Proteção do trabalhador sobrepõe-se a acordo coletivo
O princípio constitucional que assegura liberdade aos trabalhadores e
empregadores para flexibilizar determinados direitos por meio de
negociação coletiva não possui alcance ilimitado. Sob esse argumento, a
Subseção de Dissídios Coletivos – 1 (SDI-1) do Tribunal Superior do
Trabalho entendeu, por maioria de votos, como ineficaz um acordo
coletivo que ampliou, de seis para oito horas, a jornada do turno
ininterrupto de revezamento sem a previsão de qualquer vantagem para o
empregado.
"Ineficaz o referido acordo coletivo, na medida em que prorroga o
trabalho em turno ininterrupto de seis para oito horas, sem
contraprestação remuneratória das sétima e oitava horas, circunstância
que compromete não apenas a saúde do trabalhador, como seu ganho",
observou, em seu voto vencedor, o ministro Milton de Moura França,
relator da questão na SDI-1, e para quem "é preciso estar atento, pois
esse direito (negociação coletiva) não é ilimitado, mas deve,
igualmente, ater-se a regras de proteção à saúde física e financeira
dos empregados".
O posicionamento foi adotado durante o exame de embargos em
recurso de revista contra decisão anterior da Quinta Turma do TST, que
entendia como válido o acordo coletivo. Isso impedia a contagem e
pagamento da sétima e oitava horas trabalhadas como extraordinárias. A
interpretação dada à questão livrava a empresa Habitação Construções e
Empreendimentos Ltda do pagamento das horas extras a um ex-funcionário,
cuja rotina de trabalho foi alterada, devido ao acordo coletivo, de
seis para oito horas diárias.
Inconformada com o entendimento da Turma, a defesa do trabalhador
interpôs os embargos junto à SDI-1, onde obteve êxito. Com esse
objetivo, sustentou que a Constituição (art. 7º, XIV) não autoriza a
fixação de jornada de trabalho acima de seis horas, a não ser quando
haja negociação coletiva que traga condição mais benéfica ou melhoria
na condição social do trabalhador.
No início do exame da questão, o ministro Moura França situou o
tema sob o âmbito constitucional. "Realmente, analisando-se o texto
constitucional em vigor, constata-se que o legislador permitiu aos
sindicatos e empregadores, mediante negociação coletiva, flexibilizar a
rigidez inerente a alguns dos direitos sociais assegurados aos
trabalhadores urbanos e rurais, como, por exemplo, a irredutibilidade
salarial, compensação de horários na semana e jornada de trabalho
prestado em turnos ininterruptos de revezamento", disse o relator dos
embargos.
"Inaceitável, contudo, que, por seu intermédio, se chegue a uma
interpretação que leve ao afastamento da incidência da norma
constitucional, que prevê jornada diária de seis horas e trinta e seis
semanais. E isso porque o princípio da liberdade contratual não pode
ter o alcance de derrogar todo um sistema legal imperativo de proteção
ao empregado, mormente quando se procura preservar sua saúde
físico-mental", acrescentou Moura França ao garantir ao trabalhador o
pagamento das sétima e oitava horas trabalhadas como serviço
extraordinário.
"Ao contemplar a jornada de trabalho em turnos ininterruptos de
revezamento como sendo de seis horas diárias, é certo que o
constituinte ressalvou a possibilidade de sua alteração, mas, frise-se,
sempre observada a compensação ou a concessão de vantagens aos
empregados. Nunca, porém, a eliminação simples e pura de seu direito à
jornada reduzida, como se constata na hipótese em exame", finalizou.