Nilson Naves fala sobre aprovação do relatório da reforma da Previdência
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Nilson Naves,
concedeu entrevista coletiva sobre o texto aprovado pela
Câmara dos Deputados para a reforma da Previdência. O texto prevê o
percentual de 85,5% da remuneração de ministro do Supremo Tribunal
Federal como subteto para a Justiça Estadual.
Confira trechos da entrevista concedida por Nilson Naves:
1 - Como o senhor vê a aprovação pela Câmara do subteto de 85,5%?
Nilson Naves – Vejo tudo isso com uma grande preocupação porque havia
um acordo e o acordo falava em um outro percentual, o percentual que
está hoje no texto da Constituição Federal – 95% com relação aos
ministros dos Tribunais Superiores ou 90,25% com relação aos ministros
do Supremo Tribunal Federal.
Isso é preocupante porque nós não podemos desajustar a
magistratura dos Estados. Isso leva a um desequilíbrio e
desequilibrando a magistratura vamos desequilibrar o próprio Poder
Judiciário. Eu tenho afirmado isso e tenho que repetir, pois é
importante: isso atinge de frente o Estado Democrático de Direito. Nós
vamos desestabilizar as próprias instituições. Nós estamos pensando na
magistratura do futuro. Como vamos poder recrutar juízes? Isso é
importante.
Nós precisamos ter um Poder Judiciário forte porque sem ele nós
não podemos garantir os direitos de toda a população brasileira.
2 – Esse percentual de 85,5% não atende a Constituição?
Nilson Naves – A Constituição Federal fala em sua parte final no
percentual de 95% e esse nós achamos que é o percentual que tem
equilíbrio e que está de acordo com os vencimentos dos ministros do
Supremo e do Superior Tribunal. Não se pode fixar vencimentos menores.
Fixando-se esses vencimentos em 85,5% vai acontecer uma situação
estranha, anômala e até exótica porque um juiz federal poderá ganhar
mais do que um desembargador.
3 – Mas não há desembargadores que hoje ganham mais que ministros do Supremo?
Nilson Naves – Com isso nós estamos querendo resolver toda essa
situação. Eu sei que em alguns Estados há desembargador ganhando mais
do que ministro do Supremo, mas se nós fixarmos esse índice, o que eles
irão ganhar é somente isso, não mais.
Então, aquilo que hoje existe, que é uma espécie de um desajuste,
nós estaremos ajustando, fixando em 90,25% em relação ao Supremo ou 95%
em relação ao Superior Tribunal. Nós vamos evitar que a partir de agora
desembargadores dos Tribunais de Justiça ganhem mais do que ministro do
Supremo e do Superior Tribunal.
4 – Caso persista esse patamar que foi aprovado ontem na Câmara, o senhor acha que pode haver contestação no Supremo?
Nilson Naves – Eu acho que é possível e uma coisa é certa – ao final
quem dirá a última palavra sobre a reforma é o Poder Judiciário.
5 – O senhor acredita que isso seja inconstitucional?
Nilson Naves – Não quero dizer que isso seja inconstitucional porque
isso vai ser examinado. Eu não quero abrir esse debate, mas eu quero
dizer que ao final a última palavra será do Poder Judiciário.
6 – Mas com isso, como seria o Judiciário que iria resolver essa questão, haveria um favorecimento?
Nilson Naves – Não. Não quero falar de favorecimento, de confronto, de
maneira nenhuma. Não estou falando nada disso. O que nós estamos
pedindo é que se respeite um acordo que vem de longe, já de algum
tempo. Já existia um acordo verbal mantendo esse percentual de 90,25%.
Uma coisa que é necessária que nós tenhamos e precisamos colocar
nas nossas cabeças: nós estamos querendo com isso é somente manter a
dignidade do Poder Judiciário. E que é importante – isso são
prerrogativas em nome da própria sociedade, não em nome dos juízes não,
mas em nome da sociedade. Isso tem a ver com as garantias da
irredutibilidade, da vitaliciedade, da inamovibilidade.
7 – Com quem foi firmado esse acordo destacado pelo senhor?
Nilson Naves – O acordo foi firmado com lideranças do Governo, com ministros do Governo. Isso foi um acordo verbal.
8 – O senhor pode citar os ministros?
Nilson Naves – Não. Foi com a parte econômica e a parte política do
Governo, líderes do Congresso. Mas uma coisa: nós esperamos e confiamos
no Parlamento brasileiro. Não podemos perder a fé neles de maneira
nenhuma e não vamos perder. A nossa crença e a nossa esperança está
depositada lá. E nós sabemos perfeitamente que não seremos
decepcionados.
9 – Tem algum outro ponto do relatório aprovado ontem que preocupa?
Nilson Naves – Um aspecto que preocupa um pouco é ao falar na paridade
diz "na forma da lei". Nós achamos que a Constituição já deveria dizer
o que é paridade e não deixar isso para a lei, pois a gente não sabe o
que irá acontecer no futuro.
10 – Com o benefício definido tem a contribuição definida, que será
necessária para gerar o rendimento suficiente para poder pagar o
benefício. O Judiciário aceitaria pagar uma contribuição maior?
Nilson Naves – Se for necessário sim. Isso é um aspecto técnico. As
regras precisam ser bem definidas. Há um aspecto que também nos
preocupa – é a falta de uma regra de transição. Isso é muito
importante. Vamos supor uma pessoa que não tenha ainda contribuído
durante 35 anos, mas já contribuiu durante 30, 32 e até 34 anos. Como
será o prazo dela, como isso será regido?
Então, achamos que uma regra de transição, uma regra precisa, bem definida, clara seria muito importante.
11 – Essa regra seria criada na legislação?
Nilson Naves – Não, mas a própria Constituição poderia dizer algo sim
para todos os servidores, não só para o Poder Judiciário. Uma
sinalização.
12 – Na avaliação do senhor, porque o Governo não está querendo abrir mão de 90,25% e está insistindo em 85,5%?
Nilson Naves – Há uma pressão dos governos. E isso é uma questão
política e os governadores estão fazendo pressão. É uma pena que isso
esteja acontecendo. A gente volta a bater naquele mesmo ponto, que é a
independência do Judiciário. É preciso manter o Judiciário bem forte. A
importância de um Judiciário forte é até para podermos receber
investimentos.
Um investidor, aquele que quer aplicar o dinheiro dele aqui no
Brasil precisa de regras bem definidas e um Poder que garanta essas
regras. Fala-se muito dos contratos. Nós precisamos respeitar os
contratos. Sim, nós precisamos respeitar os contratos, mas para que
isso aconteça é necessário que se tenha um Judiciário independente.
13 – Temos hoje um Legislativo independente, um Judiciário
independente. Se o Judiciário derruba uma decisão, nesse caso do
Legislativo, não haveria um conflito institucional?
Nilson Naves – De maneira nenhuma porque o sistema que nos rege é o da
harmonia entre os Poderes. É um sistema que é chamado
internacionalmente de pesos e contrapesos – um Poder controlando o
outro Poder. Isso é que é importante, pois se um Poder não controla o
próprio Poder, ele se torna um super poder e aí se cai em uma tirania.
Por isso, é que um controla o outro.
14 – Como o Poder Executivo poderia controlar o Poder Judiciário se, nesse caso, o Poder Judiciário tem a última palavra?
Nilson Naves – Mas o Poder Executivo controla o Poder Judiciário. Cabe
a ele a nomeação dos ministros. Então, há esse controle sim. Agora, a
interpretação da lei, a última palavra tem que ser do Judiciário.