Condomínio não pode cobrar dívida do adquirente se imóvel foi arrematado pela construtora
É possível a cobrança do saldo devedor de condôminos inadimplentes com
as prestações de contrato de construção por administração após a venda
da unidade habitacional em leilão para pagamento de dívidas? Para a
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), se esse imóvel foi
adquirido pela própria construtora que vendeu as unidades, os demais
condôminos não podem cobrar do primeiro adquirente, que teve seu imóvel
arrematado. A decisão unânime da Turma manteve o entendimento firmado
pelo tribunal estadual.
A questão foi definida em um recurso especial do Condomínio Residencial
Barra Marina contra o industrial Ronaldo Sohn e a esposa, que teria se
tornado, em junho de 1989, promitente comprador de uma fração ideal de
terreno, correspondente a um apartamento a ser construído na Barra da
Tijuca, no Rio de Janeiro (RJ). Em outra escritura, Sohn teria
contratado a construção das benfeitorias do apartamento, sob regime de
administração, juntamente com outros compradores de frações ideais no
futuro edifício. A escritura foi outorgada pela Construtora Santa
Izabel.
Os valores a serem pagos referiam-se a 36 parcelas mensais de CR$
558,03; sete parcelas anuais de CR$ 6.189,03; 36 parcelas mensais de
CR$ 92,66 e, por fim, sete parcelas anuais de CR$ 1027,75, todas com
vencimentos estabelecidos a partir de 10 de setembro de 1989. O casal,
contudo, não quitou sua parte no ajuste de cotas do capital para a
construção, tornando-se inadimplente a partir de março de 1990, razão
pela qual foi realizado leilão extrajudicial para a venda de todos os
seus direitos e obrigações, além da fração do terreno.
Na primeira oferta, não se encontrou lance maior do que CR$
15.293.357,66; a unidade então foi arrematada pela própria construtora
pelo valor de CR$ 4.017.954,00. A empresa, contudo, não assumiu o total
do débito existente, que à época do leilão era de CR$ 11.526.401,57.
Diante disso, os demais adquirentes, através do condomínio, impetraram
uma ação de cobrança contra o industrial e sua esposa. Alegaram que o
valor da arrematação só serviu para quitar a inadimplência até agosto
de 1991, devendo, portanto, serem compelidos a reparar o "prejuízo que
causou ao condomínio" no valor de CR$ 8.406.882,07, a ser corrigido
desde a data da arrematação, em 27 de agosto de 1991, até seu efetivo
pagamento.
O casal contestou a ação afirmando que, devido ao leilão, o contrato se
extinguiu, não mais existindo a obrigação, uma vez que a sua
titularidade foi transferida. Além disso, a inadimplência teria
ocorrido em razão da onerosidade do contrato, com cláusula leoninas e
incompatíveis com o mercado. Mesmo assim, Sohn e a esposa teriam
tentado um acordo amigável com a construtora, sem êxito.
Em primeiro grau, a Justiça do Rio de Janeiro julgou procedente a ação,
condenando o casal a pagar a diferença do débito. Esse entendimento foi
modificado pelo Tribunal de Justiça, para quem o negócio foi realizado
em tudo para que a vendedora se beneficiasse isoladamente com a
inadimplência do comprador. Segundo o TJ, o Código de Defesa do
Consumidor torna nula qualquer cláusula que importe em perda das
quantias já pagas, assim caberia à construtora, como verdadeira
vendedora do terreno e das benfeitorias, além de arrematante a preço aviltado, arcar com eventuais diferenças de preço, e não ao casal.
Sendo a cobrança, pois, mal endereçada.
Devido a essa decisão, o condomínio recorreu ao STJ. O ministro Aldir
Passarinho Junior, relator do processo, manteve a decisão do TJ. Para o
ministro, a interpretação dada pelo tribunal local, soberano no exame
de prova, é de que o contrato, embora nominado de "por administração",
na verdade se trata de verdadeira compra e venda em que a construtora
adquire um terreno, reúne um grupo de clientes interessados e com eles
celebra, concomitantemente, a venda de área em frações ideais e a
construção do edifício, destinando a cada um uma unidade autônoma. Em
tais circunstâncias, o tratamento dado não pode ser o mesmo que se
emprestaria se se cuidasse, realmente, de uma mera administração,
quando, ao menos entre os condôminos, inexistiria uma relação de
consumo, entende o relator.
Para Aldir Passarinho Junior, o que justifica a decisão do tribunal de
origem é justamente o fato de que a arrematante é a própria
construtora, vendedora da fração. "Há, então, uma situação absurda em
que o condomínio cobra do inadimplente os custos da construção que
tiveram de arcar junto à construtora, enquanto esta, confortavelmente,
já se apossou da unidade, cuja edificação custou muito mais, por um
valor extremamente inferior a tanto", afirma.
Acrescenta o ministro que a construtora ainda recebeu dos condôminos em
dia com o contratado – que se cotizaram – o que os inadimplentes
deixaram de pagar, mas que, em compensação, também perderam o
apartamento. "Se o saldo decorre dos custos da construção, exatamente
daquela mesma unidade habitacional, a credora destinatária do dinheiro
será a própria adquirente do bem", destaca, completando: se o
adquirente fosse um terceiro, a circunstância recomendaria desfecho
diferente. Ressaltando, ainda, que o condomínio poderá mover ação de
cobrança contra a construtora.