Berçarista acusada de maus-tratos livra-se de justa causa
Por questões processuais, a Quinta Turma do TST manteve a decisão
regional que afastou a caracterização de justa causa na demissão de uma
funcionária do berçário da Casa da Criança e do Adolescente São
Francisco de Assis, um abrigo municipal para menores carentes do
município da Estância Balneária de Praia Grande (SP). A moça foi
despedida por ter obrigado um menino de dois anos e meio a recolher,
com auxílio de papel higiênico, as fezes que fez no chão e depositá-las
no vaso sanitário. A Turma não chegou a apreciar o mérito da decisão da
justiça paulista, apenas negou provimento ao agravo da Prefeitura por
motivos processuais. Com isso, fica mantida a decisão favorável à
funcionária.
A funcionária também foi acusada de ter feito comentários
discriminatórios a respeito da mesma criança, sobre quem teria dito que
"apesar de ser pretinho, era uma criança bonita". Segundo o relator do
agravo, ministro João Batista Brito Pereira, para se chegar à conclusão
diversa da que chegou o TRT de São Paulo (2ª Região) seria necessário
rever fatos e provas, o que é vedado pela Súmula 126 do TST. Em
primeiro e segundo graus, a caracterização da justa causa foi afastada
e a Prefeitura de Praia Grande obrigada a pagar verbas rescisórias,
como aviso prévio e a multa de 40% do FGTS.
Para a Justiça do Trabalho, "embora a atitude não tenha sido a mais
correta sob o ponto de vista educacional", o fato de a empregada ter
obrigado a criança a recolher e a depositar os excrementos em local
apropriado não foi grave o suficiente para atrair a aplicação da justa
causa. Outra acusação – a de que a moça teria agredido o mesmo menino
com um chute em sua cabeça enquanto arrumava uma cômoda – não foi
comprovada pelo empregador.
Ao determinar o pagamento de verbas rescisórias após afastar a
justa causa, o juiz da 1ª Vara do Trabalho de Praia Grande afirmou que
"cabia à municipalidade advertir a funcionária e mais que isso,
considerando ser pessoa muito simples, ensinar o procedimento correto,
antes de aplicar a pena máxima". Segundo a sentença, mantida em sua
totalidade pelo TRT/SP, ficou patente ainda que a moça não teve
qualquer intenção de discriminar a criança. "O simples fato de chamar o
menino de pretinho, neguinho e gostosinho não se trata de
discriminação", trouxe a sentença.
O juiz considerou ainda que a acusação mais grave (o suposto chute
na cabeça da criança) não foi comprovada pelo empregador. O fato teria
sido presenciado por uma professora e posteriormente denunciado à
diretoria do abrigo. A berçarista negou que tenha cometido a agressão e
afirmou que a acusação foi feita em represália após uma discussão com a
professora. Segundo o juiz, a atitude normal de uma pessoa que
presencia uma cena dessas é intervir imediatamente e não deixar para
comunicar a chefia posteriormente. Em depoimento, a funcionária
reconheceu que obrigou o menino a recolher seus dejetos por considerar
a atitude "educativa" e afirmou que "pretinho era um termo carinhoso".
No recurso ao TST, a defesa da Prefeitura de Praia Grande insistiu
na configuração da justa causa, afirmando a ocorrência de falta grave
já que a criança não tinha noção do que estava fazendo para ser
penalizada daquela maneira. Ainda segundo a Prefeitura, outra atitude
"fora do convencional e absurda" foi o fato de a funcionária tecer
comentários a respeito da beleza da criança "apesar de ser pretinho",
como se fosse um espanto uma pessoa da raça negra ser bonita. "Com
essas atitudes, não pairam dúvidas de que a mesma possa ter chutado a
cabeça da criança que porventura estivesse atrapalhando a abertura da
gaveta da cômoda que arrumava", insistiu, sem sucesso, a defesa.