. O Incra ajuizou
então recurso de revista junto ao TST para que se declarasse a não
ocorrência do "factum principis", excluindo-o do processo.
O ministro Renato de Lacerda Paiva, que redigiu o acórdão da
decisão, disse que "a administração pública não pode causar dano ou
prejuízo a terceiros, mesmo que seja no interesse da comunidade e, se
assim procede, deve ser chamada a figurar no processo." O ministro fez
um detalhado histórico sobre a ampliação da competência da Justiça do
Trabalho para concluir que compete a esta apreciar, além da questão
relativa à caracterização do "factum principis" (ponto incontroverso,
previsto na CLT), a parte relativa ao pedido de indenização a cargo do
governo responsável pelo ato que deu origem à rescisão contratual.
Citando a decisão do TRT e vários textos doutrinários, o relator
observou que, "caracterizado que a administração pública, no caso, se
apresenta como litisconsorte, e como litigante distinta, arcará com a
sua condenação, se porventura ela existir – condenação esta oriunda de
uma relação de emprego a que a administração pública pôs fim."
No seu entendimento, "a relação que se estabelece, quando da
ocorrência do 'factum principis', entre o trabalhador e a pessoa
jurídica de Direito Público constitui, sem qualquer sombra de dúvidas,
um conflito trabalhista", e, em função disso, a indenização discutida
se enquadra no artigo 114 da Constituição Federal, que estabelece a
competência da Justiça do Trabalho. Diante disso, a Turma determinou a
remessa do processo de volta à Vara do Trabalho de Escada para que esta
tome nova decisão, uma vez reconhecida a competência da Justiça do
Trabalho para julgar o caso.