Dependência de álcool afasta dispensa por justa causa
Um trabalhador dispensado por
justa causa por dependência alcoólica deverá ser reintegrado ao quadro
do Município de Mogi Mirim (SP). Esse foi o entendimento da Primeira
Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao não conhecer de recurso
interposto pelo município em processo envolvendo um funcionário
despedido por ser dependente químico (álcool).
Admitido como ajudante geral pelo município após aprovação em
concurso público, o trabalhador, segundo testemunhas, faltava muito ao
serviço e por vezes foi encontrado “dormindo em bancos de praça,
embriagado”. Em fevereiro de 2003, foi despedido sob a alegação de falta
grave por abandono de emprego.
O empregador sustentou que o motivo da extinção do contrato de
emprego não foi o alcoolismo, e sim o fato de o trabalhador ter
abandonado o emprego. Afirmou que o trabalhador, durante o contrato,
afastou-se injustificadamente em várias ocasiões, e chegou a ser
suspenso por três dias por isso. Entre 5 de novembro e 15 de dezembro de
2002, afastou-se novamente, recebendo auxílio previdenciário, e não
retornou após a alta. A situação, segundo o município, é a prevista na
Súmula nº 32 do TST, que presume o abandono de emprego o fato de o
trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 dias após o fim do
benefício da previdência, nem justificar o motivo da ausência.
A tese não convenceu o juízo de primeiro grau, levando o município,
após perder a ação na Vara do Trabalho, a recorrer ao Tribunal Regional
do Trabalho da 15ª Região (Campinas). Contudo, a decisão mais uma vez
beneficiou o trabalhador. Para o Regional, ser dependente de álcool não é
uma opção pessoal, pois o alcoolismo hoje é consensualmente considerado
uma patologia, embora o hábito da bebida seja ainda tratado com
tolerância pela sociedade. Por isso, manteve a decisão de origem, sem
enfrentar a matéria em relação ao abandono de emprego.
No TST, o ministro relator do processo, Lelio Bentes Corrêa, lembrou
que o alcoolismo crônico, classificado hoje como “síndrome de
dependência do álcool”, é formalmente reconhecido pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) e que, no caso analisado, a dependência era
inegável. O ministro ressaltou ainda que o TRT15 não enfrentou a matéria
sob o enfoque do abandono de emprego ou da impossibilidade de
reintegração do empregado e, para que se configure o prequestionamento,
necessário para a admissão do recurso, é necessário que o Tribunal de
origem adote tese explícita acerca do tema. Caso não o faça, a parte
interessada deve interpor embargos de declaração a fim de obter a
manifestação desejada.
O relator assinalou que a dependência impele o alcoolista a consumir
descontroladamente a substância psicoativa e lhe retira a capacidade de
discernimento sobre seus atos. Por isso, é necessário, antes de
qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja
encaminhado ao INSS para tratamento e, nos casos em que for constatada a
irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à
aposentadoria.
Finalmente, o ministro Lelio Bentes observou que a Constituição
adota como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e os
valores sociais do trabalho, além da proteção à saúde. “Nesse contexto, o
empregado vítima de tal síndrome deve ser submetido a tratamento
médico, e não punido com dispensa por justa causa, no uso pelo
empregador do exercício de seu poder disciplinar”, concluiu.