Ministério Público não pode defender interesse de uma só criança a creche paga pelo estado
O Ministério Público pode entrar com ação civil pública para garantir o
direito de uma única criança à matrícula em creche particular paga pelo
poder público? O entendimento que prevaleceu na Segunda Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que não. Dessa forma, anulou o
processo em que o Ministério Público de São Paulo tentava impor à
Prefeitura da cidade paulista de São Bernardo do Campo a obrigação de
oferecer a um único menino educação infantil adequada até a idade de
seis anos na rede pública, nas proximidades de sua residência ou, na
impossibilidade de vaga, em escola privada em período integral às
custas do município.
O entendimento que prevaleceu foi o da relatora, ministra Eliana
Calmon, para quem a atuação do Ministério Público como substituto
processual da sociedade exige o cumprimento da lei: a defesa do direito
de todas as crianças da faixa etária da criança que o MP defende e
residentes na mesma cidade a verem garantido o que lhes é assegurado
pelo artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90),
segundo o qual é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino. Isso porque, por via de
ação civil pública, o Ministério Público está legitimado a defender os
interesses transindividuais, sem vinculação a qualquer das partes.
A questão começou a ser discutida em uma ação civil pública que o MP
paulista impetrou na Justiça de São Paulo com o fim de defender e
proteger o direito à creche de uma criança específica, Weslley Rodrigo
Figueiredo Silva, impondo à Prefeitura de São Bernardo do Campo essa
obrigação. No STJ, a questão chegou em um recurso especial do
município. A relatora entendeu que, no caso, o Ministério Público
defende direito individual de um menor, o que não é permitido por meio
de ação civil pública. Para a ministra, "o Ministério Público pode,
efetivamente, agir como representante ou substituto processual de
determinada pessoa, mas é necessário saber-se o porquê da representação
ou da substituição, pois os pais representam o menor e só em casos
específicos é que o MP age em favor deste (o menor)".
O entendimento da relatora foi acompanhado pelos ministros Peçanha
Martins e Castro Meira. Por outro lado, o ministro Franciulli Netto,
presidente da Turma e segundo a votar nesse processo, divergiu
entendendo que o Ministério Público poderia sim entrar com ação civil
pública nesses casos, até para não deixar a criança ao relento. Nesse
caso específico, a legitimidade ou não do Ministério Público para
propor esse tipo de ação não foi apreciada pelo Judiciário local. "Se
não foi provocado um pronunciamento da Corte de origem acerca da
legitimidade ativa do Ministério Público estadual e, por conseguinte,
se a Turma julgadora não emitiu juízo de valor sobre a questão, reclama
o tema o necessário prequestionamento, requisito viabilizador do acesso
a esta instância especial", entende. A conclusão de Franciulli Netto
foi seguida pelo ministro João Otávio de Noronha.
A questão de mérito – se, estando a educação infantil prevista na Lei
de Diretrizes e Bases como mera referência, ela poderia ser também
considerada como obrigatória e gratuita – não chegou a ser apreciada
pela Turma. Com a decretação da nulidade da ação, não passou da
preliminar de ilegitimidade do Ministério Público para propor a ação
nesses casos o exame do pedido do município paulista para que fosse
apreciada a questão sob o prisma da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (Lei 93.94/96).