Cabe indenização por dano material à família de dona-de-casa morta em linha férrea
O fato de a vítima ser dona-de-casa e não receber remuneração não
autoriza a conclusão de que não contribuía com a manutenção do lar. A
conclusão, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
garantiu à família de uma mulher morta devido a atropelamento de trem o
direito de receber o correspondente a R$ 120,00 mensais da Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD). O entendimento predominante na Turma é que os
trabalhos domésticos prestados no dia-a-dia podem ser mensurados
economicamente, gerando reflexos patrimoniais imediatos.
O acidente ocorreu por volta das 14h do dia 6 julho de 1998, na cidade
de Barão de Cocais, a 95 km da capital mineira. Maria Terezinha Salles
Rocha foi atropelada por uma locomotiva da CVRD, que ia no sentido
Vitória-Belo Horizonte. Ela chegou a ser socorrida, sendo encaminhada
ao Hospital Valdemar das Dores, na própria cidade, e depois transferida
para o Hospital Pronto Socorro, em Itabira, mas não resistiu ao
traumatismo craniano, fraturas de membros, laceração do rosto e
escoriações do rosto, vindo a falecer. À época, Maria Terezinha tinha
46 anos.
O marido e o filho entraram com uma ação na Justiça, buscando
indenização por danos morais e materiais. A alegação da defesa foi que
a morte de Maria Terezinha foi por culpa exclusiva da empresa, que não
pôs proteção às margens da estrada-de-ferro, de modo a impedir a
passagem de pedestres, conforme determinado por lei. "Pelo contrário, é
público e notório que outros pedestres usam aquela via como meio de
passagem, sem nunca ter havido uma advertência por parte da companhia",
afirma, completando que na cidade de barão de Cocais não existe
passarela para garantir a vida dos transeuntes. Os valores pedidos
foram de R$ 26.086,66 por dano material e o equivalente a 500
salários-mínimos a título de dano moral.
Na primeira instância, o juiz entendeu haver culpa das duas partes.
Assim, condenou a Companhia Vale do Rio Doce a pagar pensão mensal de
meio salário-mínimo. Valor devido desde a data do evento até o dia em
que a vítima completaria 65 anos. Como dano moral, condenou a empresa a
pagar, de uma única vez, o equivalente a 300 salários mínimos
(atualmente, estimado em 72 mil reais). Tudo corrigido monetariamente e
acrescido de juros.
A CVRD apelou, e o Tribunal de Alçada mineiro afastou a correção
monetário, em razão de a indenização ter sido fixada em
salários-mínimos, mas manteve os juros compensatórios. Diante da
decisão, a Companhia recorreu ao STJ, alegando que o tribunal estadual
não se manifestou quanto a sua argumentação de que um terço do valor da
pensão deveria ser descontado para gastos pessoais da vítima, assim
como ao correspondente ao seu grau de participação no evento. A empresa
alegou, ainda, que, para ser concedida pensão mensal a título de danos
materiais, seria necessário que a vítima possuísse atividade
remunerada. Da mesma forma, tal pensão só deveria ser paga até a data
em que o filho menor da vítima completasse 25 anos, e não até que Maria
Terezinha fizesse 65 anos.
Julgamento no STJ
O relator do caso no STJ, ministro Carlos Alberto Direito, levou em
consideração que o próprio acórdão admitiu que a vítima não exercia
atividade remunerada e que os autores (marido e filho da vítima) não
possuíam relação de dependência econômica. Além disso, não havia
qualquer indicação de se tratar de família de baixa renda.
Dessa forma, não anteviu como presumir o conteúdo econômico da relação
de dependência. Para ele, o fundamento do tribunal estadual, de que
basta a ocorrência do acidente para que seja deferido o dano material,
não é suficiente, consistente, para a concessão de indenização por dano
material em forma de pensão.
Divergindo do relator, o ministro Castro Filho considerou que há
indícios de que a vítima pertencia a família de poucas posses, uma vez
que se utilizam da assistência judiciária gratuita. Esse fato "só vem
reforçar a idéia do prejuízo causado com a sua ausência para a economia
do lar, pois, em se tratando de família de baixa renda, a mantença do
grupo é fruto da colaboração de todos, de modo que o direito ao
pensionamento não pode ficar restrito à prova objetiva da percepção de
renda, na acepção formal do termo".
O entendimento de Castro Filho é de que não deve ser considerado o
argumento da empresa de que a pensão deve ser indeferida em razão de a
vítima não possuir renda. "O fato de a vítima não exercer atividade
remunerada não autoriza a concluir que, por isso, ela não contribuía
com a manutenção do lar", acredita o ministro, para quem os trabalhos
domésticos prestados cotidianamente podem ser medidos em termos
econômicos, a gerar reflexos patrimoniais imediatos.
Para Castro Filho, "a morte da vítima causada pelo trágico acidente, a
par de causar inestimável perda de ordem emocional aos recorridos, pelo
que representa a figura de esposa e mãe na estrutura de um lar,
acarretou-lhes, também, prejuízo passível de valoração econômica".
Castro Filho entendeu, contudo, que a empresa tem razão quanto ao
limite para que o filho, que à época do acidente tinha 15 anos, receba
pensão. Assim, determinou que o valor mensal deverá ser pago até a data
em que ele completa 25 anos, o que ocorrerá em dezembro de 2008.
Ficou decidido, então, que é devida a indenização por danos materiais à
família da dona-de-casa, cujos serviços a jurisprudência do STJ já se
firmou no sentido de que são indenizáveis. Esse entendimento foi o que
prevaleceu na Turma, garantindo ao marido e ao filho de Maria Terezinha
o direito à pensão mensal determinada pela primeira instância da
Justiça mineira.