Norma de Regimento Interno de Tribunal de Justiça, que dispensa acórdão, viola CPC
A norma de Regimento Interno do Tribunal de Justiça, que dispensa acórdão, viola frontalmente os artigos 165, 458 e 563 do Código de Processo Civil, e não tem nenhuma validade, pois é hierarquicamente inferior à regra contida na legislação federal. A conclusão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, e foi observada durante julgamento de processo em que a empresa C.G. Gonçalves e Companhia Ltda., do Rio de Janeiro, estava requerendo o benefício da Justiça gratuita.
Apesar de o STJ reconhecer a possibilidade da gratuidade de Justiça para pessoas jurídicas, desde que provada a impossibilidade da empresa de arcar com as custas processuais, o recurso não pôde ser conhecido. "O recurso especial somente apontou como ofendidas as normas processuais acima elencadas, de sorte que em relação à gratuidade em si, não há como examinar o acórdão, à falta de indicação da norma contrariada a respeito", explicou o ministro-relator do processo, Aldir Passarinho Júnior.
A C.G. entrou com ação de embargos de devedor perante o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Volta Redonda-RJ contra a Planet Malhas Ltda., onde discute valores cobrados com juros e multas abusivas. Na ocasião, requereu preliminarmente a gratuidade de Justiça, alegando dificuldades financeiras que a impedem de arcar tanto com as custas processuais referentes aos Embargos de Devedor quanto aos valores referentes ao preparo de recurso. O benefício foi negado. "Indefiro a gratuidade, vez que se trata de pessoa jurídica".
Inconformada, a empresa insistiu no pedido com um agravo de instrumento para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. "Na verdade, agiu o magistrado como se o simples fato de tratar-se, o pleiteante aos benefícios da Gratuidade da Justiça, de pessoa jurídica, impedisse, por si só e sem a análise de quaisquer outras circunstâncias (como as condições financeiras de tal pessoa jurídica) o deferimento do benefício almejado", argumentou o advogado. O desembargador-relator Cláudio de Mello Tavares negou seguimento ao recurso. Ao agravo regimental da empresa também foi negado provimento. "Por unanimidade, nega-se provimento ao recurso", é o teor da decisão.
Em embargos declaratórios, a C.G. afirmou que o Tribunal não poderia negar provimento ao agravo, sem ter apresentado fundamentação a respeito, nem relatório, nem ementa. Os embargos foram rejeitados, sob alegação de que o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro dispensa a lavratura de acórdão. No recurso para o STJ, a empresa afirmou que tal fato contraria o Código de Processo Civil e a Carta Política.
Ao julgar, o ministro Aldir Passarinho observou que até o julgamento do agravo regimental, a empresa estava com a razão. "De efeito, a norma do Regimento Interno do Tribunal de Justiça que dispensa acórdão viola, frontalmente, os arts. 165, 458 e 563 da lei adjetiva civil, portanto, nenhuma validade tem, por hierarquicamente inferior à regra cogente da legislação federal", afirmou. "Todavia, opostos os embargos de declaração, a Corte Estadual convalidou a falta, evitando a nulidade do julgamento, porquanto, aí, sim, corretamente, elaborou relatório e voto, este enfrentando a matéria debatida, inclusive no tocante à gratuidade", justificou Aldir Passarinho Júnior.
O relator observou que, em relação à gratuidade, o Tribunal carioca chegou até a invocar precedentes do STJ admitindo tal possibilidade para pessoas jurídicas. No acórdão, o TJ ressalvou, no entanto, que é exigida "a demonstração plena do estado de hipossuficiência da empresa". Como a C.G., não indicou, no recurso especial, onde teria havido erro no acórdão, em relação à gratuidade, a Quarta Turma não pôde conhecer do recurso.