Mantida decisão que permitiu modificação de beneficiários de seguro de vida via testamento
O Código Civil estabelece que, se a cláusula testamentária for escrita deixando margem a gerar interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a vontade de quem fez o testamento. A tese foi debatida pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que não conheceu, por unanimidade, do recurso especial da viúva E.F.M. contra decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais que entendeu que os beneficiários da apólice de seguro de vida podem ser modificados via testamento feito posteriormente.
E.F.M. ajuizou ação ordinária contra a Minas Brasil Seguradora S.A. com o objetivo de receber indenização decorrente de contrato de seguro de vida em grupo e acidentes pessoais firmado por seu falecido marido, R.K.K.. De acordo com o declarado na apólice, a autora seria contemplada com 70% do valor segurado e o sogro com o restante (30%).
Entretanto a seguradora se recusou a fazer o pagamento, alegando que, antes de falecer, o segurado firmou testamento por escritura pública, pelo qual alterou a designação de seus beneficiários, determinando que a quota-parte de 80% líquido sobre todos os proventos, aposentadoria, pecúlio, benefícios e demais direitos e vantagens que possuísse ao falecer, fosse atribuída a I.M (primeira esposa), e a quota-parte restante de 20% líquido restante, fosse destinada a E.F.M (segunda esposa).
A Minas Brasil afirmou que não poderia pagar o valor do seguro à segunda esposa quando o testamento havia modificado os beneficiários da apólice favorecendo em maior parte a primeira esposa do falecido. "A pretensão da autora da ação esbarra na vontade do próprio segurado, que, nos exatos termos do artigo 1.473 do Código Civil, alterou, por disposição testamentária, os seus beneficiários no seguro de vida em grupo mantido com a seguradora". A companhia de seguros salientou que, diante da situação, não sabia a quem pagar a indenização do seguro de vida.
O juiz de Direito julgou procedente a ação ordinária. Segundo o magistrado, R.K.K. celebrou um contrato de seguro com apólice nominativa (o nome do beneficiário estava expresso), significando que a modificação dos beneficiários por ato de última vontade, só seria aceitável quando a apólice fosse emitida a ordem. Desse modo, a beneficiária era mesmo a segunda esposa E.F.M.
I.M. recorreu e o Tribunal de Alçada de Minas Gerais, por unanimidade de votos, acolheu os argumentos da primeira esposa: "Vê-se que, como disposição de última vontade, apesar de não se referir expressamente ao seguro em exame, o segurado deixou clara a sua intenção de beneficiar a primeira esposa, com quem morava em seus últimos dias, reconhecendo nela a verdadeira esposa e companheira que lhe dispensava toda atenção, afeto e carinho, zelando por sua saúde, acompanhando-o muitas vezes com sacrifício a laboratórios, clínicas e hospitais, tudo visando proporcionar-lhe maior conforto e uma vida mais digna". De fato, R.K.K já havia se separado da segunda esposa, retornando para a primeira, que cuidou do marido até a morte. No testamento, ele fez questão de ressaltar que o casamento com a segunda esposa jamais teria se consumado, não gerando filhos e nem patrimônio comuns. Para ele, I.M, com quem teve três filhos, era "a única e verdadeira esposa e companheira que lhe dispensava toda a atenção".
A decisão de segundo grau também entendeu que o testamento, ao se referir aos benefícios e demais direitos e vantagens que o falecido possuísse antes de morrer, teria incluído o referido seguro de vida firmado com a Minas Brasil. Inconformada, E.F.M recorreu ao STJ, mas o ministro Barros Monteiro, relator do processo, não conheceu do recurso especial. Para o ministro, todos os argumentos da segunda esposa, visando a reforma da decisão do Tribunal de Alçada mineiro, exigiriam reexame de provas, o que é proibido pela Súmula 7 da Corte Superior. "Os aspectos levantados pela recorrente situam-se claramente no plano dos fatos. A via excepcional não se presta a perquirir sobre a verdadeira intenção do testador manifestada quando da lavratura do testamento. Nesse ponto, é soberana a instância ordinária", esclareceu o relator.
Barros Monteiro ainda ressaltou: "A regra do artigo 1.666 do Código Civil/1916 efetivamente reza que, se cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador. Entretanto para verificar-se em cada caso a o verdadeiro intento do testador, imprescindível será descer-se ao campo dos fatos e à interpretação de disposições nele contidas, pretensão vedada pelos verbetes sumulares números 5 e 7 desta Corte".