Decisão histórica do TST confirma condenação da Texaco por danos morais e materiais
Com base em um extenso e minucioso voto, proferido pela ministra Maria
Cristina Peduzzi, em um recurso de revista, a Terceira Turma do
Tribunal Superior do Trabalho adotou uma decisão, a mais abrangente no
TST, de responsabilização de empresa por danos morais e materiais
decorrentes de acidente de trabalho. A questão examinada alcançou os
diversos aspectos jurídicos do ressarcimento de dois ex-empregados da
Texaco Brasil S/A (autora do recurso) pelas seqüelas sofridas após um
grave acidente ocorrido em 1995, no Pará, em uma operação de transporte
e descarregamento de combustível.
A multinacional recorreu ao TST contra a decisão do Tribunal
Regional do Trabalho do Pará (TRT-PA). O órgão condenou a Texaco ao
pagamento total de cerca de R$ 2,6 milhões aos dois trabalhadores – um
engenheiro e um empregado administrativo – envolvidos em uma explosão
atribuída a um raio durante a atividade de descarga de material
combustível para um cliente da empresa.
A gravidade do acidente ficou evidenciada diante das lesões
sofridas pelos dois ex-empregados da Texaco. O funcionário
administrativo teve 90% do corpo queimado, após 90 dias de coma
induzido, foi submetido a dez cirurgias reparadoras e, mesmo assim,
segundo os autos, ficou totalmente desfigurado, a tal ponto que a filha
de 4 anos de idade não suportava a visão do pai, que também passou a
ter problemas conjugais, cujo desfecho foi uma separação judicial. O
engenheiro sofreu inúmeras fraturas na perna, foi submetido a cirurgias
reparadoras, e sofreu uma redução de 1,5cm na perna e a conseqüente
dificuldade de locomoção.
Cinco anos após os acidentes, os empregados receberam alta do INSS
e retornaram à empresa, que procurou reintegrá-los aos seus quadros,
com funções compatíveis com as aptidões reduzidas de cada um. Um mês
após a volta (junho de 2000), contudo, o engenheiro pediu demissão; em
abril de 2001 foi a vez do funcionário administrativo pedir para deixar
o cargo. Posteriormente, ambos ingressaram na Justiça do Trabalho
paraense e obtiveram a reparação pretendida.
No TST, o primeiro tópico examinado disse respeito à alegação da
empresa de incompetência da Justiça do Trabalho para o exame do tema. A
relatora do recurso esclareceu que o texto constitucional estabelece
dois planos de proteção em relação ao acidente de trabalho. "A primeira
proteção é o seguro social, de natureza previdenciária, cuja
competência é da Justiça Comum. A segunda decorre diretamente da
relação de trabalho e consiste na indenização pelos danos material e
moral", esclareceu a ministra Cristina Peduzzi. "A competência para
apreciação e julgamento dessa segunda pretensão é da Justiça do
Trabalho", acrescentou.
Em seguida, foi refutada a alegação de que o TRT-PA teria sido
omisso ao definir até que ponto a capacidade de trabalho dos
acidentados foi afetada. "A determinação do grau de redução da
capacidade de trabalho não envolve explanação matemática, mas, sim,
juízo de valor fundamentado, segundo a persuasão racional do
magistrado. A ciência jurídica preocupa-se, antes, com a justa
reparação do dano sofrido, do que, especificamente, com a precisão
matemática dos cálculos", afirmou a relatora que também afastou outras
quatro questões preliminares da Texaco.
O tópico subseqüente envolveu a responsabilidade civil da empresa,
quando se confirmou a ocorrência de culpa. "Se o empregador não
providencia as condições adequadas à proteção do trabalhador, viola
dever objetivo de cuidado, configurando-se a conduta culposa",
considerou Cristina Peduzzi. Diante da previsibilidade do acidente, a
ministra rebateu, ainda, a alegação da empresa de ocorrência de fato
fortuito. "No caso, é inegável a previsibilidade de que, no
descarregamento de produto inflamável, alteração meteorológica possa
ocasionar explosão e acidente de grandes proporções".
A relatora entendeu que "a culpa da empregadora se torna mais
reprovável diante da notória qualificação tecnológica da empresa, que,
mais do que ninguém, deveria haver promovido as medidas necessárias à
segurança e saúde do trabalho".
Outro aspecto ressaltado foi a diferença da responsabilidade civil
no âmbito cível e trabalhista. "Ao contrário das relações civilistas,
baseadas na presunção de igualdade entre as partes, o Direito do
Trabalho nasce e desenvolve-se com o objetivo de reequilibrar a posição
de desigualdade inerente à relação de emprego", explicou Cristina
Peduzzi que levou em conta essa circunstância jurídica para confirmar a
inversão do ônus da prova da inexistência da culpa. "Como não se
desonerou do ônus em seu desfavor, presume-se a culpa, surgindo o
conseqüente dever de indenizar o trabalhador pelo prejuízo sofrido",
concluiu.
Em sua análise sobre a indenização por dano material, a ministra
lembrou que a fixação do ressarcimento, segundo a lei civil, envolve o
dano emergente, o lucro cessante e pensão proporcional à importância do
trabalho para o qual se inabilitou o trabalhador. A decisão regional
fixou o período da pensão entre a demissão e a data em que os
acidentados completassem 65 anos de idade, tendo como base sua
remuneração integral. Reconhecendo a necessidade de correlação entre
dano e indenização, o TST decidiu fixar a base de cálculo para a pensão
por dano moral em 60% da remuneração corrigida para o engenheiro e 80%
para o administrativo.
No passo posterior, a sugestão de voto resultou em importante
inovação de cunho social, ao substituir o pagamento mensal da pensão
(dano material) por sua quitação em uma só parcela. "A natureza
alimentar da obrigação trabalhista justifica a condenação ao pagamento
único para que não fiquem os ex-empregados submetidos às leis do
mercado ou dependentes da solidez econômico-financeira do empregador",
justificou a relatora. "Admitir o parcelamento da indenização
importaria em submeter o empregado a execuções futuras e sucessivas". Em relação ao dano moral, o voto confirmou a possibilidade desse
tipo de reparação no episódio.