Terceiro de boa-fé deve ser protegido ao adquirir imóvel de parte em união estável

Terceiro de boa-fé deve ser protegido ao adquirir imóvel de parte em união estável

Nos regimes de união estável, assim como nas hipóteses de casamento, há a necessidade de consentimento do convivente para alienação de imóvel adquirido durante a constância da relação. Todavia, as peculiaridades que envolvem as uniões estáveis – como a dispensa de contrato registrado em cartório como requisito para a validade da união – tornam necessária a proteção do terceiro de boa-fé que adquire imóvel de um dos conviventes, especialmente nos casos em que o vendedor se apresenta como solteiro perante a sociedade e não há notícia da averbação de contrato de convivência.  

O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao confirmar acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que manteve alienações de imóveis realizadas pelo ex-companheiro como forma de proteção ao terceiro comprador, já que o ex-companheiro se apresentava como único proprietário do bem, não havia registro cartorário sobre a união estável e os imóveis foram vendidos antes do reconhecimento judicial da convivência.

“Não havendo registro imobiliário em que inscritos os imóveis objetos de alienação em relação à copropriedade ou à existência de união estável, tampouco qualquer prova de má-fé dos adquirentes dos bens, impõe-se o reconhecimento da validade dos negócios jurídicos celebrados, a fim de proteger o terceiro de boa-fé, assegurando-se à recorrente o direito de buscar as perdas e danos na ação de dissolução de união estável c.c partilha, a qual já foi, inclusive, ajuizada”, apontou o relator do recurso especial, ministro Marco Aurélio Bellizze.

Consentimento

Na ação de nulidade de escritura pública que originou o recurso, a autora afirmou que seu ex-companheiro alienou imóveis adquiridos na constância da união estável sem o seu consentimento, porém, para ela, os bens deveriam ter sido submetidos à partilha após a dissolução da união.

Em primeira e segunda instâncias, o pedido de nulidade foi julgado improcedente. Para o TJPR, não havia o reconhecimento da união estável no momento da aquisição dos imóveis e de sua alienação, o que, para o tribunal, confirmou a validade do negócio jurídico e a boa-fé do terceiro comprador.

Por meio de recurso especial, a autora alegou que a união estável e a aquisição dos imóveis durante o período de convivência ficaram comprovadas nos autos e, por consequência, não havia dúvidas de que os bens pertenciam a ambos os conviventes. Por isso, para a recorrente, o companheiro não poderia outorgar a escritura de compra e venda sem o consentimento dela.

Peculiaridades da união estável

O ministro Marco Aurélio Bellizze lembrou inicialmente que, de acordo com o artigo 1.647 do Código Civil, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, alienar bens imóveis, exceto nos casos de regime de separação absoluta.

Apesar da existência de divergência jurisprudencial sobre o tema, o ministro apontou que, embora o texto legal cite apenas cônjuges, a proteção patrimonial se aplica também às famílias oriundas de uniões estáveis, já que ambas as entidades são reconhecidas pelo ordenamento jurídico.

Entretanto, o ministro também ressaltou que, diferentemente do que ocorre no casamento, em que há ato formal cartorário, na união estável há preponderância de um nível de informalidade no vínculo entre os conviventes, pois se trata de situação que não exige documento. Nessas situações, esclareceu o relator, o comprador de boa-fé não poderia ser prejudicado, já que o imóvel foi adquirido daquele que aparentava ser o único proprietário do imóvel.

“Assim, nos casos em que o bem imóvel esteja registrado apenas no nome de um dos conviventes, o qual se apresenta como solteiro perante a sociedade, pois o estado civil não se altera na união estável, e em que não há contrato de convivência registrado em cartório, o comprador do imóvel, terceiro de boa-fé, não tem como ter ciência da existência da união estável”, concluiu o ministro ao manter o acórdão paranaense.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.592.072 - PR (2016/0071229-3)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : IRACEMA VITORIA
ADVOGADO : DINAMIR PRUENCA MONTEIRO MACHADO E OUTRO(S) - PR011856
RECORRIDO : CARLOS GALETI RIBEIRO DA SILVA
RECORRIDO : DECIO BANDO
ADVOGADOS : ADRIANO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) - PR026232
MARCELO DE OLIVEIRA - PR036382
RECORRIDO : BONERGES MACHADO
RECORRIDO : DEUSLIRES DA ENCARNACAO BANDEIRA MACHADO
RECORRIDO : ANTONIO NASCIMENTO
RECORRIDO : MARIA CELIA GONCALVES
RECORRIDO : GILSON CARDOSO GALLI
RECORRIDO : DEBORA RAQUEL FERREIRA GALLI
RECORRIDO : MAYCON HEID MYAZAKI
RECORRIDO : FERNANDA ASATO
RECORRIDO : RUBIA MARA CAETANO
ADVOGADO : DANILO GUIMARÃES RODRIGUES ALVES - PR035256
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA C.C.
CANCELAMENTO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. 1. ALIENAÇÃO DE BENS IMÓVEIS
ADQUIRIDOS DURANTE A CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. ANUÊNCIA DO OUTRO
CONVIVENTE. OBSERVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.647, I, E 1.725 DO
CÓDIGO CIVIL. 2. NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO SEM A AUTORIZAÇÃO DE UM DOS
COMPANHEIROS. NECESSIDADE DE PROTEÇÃO DO TERCEIRO DE BOA-FÉ EM RAZÃO
DA INFORMALIDADE INERENTE AO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL. 3. CASO
CONCRETO. AUSÊNCIA DE CONTRATO DE CONVIVÊNCIA REGISTRADO EM CARTÓRIO,
BEM COMO DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ DOS ADQUIRENTES. MANUTENÇÃO DOS
NEGÓCIOS JURÍDICOS QUE SE IMPÕE, ASSEGURANDO-SE, CONTUDO, À AUTORA O
DIREITO DE PLEITEAR PERDAS E DANOS EM AÇÃO PRÓPRIA. 4. RECURSO ESPECIAL
DESPROVIDO.
1. Revela-se indispensável a autorização de ambos os conviventes para alienação de bens
imóveis adquiridos durante a constância da união estável, considerando o que preceitua o art.
5º da Lei n. 9.278/1996, que estabelece que os referidos bens pertencem a ambos, em
condomínio e em partes iguais, bem como em razão da aplicação das regras do regime de
comunhão parcial de bens, dentre as quais se insere a da outorga conjugal, a teor do que
dispõem os arts. 1.647, I, e 1.725, ambos do Código Civil, garantindo-se, assim, a proteção do
patrimônio da respectiva entidade familiar.
2. Não obstante a necessidade de outorga convivencial, diante das peculiaridades próprias do
instituto da união estável, deve-se observar a necessidade de proteção do terceiro de boa-fé,
porquanto, ao contrário do que ocorre no regime jurídico do casamento, em que se tem um ato
formal (cartorário) e solene, o qual confere ampla publicidade acerca do estado civil dos
contratantes, na união estável há preponderantemente uma informalidade no vínculo entre os
conviventes, que não exige qualquer documento, caracterizando-se apenas pela convivência
pública, contínua e duradoura.
3. Na hipótese dos autos, não havia registro imobiliário em que inscritos os imóveis objetos de
alienação em relação à copropriedade ou à existência de união estável, tampouco qualquer
prova de má-fé dos adquirentes dos bens, circunstância que impõe o reconhecimento da
validade dos negócios jurídicos celebrados, a fim de proteger o terceiro de boa-fé,

assegurando-se à autora/recorrente o direito de buscar as perdas e danos na ação de
dissolução de união estável c.c partilha, a qual já foi, inclusive, ajuizada.
4. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a
seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e
Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 21 de novembro de 2017 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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