STJ reconhece direito de filhos de posseiro ter declarado usucapião de bem ocupado há 40 anos
Os filhos podem propor ação de usucapião com base na Lei 6969/1981, que dispõe sobre a aquisição, por usucapião especial, de imóveis rurais, se foi julgada improcedente ação anterior de usucapião porque o pai fora agregado do proprietário da gleba em questão? Segundo o entendimento unânime da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o fato de haver decisão judicial anterior julgando improcedente pedido de usucapião porque o pai dos pretendentes detinha a posse, na condição de empregado do proprietário, não impede os atuais ocupantes da gleba de entrarem com ação de reconvenção na ação de reivindicação de posse.
A decisão da Turma reconheceu que os irmãos Cândida Cruz e Pedro e Maria Silva, como possuidores da gleba, podem invocar em seu favor a Lei 6969/81. A questão estava para ser julgada há dez anos; período em que esteve no Ministério Público Federal para que fosse emitido parecer. O julgamento pelo STJ se deu tão logo o processo retornou.
Os irmãos moram na gleba desde 1945, quando foram com o pai, Joaquim Silva, para o sítio Pouso dos Carreiros, em Araguari (MG), a convite de Miguel Debs, proprietário da fazenda Soledade, da qual fazia parte o sítio. Alegam que o fazendeiro declarou a Joaquim que o imóvel pertencia a ele e aos filhos "como prêmio e reconhecimento dos bons serviços prestados". Depois disso, toda a família passou a explorar as terras, promovendo benfeitorias e diversas plantações. O sítio era constituído de uma casa, curral e terras cercadas de 74,74 alqueires.
Debs faleceu, mas todos os seus sucessores respeitaram a situação. Com a posterior morte da viúva de Miguel Debs, a propriedade passou para seus herdeiros e posteriormente foi vendida. Diante disso, os três entraram com ação de usucapião, pedindo a citação do novo proprietário.
A propriedade foi novamente vendida, dessa vez à empresa Floresta Monte Carmelo Agropecuária Ltda. A Brasdesplan S/A – Reflorestamento e Pecuária, sucessora da Floresta Monte Carmelo, entrou com ação na Justiça de Minas Gerais contra os irmãos reivindicando a posse de uma fração de 74,74 hectares, integrante de uma gleba de 3.242,80 hectares. Os irmãos entraram com uma ação de reconvenção (ação pela qual o réu propõe ação judicial contra o autor, no mesmo processo em que por este é demandado, para opor-lhe direito que lhe altere ou elimine a pretensão). Na ação, eles alegaram que detinham a posse com ânimo de dono por prazo suficiente a adquiri-la por usucapião especial, cujo domínio.
Em primeiro grau, o juiz deu razão aos irmãos, mas a Quarta Câmara Civil do Tribunal de Alçada de Minas Gerais deferiu o recuso da empresa por ter havido decisão anterior que indeferiu o pedido do pai deles (Joaquim Silva), considerando-o carecedor da ação (porque ausente o direito de agir decorrente da falta de pressuposto processual ou de condição da ação). Segundo o tribunal, o pai e antecessor dos três não era possuidor, mas apenas detentor, porque empregado do antigo proprietário da gleba que agora os filhos reivindicam o título de usucapião.
Inconformados, Pedro Silva e seus irmãos recorreram ao STJ, alegando que a decisão do tribunal mineiro ofendeu a Lei 6969/81, segundo a qual todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25 hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis. Determina, ainda, que prevalecerá a área do módulo rural aplicável à espécie, na forma da legislação específica, se aquele for superior a 25 hectares. Para eles, ficou provado que eles passaram a exercer uma nova posse, própria, sobre o imóvel durante mais de cinco anos, dentro da exata definição e dentro dos requisitos exigidos pela lei.
O recurso chegou ao STJ em abril de 1993, sendo, inicialmente, distribuído ao ministro Athos Carneiro, que o enviou 15 dias depois ao Ministério Público Federal para que fosse emitido parecer. O processo só retornou um mês antes de completar dez anos de trâmite ao STJ. Como o relator já havia se aposentado, o processo foi atribuído ao ministro Ruy Rosado de Aguiar.
Os filhos podem propor ação de usucapião com base na Lei 6969/1981 se foi julgada improcedente ação de usucapião porque o pai fora agregado do proprietário da gleba em questão? Essa é a questão a ser respondida pelo recurso. Para o atual relator, a improcedência da primeira ação não impede a propositura de outra com fundamento diferente. "Uma vez vencidos na primeira ação e se mantendo na gleba com ânimo próprio e como donos, inaugurou-se uma nova relação, que não se confunde com a de simples fâmulos (criados) da posse, exercida antes pelo pai ou como sucessores dele"?, acredita Rosado.
O período aquisitivo deve ser contado a partir do trânsito em julgado da sentença anterior (quando a sentença se tornou indiscutível, por não estar mais sujeita a recurso). O ministro determinou, ainda, que o processo retorne ao tribunal mineiro para que se prossiga o julgamento da apelação de modo que sejam apreciadas questões pendentes.