Conduta ilícita em exercício de defesa gera dano indenizável à parte que teve de arcar com sucumbência

Conduta ilícita em exercício de defesa gera dano indenizável à parte que teve de arcar com sucumbência

A conduta ilícita no exercício do direito de defesa que inviabiliza a procedência de uma ação gera dano a ser indenizado à parte que suportar os honorários sucumbenciais, sendo incompatível com o sistema jurídico a utilização da conduta para se esquivar de uma cobrança.

Com este entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu a um recurso de uma cooperativa financeira para julgar procedente o pedido de indenização para cobrar danos materiais referente aos valores pagos na ação de cobrança que foi perdida devido a conduta ilícita na defesa da outra parte.

Segundo o relator do recurso especial, ministro Marco Aurélio Bellizze, a parte vencedora na ação de execução utilizou conduta ilícita para evitar a cobrança do título, gerando honorários sucumbenciais a serem pagos pela parte perdedora, a cooperativa financeira.

Bellizze destacou que a responsabilidade nos casos de abuso do exercício do direito de defesa se dá, em regra, no mesmo processo, mas “nada impede que a pretensão reparatória seja deduzida em outra ação, se, por exemplo, o conhecimento da prática do ato ilícito se der em momento posterior ou depender de comprovação que refuja dos elementos probatórios considerados suficientes para o julgamento da ação em que se deu o ilícito”.

Assinatura falsa

Segundo as informações do processo, um casal atuou em conluio falsificando assinaturas em cédula de crédito bancário, impedindo a execução dos títulos na ação originalmente proposta pela instituição financeira. Com a inviabilidade da cobrança, a instituição ajuizou outra ação para cobrar a dívida e os valores pagos à título de despesas processuais e honorários advocatícios na ação executiva anterior.

O pedido foi julgado procedente em primeira instância e, em sede de apelação, reformado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para excluir da condenação a indenização por danos materiais (honorários pagos). Para o TJSP, o exercício do direito de defesa foi legal, inviabilizando a cobrança em momento posterior.

Tal entendimento, na visão do relator, não é juridicamente plausível, já que o ilícito ficou comprovado e gerou dano material passível de reparação.

“Veja-se, portanto, que a tese de defesa, consistente na alegação de que a assinatura do título não lhe pertencia, embora idônea para fulminar a ação executiva, não pode ser considerada lídima, e mesmo lícita, se, aquele que a alega, imbuído de má-fé, induziu a parte adversa a erro, contribuindo de alguma forma, direta ou indiretamente, para a fraude apontada (no caso, a falsificação de sua assinatura)”.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.726.222 - SP (2017/0006169-4)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : RODRIGO SOUTO DE CARVALHO
RECORRENTE : ROSIANE MARIA ROSA PINA CARVALHO
ADVOGADO : MARCELO LAFERTE RAGAZZO - SP256591
RECORRENTE : COOPERATIVA DE CREDITO MUTUO DOS PROFISSIONAIS
DA AREA DA SAUDE, DOS PEQUENOS E MICRO
EMPRESARIOS - SICREDI INTEGRADAS
ADVOGADOS : SÉRGIO DE OLIVEIRA SILVA JÚNIOR - SP204364
ANA MARIA RODRIGUES JANEIRO - SP337218
RECORRIDO : OS MESMOS
EMENTA
RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE COBRANÇA C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE DEFESA
MANIFESTADO EM AÇÃO EXECUTIVA ANTERIOR. ATUAÇÃO FRAUDULENTA
DETERMINANTE À EXTINÇÃO DO FEITO EXECUTIVO. REPARAÇÃO PELOS PREJUÍZOS
PERCEBIDOS (CONDENAÇÃO À VERBA SUCUMBENCIAL). NECESSIDADE. ALEGAÇÃO
DE PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE COMPENSAÇÃO.
DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL DA DEMANDANTE PROVIDO. RECURSO
ESPECIAL DOS REQUERIDOS IMPROVIDO.
1. A tese de defesa, consistente na alegação de que a assinatura do título não lhe pertencia,
embora idônea para fulminar a ação executiva, não pode ser considerada lídima, e mesmo
lícita, se, aquele que a alega, imbuído de má-fé, induziu a parte adversa a erro, contribuindo de
alguma forma, direta ou indiretamente, para a fraude apontada (no caso, a falsificação de sua
assinatura). O abuso do direito de defesa, em tal circunstância, revela-se manifesto, a
configurar ato ilícito, passível de reparação, se a parte lesada vier a sofrer prejuízo, de
qualquer ordem, como se deu na espécie.
2. Na função regulatória, a aplicação da boa-fé impõe ao titular de um direito subjetivo a
obrigação de, ao exercê-lo, observar, detidamente, os deveres de lealdade, de cooperação e
de respeito às legítimas expectativas do outro sujeito da relação jurídica privada. A
inobservância desse proceder configura exercício abusivo do direito tutelado, que, na dicção
do art. 187 do CC, se reveste de ilicitude, passível de reparação, caso dele advenha prejuízo a
outrem.
3. A responsabilização pelos prejuízos decorrentes do exercício excessivo do direito de defesa
se dá, em regra, no âmbito do próprio processo em que o ato ilícito foi praticado. Todavia,
nada impede que a pretensão reparatória seja deduzida em outra ação, se, por exemplo, o
conhecimento da prática do ato ilícito se der em momento posterior ou depender de
comprovação que refuja dos elementos probatórios considerados suficientes para o julgamento
da ação em que se deu o ilícito.
3.1 Na espécie, afigurou-se suficiente, para a extinção da ação executiva, o reconhecimento
de que a assinatura constante do título executivo não foi exarada pelo executado. Não se
poderia exigir, no feito executivo, maior aprofundamento da instrução probatória para aferir se
o executado procedeu ilicitamente ou não, para definir a quem incumbiria arcar com os ônus
de sucumbência daquela ação (ou seja, quem realmente deu causa ao ajuizamento da ação),
bem como apurar prejuízos outros daí decorrentes.
4. Em se tratando de causa interruptiva judicial, a citação válida tem o condão de interromper o
prazo prescricional independentemente do desfecho dado ao processo — se com ou sem
julgamento de mérito —, fazendo com que a fluência do prazo prescricional se reinicie, por
inteiro, apenas após o último ato do processo (qual seja, o trânsito em julgado), nos termos do
parágrafo único do art. 202 do Código Civil. Precedentes.

5. A titularidade das cotas sociais, decorrentes da participação na gestão da cooperativa, não
torna os recorrentes, em princípio, credores da sociedade cooperativa, não se tendo notícias
nos autos quanto à dissolução parcial da sociedade, com a exclusão do cooperado e
consequente liquidação da respectiva cota, a evidenciar, inclusive, a própria iliquidez do que os
insurgentes denominam de crédito perante a cooperativa, pressuposto da compensação, nos
termos do art. 369 do Código Civil.
6. Recurso especial da parte demandante provido; e recurso especial dos demandados
improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a
seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial interposto pela SICREDI e negar
provimento ao recurso interposto por Rodrigo Souto de Carvalho e Outra, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Brasília, 17 de abril de 2018 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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