Uso de fraude para liberar FGTS é estelionato
O uso de meio fraudulento para liberar valores dos recursos do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) se amolda perfeitamente ao tipo
penal do estelionato, tendo em vista o prejuízo ocasionado a toda
coletividade. O entendimento unânime é da Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
João Henning e Pedro Camargo recorreram ao STJ tentando reverter a
condenação imposta aos dois pela Justiça do Rio Grande do Sul por
estelionato. Ambos foram denunciados sob a acusação de obter vantagem
ilícita, por intermédio de simulação fraudulenta de contrato de compra
e venda de bem imóvel em prejuízo do FGTS. Isso porque, segundo a
acusação, João teria requerido junto à Caixa Econômica Federal a
liberação de seu FGTS para efetuar o pagamento do bem.
Em primeiro grau, o juiz da Vara Federal Criminal de Passo Fundo (RS)
condenou os dois a cumprirem pena de um ano de reclusão e ao pagamento
de 20 dias-multa como incursos no artigo 171 do Código Penal
(estelionato: "Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em
prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento"). O que foi
mantido pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (RS), para quem
"verificada a simulação de contrato de compra e venda, com retrovenda,
com o único fim de movimentar os valores do fundo, correta a condenação
por estelionato".
Diante da decisão, eles recorreram ao STJ, alegando inexistir a fraude
na conduta praticada uma vez que o resgate do saldo do FGTS foi
efetivamente utilizado na compra do imóvel, nos termos da legislação
pertinente, e que ocorreu tão-somente a revenda do imóvel ao antigo
proprietário em razão de posterior arrependimento do negócio
concretizado, não tendo havido qualquer intenção de fraudar o FGTS.
Sustenta a defesa que a conduta praticada não se enquadra no tipo penal
do estelionato, já que se exige no dispositivo que a obtenção da
vantagem ilícita se dê em prejuízo alheio.
Ao apreciar o recurso, a ministra Laurita Vaz, relatora do caso no STJ,
destacou que analisar a inexistência de fraude na conduta dos acusados
– que, segundo os quais, teria ocorrido apenas a existência de uma
retrovenda e não uma simulação do contrato de compra e venda do bem
imóvel –, demandaria, inevitavelmente, o reexame de matéria
fático-probatória, o que não é possível em recurso especial, a teor da
Súmula n.º 7 do STJ. Isso porque o TRF reconheceu que, do ponto de
vista formal, os contratos realizados foram absolutamente legais – "já
que a todos é permitido comprar e vender seus imóveis quando e para
quem lhe for mais conveniente".
Considerou, contudo, que, embora revestida de aparente legalidade, a
operação foi aperfeiçoada com o intuito de obter vantagem indevida,
lesando o FGTS, desgarrando-se dessa forma de legalidade e fraudando o
espírito da legislação.
Quanto à alegação dos acusados de ser necessária a obtenção da vantagem
ilícita em prejuízo alheio para se caracterizar o tipo descrito no
artigo 171, Laurita Vaz entendeu que os valores das contas vinculadas
ao FGTS pertencem aos trabalhadores, todavia o movimento desses valores
somente pode ser realizado nas situações previstas na legislação
específica. "Dessa forma, utilizar-se de meio fraudulento para liberar
valores dos recursos do FGTS, adequa-se perfeitamente ao tipo penal do
estelionato, tendo em vista o prejuízo ocasionado a toda coletividade".