MP não deve opinar em favor dos interesses do menor, caso não estejam de acordo com a lei
O representante do Ministério Público é obrigado ou não a opinar em
favor dos interesses do menor quando o menor é parte num processo? A
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que não,
pois a função do MP é garantir o exato cumprimento da lei, fiscalizando
a aplicação das regras legais. Portanto, se o representante ministerial
não estiver convencido da existência do fundamento jurídico da ação,
não é obrigado a se manifestar de forma favorável ao menor.
O debate do tema aconteceu no julgamento de uma ação de
reintegração de posse de um imóvel urbano movida por Marina Polato e
dois filhos menores contra Marcos Luis dos Santos e sua mulher. O
marido de Marina, Antônio Polato, cedeu os direitos e as obrigações que
tinha sobre o bem – um apartamento localizado no conjunto habitacional
Padre Manoel da Nóbrega, em São Paulo – ao casal Santos. Todavia,
Antônio Polato faleceu antes de providenciar a transferência do
contrato junto à Companhia de Metropolitana de Habitação de São Paulo –
Cohab/SP.
A dívida referente à quitação do imóvel foi paga pela companhia
seguradora, e a Cohab/SP expediu o Termo de Quitação do Contrato de
Compra e Venda originalmente firmado com o comprador (Antônio). Desse
modo, a consumação e caracterização do negócio jurídico firmado com
cessionário (Marcos Luis) acabou ficando impossibilitada. Aproveitando
o fato, Marina Polato e filhos ajuizaram uma ação contra o casal
Santos, alegando a inexistência do acordo estabelecido entre o falecido
marido e o casal. No processo, pediam a reintegração de posse do
apartamento e mais perdas e danos.
O representante do Ministério Público opinou pela improcedência da
demanda, ressaltando que a "a morte do varão não retira a obrigação dos
herdeiros de outorgar a escritura ao cessionário". Segundo o MP, o caso
não apresentava nenhuma "hipótese de nulidade ou vício de ato jurídico
que autorizasse a rescisão contratual pretendida pelos autores".
O Juiz de Direito julgou improcedente a ação proposta por Marina Polato
e seus filhos. Eles apelaram ao Tribunal de Justiça (TJ) estadual,
sustentando que o parecer do Ministério Público era nulo. Os autores
argumentaram que o MP teria violado o artigo 82 do Código de Processo
Civil, ou seja, "agindo na defesa dos autores-menores prevista no
referido artigo, o representante ministerial não poderia ter se
manifestado contrariamente aos interesses dos incapazes".
Por unanimidade, o TJ/SP negou provimento ao apelo. "O Ministério
Público, ao intervir em processo onde há interesses de menores, deve
agir como fiscal da lei, velando por seu exato cumprimento. Estando o
representante do parquet convencido de que a lei não ampara a pretensão
do menor, cuja presença no processo justifica sua compulsória
intervenção, deve o representante, por dever funcional, legal e moral
deduzir parecer nos termos da lei, e não subordinado aos interesses do
menor", concluiu a Décima Sexta Câmara Civil.
No curso do processo, Marina Polato faleceu, mas os dois filhos
recorreram ao STJ, onde insistiram na tese de que o Promotor de Justiça
não teria agido como fiscal da lei, e sim, de forma equivocada, como
parte interessada, "pois, ao invés de apontar a norma legal conflitante
com o direito subjetivo dos recorrentes (menores), pronunciou-se em
favor dos recorridos (casal Santos), na condição de flagrante
assistente litisconsorcial".
O ministro Barros Monteiro, relator do especial, não acolheu os
argumentos dos recorrentes, concluindo que a decisão do TJ/SP é
"incensurável". O ministro não conheceu do recurso, ratificando o
entendimento de segunda instância. "O MP, na qualidade de custos legis
(fiscal da lei), não está obrigado a manifestar-se sempre em favor do
litigante menor. Se acaso estiver convencido de que a postulação do
incapaz não apresenta nenhum fomento de juridicidade, como é o caso
destes autos, é-lhe possível opinar pela sua improcedência", destacou o
relator, que foi acompanhado pelos demais ministros da Quarta Turma.