Conteúdo decisório autoriza interposição de recurso contra ato do juiz
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível interpor recurso de agravo de instrumento contra ato de juiz, independentemente do nome dado ao provimento jurisdicional – se despacho ou decisão interlocutória –, bastando que possua conteúdo decisório capaz de gerar prejuízo às partes.
Um espólio ajuizou pedido de anulação de contrato de compra e venda e cancelamento de registro imobiliário contra o Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás (Idago). O órgão foi extinto e no polo passivo foi incluído o estado de Goiás.
Ao aceitar o pedido do espólio, o juiz determinou o cancelamento da transcrição imobiliária relativa ao título de domínio expedido pelo Idago em 1991. Na fase de cumprimento da sentença, o espólio requereu o cancelamento de outros dois registros imobiliários.
O novo pedido foi atendido pelo juiz, que determinou o cancelamento das duas matrículas no registro de imóveis. Como entendeu que a medida lhe causava prejuízo, pois essa diminuição em seu patrimônio não estaria prevista na sentença, o estado interpôs recurso de agravo de instrumento.
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negou seguimento ao agravo afirmando que o juízo de primeiro grau havia apenas determinado o cumprimento da sentença, tratando-se de despacho “de mero expediente”, o qual não estaria sujeito a recurso.
Natureza
Com a nova negativa, o estado de Goiás recorreu ao STJ, alegando violação ao artigo 162, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC). Afirmou que a decisão combatida pelo agravo resolveu questão incidental.
Sustentou que o cancelamento das duas matrículas foi além do determinado pela sentença e, portanto, não se trata de despacho de mero expediente, mas de decisão interlocutória, passível de ser atacada por agravo de instrumento.
Segundo o estado de Goiás, “a decisão em estudo, a pretexto de dar cumprimento à sentença judicial transitada em julgado, acabou por elastecê-la, para incluir o cancelamento de matrículas imobiliárias decorrentes de negócios jurídicos não discutidos na ação judicial que a originou”. Tal fato não poderia ser confundido com despacho de mero expediente.
De acordo com a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, de maneira diversa das decisões interlocutórias, os despachos não estão sujeitos a recurso, por promoverem apenas o andamento dos feitos, sendo destituídos de carga decisória.
Prejuízo à parte
A relatora ressaltou que, independentemente do nome dado ao provimento jurisdicional, “para que ele seja recorrível, basta que possua algum conteúdo decisório capaz de gerar prejuízo às partes”.
Tal entendimento é partilhado por juristas como Nelson Nery Junior e José Carlos Barbosa Moreira, citados no voto. Nery afirma que “todo despacho é de mero expediente. São atos do juiz destinados a dar andamento ao processo, não possuindo nenhum conteúdo decisório. Se contiver nele embutido um tema decisório capaz de causar gravame ou prejuízo à parte ou ao interessado, não será despacho, mas sim decisão interlocutória”.
A relatora também trouxe precedentes que discutiram o tema. Foram citados os Recursos Especiais 195.848, da Quarta Turma; 603.266, da Quinta Turma, e 1.022.910, da Terceira Turma.
Os ministros concordaram que o provimento judicial atacado pelo agravo de instrumento possuiu claramente carga decisória. Também reconheceram a existência de prejuízo ao estado de Goiás, decorrente do cancelamento dos registros imobiliários.
Concluíram que o direito de ter o agravo conhecido e apreciado no mérito pelo tribunal de segunda instância não deveria ter sido tolhido, com a alegação de que “o juiz de primeiro grau proferiu despacho de mero expediente”. A partir desse entendimento, determinaram o retorno dos autos ao TJGO, para análise do mérito do agravo de instrumento.