Não há ilegalidade na fixação de horários diferentes para check-in e check-out em hotéis
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial de uma rede de hotéis para estabelecer que não há ilegalidade ou abuso na fixação de horários diferentes para check-in e check-out dos hóspedes. Segundo os ministros, a prática – aceita dentro e fora do Brasil – não viola direitos do consumidor.
O recurso chegou ao STJ após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), no curso de uma ação civil pública, acolher parte da apelação da Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Anadec) e condenar a rede de hotéis a devolver aos hóspedes dos últimos cinco anos o correspondente financeiro às três horas suprimidas da diária, uma vez que a entrada nos estabelecimentos é às 15h e a saída, às 12h.
A Anadec ajuizou a ação alegando que haveria ilegalidade na conduta dos hotéis da rede, pois a Lei 11.771/2008 é expressa ao determinar em seu artigo 23, parágrafo 4º, que a diária deve corresponder a um período de 24 horas – o que não estaria sendo cumprido. Em primeiro grau, a ação foi julgada improcedente, sob o entendimento de que a diferença de horários seria necessária para a realização de serviços nos quartos.
Falta de homogeneidade
O relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que é necessária uma interpretação razoável do artigo 23 da Lei 11.771/2008, regulamentado pelo artigo 25 do Decreto 7.381/2010, “tendo em conta, notadamente, a boa-fé do fornecedor, a razoabilidade no estabelecimento de um período de tolerância para a entrada do novo hóspede no apartamento por ele reservado e os usos e costumes do serviço prestado ao mercado consumidor”.
Segundo ele, a interpretação literal dos dispositivos conduz à conclusão de que a diária de um hotel ou de qualquer outro estabelecimento congênere corresponde ao período de 24 horas entre a entrada e a saída do hóspede.
No entanto, para o ministro, a falta de homogeneidade em relação aos horários de check-in e check-out, nos hotéis em geral, “não altera a premissa de que há um inegável consenso no sentido da absoluta necessidade e razoabilidade de se conferir ao estabelecimento um período para que o hotel prepare as unidades para o recebimento de novo hóspede, o que não poderá gerar decréscimo do valor da diária cobrada do consumidor”.
O ministro ressaltou que não há qualquer prática abusiva do hotel nesse sentido, ainda mais se a empresa, como no caso julgado, veicula de forma clara a informação sobre os horários de entrada e saída dos hóspedes.
Termo máximo
Em seu voto, o relator ainda destacou que o horário de check-in é menos um termo inicial do contrato de hospedagem e mais uma prévia advertência de que o quarto poderá não estar à disposição do hóspede antes de determinado horário. “Apenas se não houver quartos disponíveis aos seus clientes na hora em que chegam ao hotel é que terão de aguardar a conclusão dos serviços de organização e higienização da unidade habitacional, que, diga-se, tem como termo máximo o horário previamente estabelecido para o check-in”, disse.
O ministro Sanseverino ainda lembrou que desde a chegada do cliente ao estabelecimento são a ele oferecidos os serviços do hotel, podendo utilizá-los pelo período de 24 horas. “O contrato de hospedagem, nos lembra a doutrina, é um todo compreensivo de uma série de serviços concatenados, alguns inclusos na diária, outros ofertados ‘on demand’, não se limitando, pois, à ocupação pelo hóspede de determinado espaço físico (quarto)”, ressaltou.
Assim, concluiu que “decorre da boa-fé objetiva o dever de colaboração entre os contratantes, não se podendo exigir do prestador do serviço de hospedagem que tenha à disposição dos hóspedes, sempre, unidades desocupadas e prontas para nova habitação quando o horário de saída de um cliente é o mesmo de entrada de outro”.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.717.111 - SP (2017/0005020-9)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : ITC ADMINISTRACAO E HOTELARIA LTDA
ADVOGADO : HAMILTON YMOTO - SP157684
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DA CIDADANIA E
DO CONSUMIDOR
ADVOGADO : RONNI FRATTI - SP114189
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR.
AÇÃO COLETIVA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE
HOTELARIA. PERÍODO DA DIÁRIA (24 HORAS). LEI
11.771/08 E DECRETO 3.781/10. PRETENSÃO DE
REDUÇÃO DO VALOR DA DIÁRIA EM FACE DE ALEGADA
REDUÇÃO DO PERÍODO DE ESTADIA ANTE A
NECESSIDADE DE ORGANIZAÇÃO E LIMPEZA DAS
UNIDADES HABITACIONAIS ENTRE A SAÍDA DE UM
HÓSPEDE E A ENTRADA DE OUTRO.
1. Polêmica em torno da legalidade da cobrança de uma
diária completa de 24 horas em hotéis que adotam a prática
de check-in às 15:00h e de check-out às 12:00h do dia de
término da hospedagem.
2. Controvérsia em torno da correta interpretação do disposto
no art. 25 da Lei 11.771/08 e no art. 23 do Decreto 7.381/10.
3. Ausência de razoabilidade na interpretação literal desses
enunciados normativos para se fixar o dever do fornecedor do
serviço de hospedagem de reduzir o valor da diária
proporcionalmente ao número de horas necessárias para a
organização e limpeza das unidades habitacionais antes da
entrada de novo cliente.
4. Constitui fato incontroverso a veiculação pela empresa
demandada de forma clara ao mercado consumidor de
informação acerca do horário do check-in (15:00hs) e do
check-out (12:00hs) para seus hóspedes, como, aliás, o fazem
a generalidade dos prestadores de serviço de hotelaria.
5. Natural a previsão pelo estabelecimento hoteleiro, para
permitir a organização de sua atividade e prestação de
serviços com a qualidade esperada pelo mercado consumidor,
de um período entre o check-out do anterior ocupante da
unidade habitacional e o check-in do próximo hóspede,
inexistindo ilegalidade ou abusividade a ser objeto de
controle pelo Poder Judiciário.
6. A prática comercial do horário de check-in não constitui
propriamente um termo inicial do contrato de hospedagem,
mas uma prévia advertência de que o quarto poderá não estar
disponível ao hóspede antes de determinado horário.
7. A fixação de horários diversos de check-in (15:00hs) e
check-out (12:00hs) atende a interesses legítimos do
consumidor e do prestador dos serviços de hospedagem,
espelhando antiga prática amplamente aceita dentro e fora do
Brasil.
8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy
Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 12 de março de 2019. (Data de Julgamento)
MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator