Granja vai pagar R$ 200 mil a caseiro acusado de furtar galinhas
Para invalidar a decisão que a
condenou a pagar R$ 200 mil de indenização por danos morais a um
trabalhador acusado de ladrão de galinhas da granja onde era caseiro, e
da qual foi demitido por justa causa, a Companhia de Alimentos do
Nordeste (Cialne) interpôs ação rescisória, alegando que a decisão foi
proferida por juízo absolutamente incompetente. O argumento não
encontrou respaldo na Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais
(SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho, que negou provimento ao
recurso da empresa.
Tudo começou quando um gerente da empresa descobriu, na granja, dez
sacos com cinco galinhas cada um. Ficou de sobreaviso, mas ninguém
apareceu para levar os sacos. A polícia foi chamada, e o empregado autor
da ação sugeriu aos colegas que procurassem um advogado caso fossem
chamados para depor. Segundo ele, foi isso que despertou a ira da
empresa, que o demitiu por justa causa e o processou por crime de furto.
Após vinte anos de serviços prestados na granja Cialne III, na
localidade de Sítio Pau Pombo, no município de Aquiraz, sem nunca ter
tido problemas no trabalho, ele viu sua boa fama acabar.
O trabalhador disse que o fato repercutiu no relacionamento com a
esposa e os familiares. Conhecido na pequena comunidade onde sempre
viveu, ele contou que todos se perguntavam por que Dandão, como era
chamado, havia furtado galinhas do próprio local de trabalho. Mesmo
absolvido no processo criminal e na ação trabalhista, que não reconheceu
a justa causa, na contestação da ação de danos morais a empresa ainda
declarou expressamente que, sem dúvida, o caseiro “era o autor do furto,
useiro e vezeiro na prática de tal comportamento”.
Absolvido em processo criminal e vitorioso também na reclamação
trabalhista, que anulou a justa causa e condenou a empresa a pagar as
verbas de rescisão imotivada, o trabalhador buscou a Justiça Estadual
para obter a reparação por dano moral. Em agosto de 2003, antes de
publicada a Emenda Constitucional 45/04, a ação foi julgada pela 1ª Vara
Cível de Aquiraz (CE), que determinou à empresa pagar ao ex-empregado
indenização de R$ 200 mil.
Ao recorrer contra a condenação, depois de promulgada a reforma
constitucional, que transferiu para a Justiça do Trabalho a competência
para julgar danos morais decorrentes da relação de trabalho, o processo
foi remetido ao Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT/CE), que
negou provimento à pretensão da empregadora. Após o trânsito em julgado
da decisão, a empresa interpôs a ação rescisória.
A Cialne sustentou que a decisão fora proferida por juízo
incompetente, baseada unicamente no inciso II do artigo 485 do CPC -
pelo qual a sentença é rescindível quando proferida por juiz
absolutamente incompetente. A empresa alegou a incompetência material da
Justiça Comum, que proferiu a decisão de mérito, ou da Justiça do
Trabalho, que, ao confirmar a sentença prolatada na Justiça Comum,
feriu, segundo a Cielne, a competência do Tribunal de Justiça para
apreciar a apelação. O TRT/CE julgou o pedido improcedente.
SDI-2
No recurso ordinário ao TST, a empresa repetiu o argumento da
incompetência. Para o relator na SDI-2, ministro Guilherme Caputo
Bastos, o apelo da empresa merecia ser acolhido, porque a sentença foi
proferida pela Justiça Comum em 2003, antes da vigência da EC 45/04, o
que tornava, no seu entender, a Justiça do Trabalho incompetente para
examinar a questão.
Com posicionamento divergente do ministro Caputo Bastos, a juíza
convocada Maria Doralice Novaes votou pela manutenção da decisão do
TRT/CE e pelo não provimento do recurso da empresa. Segundo a juíza, o
caso em questão não permite concluir pela “inequívoca incompetência do
órgão prolator, quer em relação ao julgamento de primeiro grau, quer
quanto ao acórdão proferido em grau de recurso”. De acordo com a juíza,
quando a decisão foi proferida pela primeira instância da Justiça Cível,
a competência para processar e julgar ações referentes a dano moral
decorrente da relação de emprego gerava muita controvérsia e decisões
divergentes a respeito.
Até a promulgação da EC 45, a grande maioria dos julgados, afirmou a
juíza, registrava o entendimento de que a competência era da Justiça do
Trabalho, enquanto outros ainda a atribuíam à Justiça Comum. “O fato é
que, na ocasião em que foi ajuizada, a ação era admissível e foi
admitida na Justiça Comum”, explicou. No entanto, na ocasião do recurso,
a Justiça trabalhista já era de todo competente para apreciar a
matéria. Assim, a alegação de incompetência não poderia servir de
fundamento para a ação rescisória.
Ainda na sua fundamentação, a juíza esclareceu que, no caso, tanto a
Justiça Comum como a JT desatenderam a orientações do Supremo Tribunal
Federal, no que se refere às regras de transição relativas à
competência, pois o STF deliberou que os processos com sentença de
mérito proferidas na Justiça Comum antes da entrada em vigor da EC 45/04
ali permaneceriam até o trânsito em julgado. Esse desrespeito, porém,
não torna a Justiça do Trabalho incompetente. Seu entendimento foi
seguido pela maioria dos ministros da SDI-2, ficando vencido somente o
relator.