STF cancela desapropriação da maior propriedade rural do Rio Grande do Sul
Foi cancelada ontem (14/8) a desapropriação, para fins de reforma agrária, da maior propriedade rural do Rio Grande do Sul – a Estância do Céu, Santa Adelaide, do Salso, Caieira e Posto Bragança. Por oito votos contra dois, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu conceder a ordem pedida no Mandado de Segurança (MS 24547) impetrado por Alfredo William Southall e outros interessados que requeriam a nulidade do decreto do presidente da República, de 19 de maio de 2003, que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, a propriedade rural dos impetrantes.
O advogado de defesa, César Augusto de Carvalho, reforçou em sua sustentação oral as alegações do pedido, enfatizando a questão de os proprietários não terem sido notificados previamente da vistoria do imóvel e que não estavam presentes no momento que o Incra esteve no imóvel, o que seria ilegal.
Sustentou, ainda, que a estância é uma das mais produtivas do país, pois seus proprietários se dedicam há décadas à agropecuária, utilizando técnicas de alta tecnologia, fato que lhes rendeu vários prêmios de produtividade e o status de possuidores do "maior rebanho ovino do mundo".
O advogado-geral da União, por sua vez, ressaltou em sua exposição que o julgamento se dá em um contexto peculiar. Álvaro Costa disse que a história se caracteriza como uma prática do "vistoria zero". De acordo com ele, há um movimento no Rio Grande do Sul que objetiva impedir a ação normal do Incra por todas as maneiras, e esse Mandado de Segurança seria apenas um incidente a mais dessa atitude.
A relatora do pedido, ministra Ellen Gracie, manteve, no entanto, a linha de sua decisão anterior apresentada na liminar, e declarou ser nulo o decreto do presidente da República por descumprimento dos pré-requisitos administrativos para a realização de vistoria no imóvel rural. Segundo Ellen Gracie, não houve a devida notificação prévia, pelo Incra, dos proprietários das terras.
Na seqüência, o ministro Joaquim Barbosa abriu dissidência, ao afirmar existirem indícios de que o proprietário "se recusava a receber a notificação para vistoria", por isso, não estaria sendo violado direito líquido e certo, não podendo ser utilizado, dessa forma, o instrumento legal do Mandado de Segurança. Por essa razão, denegou a ordem.
Os debates estavam acirrados, com todos os ministros intervindo para expor seu ponto de vista quanto à "previedade" da notificação, quando chegou a vez do ministro Carlos Britto votar. Ele salientou que "o objetivo não foi assegurar ao proprietário o direito de defesa – que ele poderia fazer inclusive em um momento administrativo como de fato veio a fazer, mas facilitar os trabalhos do Incra e liberar os agentes do Poder Público desapropriante para ingressar no imóvel rural objeto de possível desapropriação".
Para Britto, o Poder Público não fica vinculado à presença do proprietário, de seu preposto ou representante, nem vinculado ao que ele disser eventualmente oral ou de forma escrita. Este procedimento é meramente administrativo e não processual, estando o Incra autorizado a ingressar na propriedade. "A vistoria, em rigor, não faz parte do devido processo legal", afirmou.
Na vez do ministro Cezar Peluso, a votação voltou a ficar empatada, já que acompanhou o voto da ministra Ellen. Ele entende que a notificação deve ser prévia e pessoal. O fato de o proprietário ter impugnado os resultados da vistoria, de modo algum, exclui antecipadamente a necessidade de notificação prévia.
Reforçaram a corrente favorável aos proprietários da estância os ministros Gilmar Mendes, Nelson Jobim e Carlos Velloso.
Velloso inclusive lembrou que a jurisprudência do STF determina a regular notificação prévia para realização de vistoria no imóvel rural.
Oitavo a votar, o ministro Celso de Mello definiu a questão ao seguir a relatora e conceder a ordem.
Por fim, o decano da Corte, ministro Sepúlveda Pertence, e o presidente, ministro Maurício Corrêa, também acompanharam a relatora.
Histórico
Em maio deste ano, Ellen Gracie concedeu liminar aos proprietários da fazenda, suspendendo o decreto presidencial que declarou o imóvel de interesse social para fins de reforma agrária. Ela entendeu não ter sido cumprido o trâmite legal de vistoria, pois não houve notificação prévia do Incra aos donos da estância. A vistoria não foi realizada na data marcada e para a qual haviam sido notificados os impetrantes.
O Mandado de Segurança foi ajuizado junto ao Supremo contra Decreto do presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, de 19. de maio deste ano. O recurso sustentou que houve ilegalidade no fato de o proprietário não ter recebido notificação prévia sobre o dia e a hora em que o imóvel rural seria vistoriado pelo Incra. Alegou que o imóvel é dos mais produtivos do país e que foram comunicados que suas propriedades seriam vistoriadas nos dias 4 a 6 de dezembro de 2001.
De acordo com a ação, as vistorias foram impedidas por barreiras formadas por produtores rurais pelas quais os proprietários não teriam responsabilidade. Teriam sabido apenas pela imprensa que o Incra havia obtido autorização judicial para desobstruir as barreiras, mas não sabiam se as vistorias seriam realizadas ainda no mês de dezembro.
A vistoria, que classificou o imóvel como improdutivo, foi feita em 14 de dezembro de 2001, sem comunicação e sem a presença do proprietário ou de um representante.