Venda de bem apreendido pode gerar multa ao credor fiduciário em caso de extinção da ação sem julgamento de mérito
Nos casos de alienação fiduciária em que haja extinção de ação de busca e apreensão sem julgamento do mérito e o credor tenha procedido à alienação do bem antes de encerrado o processo, é cabível em favor do devedor fiduciante a multa prevista no artigo 3º, parágrafo 6º, do Decreto-Lei 911/69.
O entendimento foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o caso de instituição financeira que ajuizou ação de busca e apreensão de veículo contra um cliente em razão da inadimplência em contrato de financiamento com garantia por alienação fiduciária.
Na primeira instância, foi deferida liminar à empresa, autorizando o resgate do bem. Posteriormente, em sentença, o processo foi julgado extinto sem resolução do mérito, diante da ausência de comprovação da constituição em mora do devedor fiduciário.
Houve apelação do banco, que alegou a validade de notificação extrajudicial encaminhada por carta com aviso de recebimento ao endereço fornecido no ato do contrato. A alegação não foi acolhida, e a instituição foi condenada ao pagamento da multa de 50% sobre o valor inicialmente financiado.
No STJ, o banco interpôs recurso sob a justificativa de que o processo foi extinto, e não julgado improcedente, e, por isso, seria incabível a aplicação da multa prevista no dispositivo legal.
Extinção
A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a legislação, de fato, impõe a aplicação da penalidade apenas na hipótese de julgamento de improcedência do pedido, nada dizendo sobre a extinção do processo sem resolução do mérito.
Ela citou dois precedentes da Terceira Turma do STJ no sentido de que, havendo extinção sem julgamento de mérito, a multa não deveria ser aplicada, “tendo em vista a necessidade de se interpretar restritivamente a norma sancionatória”.
Apesar disso, a magistrada ressaltou a peculiaridade do caso em análise, em que o motivo determinante para a aplicação da multa foi o fato de o banco, conforme relatado no acórdão recorrido, ter alienado o bem antes mesmo do encerramento do processo, cujo desfecho, como ocorreu, poderia ser até mesmo a extinção sem resolução do mérito.
“No intervalo entre a liminar e a sentença, ‘o credor fiduciário fez uso da faculdade que o decreto-lei lhe confere e alienou o bem a terceiro, assumindo, assim, o risco de arcar com as consequências da medida’”, disse a relatora, citando o acórdão.
Não procurado
Além disso, Nancy Andrighi explicou que a alegada notificação extrajudicial enviada pelo banco não é válida, pois a carta com o aviso de recebimento retornou ao remetente com o motivo “não procurado”, o que reforça que não houve constituição do devedor em mora. Em consequência, não poderia ter ocorrido a alienação do bem.
“A sôfrega e imprudente busca por um direito – em tese, legítimo – que, no entanto, faz perecer no caminho direito de outrem, ou mesmo uma toldada percepção do próprio direito, que impele alguém a avançar sobre direito alheio, são considerados abuso de direito, porque o exercício regular do direito não pode se subverter, ele mesmo, em uma transgressão à lei, na modalidade abuso do direito, desvirtuando um interesse aparentemente legítimo, pelo excesso”, afirmou a relatora.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.715.749 - SC (2017/0323842-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A
ADVOGADOS : PAULO CESAR DA ROSA GOES - SC004008
GUSTAVO RODRIGO GÓES NICOLADELI - SC008927
ELISIANE DE DORNELLES FRASSETTO - SC017458B
RODRIGO FRASSETTO GÓES E OUTRO(S) - SC033416
RECORRIDO : MOACIR DOMINGOS
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA. MORA DESCARACTERIZADA. FIXAÇÃO DE MULTA COM BASE NO
ART. 3º, § 6º, DO DECRETO-LEI N. 911/69. JULGAMENTO SEM RESOLUÇÃO
DE MÉRITO. EXECUÇÃO DE LIMINAR POSTERIORMENTE REVISTA.
FINALIDADE DA NORMA. OBSERVÂNCIA.
1. Ação ajuizada em 19/12/16. Recurso especial interposto em 12/07/17 e
concluso ao gabinete em 10/01/18.
2. O propósito recursal reside em decidir sobre a possibilidade de imposição
da multa prevista no § 6º do art. 3º do DL 911/69.
3. A multa prevista no art. 3º, § 6º, do Decreto-lei 911/69 deve incidir
quando configurada a conduta abusiva do autor que, indevidamente, alija o
réu da posse do bem e o aliena a terceiro, impedindo o fiduciante de
adquirir-lhe, futuramente, a propriedade plena. Precedentes.
4. No particular, o juízo de primeiro grau de jurisdição, inicialmente, deferiu
a liminar de busca e apreensão, mas, em sentença, julgou extinto o processo
sem resolução de mérito, ante a ausência de comprovação da constituição
em mora do devedor fiduciário. No intervalo entre a liminar e a sentença, o
credor fiduciário fez uso da faculdade que o Decreto-lei lhe confere e
alienou o bem a terceiro, assumindo, assim, o risco de arcar com as
consequências da medida.
5. Recurso especial conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso
especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 23 de outubro de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora