Serviço advocatício não envolve relação de consumo
A atividade profissional desenvolvida por advogado não caracteriza
relação de consumo. A conclusão unânime é da Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ). Segundo o ministro Cesar Asfor Rocha,
relator do processo, além de ser regido por uma norma específica (Lei
8.906/94), o trabalho advocatício não é uma atividade fornecida no
mercado de consumo. Dessa forma, não incide o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) nas ações que tratam de trabalho advocatício.
Os ministros da Quarta Turma rejeitaram o recurso interposto por
Célia Maria Peixoto Araújo contra o advogado Gilberto Campos Tirado, do
Rio de Janeiro. Célia Araújo e Gilberto Tirado firmaram um contrato, no
dia 14 de julho de 1999, para que o advogado entrasse com uma ação
solicitando uma autorização para que Célia Araújo pudesse alienar dois
imóveis de sua propriedade.
No contrato, eles estabeleceram como honorários advocatícios dez
por cento do valor da avaliação judicial dos imóveis com um mínimo de
R$ 5 mil, valor que foi pago no dia 30 de julho do mesmo ano. Gilberto
Tirado entrou com a ação no dia 16 de julho (dois dias após o
contrato).
No entanto, no dia 30 de julho de 2000, o advogado foi surpreendido por
um telegrama de sua cliente. Na correspondência, Célia Araújo destituiu
Gilberto Tirado revogando a procuração conferida ao profissional sem
justificativa. Gilberto Tirado procurou a ex-cliente para receber o
valor acordado, sem sucesso.
Segundo o advogado, os dois lotes foram avaliados em um total de R$ 350
mil. Com isso, Célia Araújo deveria pagar a Gilberto Tirado R$ 35 mil,
como estabelecido na cláusula 7 do contrato, subtraindo-se desse valor
R$ 5 mil, já quitados pela cliente. A cláusula previa o pagamento do
valor total dos honorários em caso de revogação dos poderes outorgados
ao advogado sem motivação. Gilberto Tirado também cobrou R$ 268,00 de
custas judiciais. A dívida, portanto, totalizou R$ 30.268,00.
Célia Araújo contestou a cobrança. Com isso, Gilberto Tirado
entrou com uma ação contra a ex-cliente exigindo o pagamento dos
honorários advocatícios contratados. O Juízo de primeiro grau acolheu o
pedido determinando à Célia Araújo o pagamento dos honorários a
Gilberto Tirado com correção monetária e juros.
A proprietária dos imóveis tentou modificar a sentença com
embargos (tipo de recurso), que foram rejeitados. O julgamento que
negou os embargos ainda aplicou multa de um por cento à Célia Araújo
entendendo que o recurso seria protelatório. Diante da decisão, ela
apelou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que acolheu
apenas parte do apelo.
O TJ-RJ excluiu a multa imposta pela primeira instância, mas manteve a
sentença favorável ao advogado. O Tribunal de Justiça confirmou o
entendimento da sentença de que a cobrança estaria correta, pois ele
teria apresentado um título executivo para efetuar o pedido judicial.
Além disso, segundo o TJ-RJ, não estaria comprovado qualquer prejuízo
causado à devedora.
Diante da decisão, Célia Araújo recorreu ao STJ. No recurso, ela
afirmou que os julgamentos anteriores teriam violado os artigos 3º,
267, incisos III e VI, e 295 do Código de Processo Civil (CPC); 118 e
1.228 do Código Civil de 1916; 24 da Lei 8.906/94, e 3º e 51, parágrafo
1º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O ministro Cesar Asfor Rocha negou o recurso mantendo a decisão do
TJ-RJ. Segundo o relator, "ainda que o exercício da nobre profissão de
advogado possa importar, eventualmente e em certo aspecto, espécie do
gênero prestação de serviço, é ele regido por norma especial, que
regula a relação entre cliente e advogado, além de dispor sobre os
respectivos honorários, afastando a incidência de norma geral".
Cesar Rocha lembrou a conclusão do TJ-RJ de que "as prerrogativas
e obrigações impostas aos advogados – como a necessidade de manter sua
independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de
causas ou à utilização de agenciador evidenciam natureza incompatível
com a atividade de consumo".
O relator também rejeitou a alegação de Célia Araújo de que o tipo de
ação proposto pelo advogado não seria adequado para a cobrança. Para
Cesar Rocha, a anulação do processo causaria a repetição de todo
trâmite já feito, "em evidente prejuízo da celeridade e da economia
processual". O ministro lembrou precedentes do STJ no mesmo sentido de
seu entendimento de que "não se justificaria a perda de todos os atos
já praticados".