Administração não pode demitir servidor se a comissão de inquérito sugeriu outra pena
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a reintegração de patrulheiro da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que havia sido demitido pelo Ministério da Justiça. A demissão do policial se deu sob a acusação de imprudência e imperícia na condução de uma ocorrência de atropelamento. Ele teria atirado acidentalmente e causado a morte de um dos curiosos ao apartar uma briga. O entendimento que prevaleceu na Seção é de que não pode haver discrepância entre a pena sugerida pela comissão de inquérito e a imposta pela Administração Pública.
O patrulheiro Clemildon Correia foi demitido em julho de 1999. O fato que motivou a demissão se deu um ano antes, na noite de 30 de julho de 1998. O policial foi acionado para atender a ocorrência de um acidente no entroncamento entre as rodovias BR 010 e 226, nas proximidades de Porto Franco, no Maranhão: um jovem havia sido morto ao se atirar debaixo de uma carreta em movimento.
Uma grande aglomeração de pessoas se encontrava no local do acidente, quando dois irmãos começaram uma briga no meio da pista. Ao efetuar um tiro para cima visando parar a briga e dispersar a multidão, Clemildon foi agredido pelos irmãos que tentaram tirar-lhe a arma. Na luta corporal, dois tiros foram deflagrados atingindo o tórax de um dos irmãos e a perna do outro. O patrulheiro socorreu ambas as vítimas, mas o jovem que recebeu o tiro no peito já chegou morto ao hospital. A ocorrência foi registrada pela Polícia Militar maranhense e foi aberto inquérito administrativo.
A Comissão de Inquérito Administrativo afastou a tese de legítima defesa, por entender que houve disparo acidental, tendo o patrulheiro agido com culpa, por imperícia. A conclusão a que chegou foi no sentido de que deveria ser aplicada a pena de suspensão não inferior a 30 dias. Para a comissão, em nenhum momento o policial teve perfeito domínio da situação, o que o levou a efetuar os disparos, culminando naquele desfecho. A Assistência Jurídica do Ministério da Justiça, contudo, recomendou a aplicação da pena de demissão, embora entendendo não ter ficado caracterizado dolo na conduta do policial.
Clemildon impetrou mandado de segurança no STJ, tentando reverter a demissão. Alegou, para tanto, que não agiu com imprudência ou imperícia, pois tentou pacificar uma briga de grandes proporções que ocorria no meio da pista e não teve ajuda, encontrando-se sozinho. Defendeu, ainda, que o disparo acidental ocorreu por ter sido agarrado por um dos envolvidos na briga, que tentava derrubar-lhe e tomar-lhe a arma e que não há norma interna da Polícia Rodoviária Federal regulando qual conduta deve ser adotada em tal situação. Segundo ele, na colheita de provas não se considerou o grau de parentesco entre as pessoas que testemunharam e depuseram no caso e foi indeferida a acareação entre ele e a vítima sobrevivente. Além disso, anexou documentos em que a o Departamento de Polícia Rodoviária Federal informa, em resposta a sua solicitação, que a PRF não possui nenhum manual sobre manuseio de armas, sendo que a turma em que Clemildon se formou recebeu apenas informações teóricas. Segundo esse documento, não houve qualquer treinamento sobre como proceder em caso de necessidade de dispersar multidão.
O entendimento que prevaleceu no STJ foi o do ministro Vicente Leal, que concluiu que tanto a Comissão de Inquérito quanto a Assistência Jurídica do ministério chegaram à mesma dedução: não houve dolo na conduta do patrulheiro, ficando caracterizada tão-somente a sua culpa. "O que houve foi discrepância quanto à penalidade sugerida pela Comissão e àquela imposta pela autoridade julgadora", afirma, sustentando que o Estatuto dos Servidores Públicos Federais é categórico em dispor que o julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas, o que não ocorreu. Assim, deferiu o pedido para, revisando a pena imposta, determinar a reintegração do servidor nos quadros da Polícia Rodoviária Federal.