Judiciário não pode afastar imunidade de organismo internacional
O Poder Judiciário não pode
afastar a imunidade de jurisdição de organismo internacional sem que
haja previsão no tratado internacional firmado pelo Brasil. Essa é a
conclusão da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho que pôs
fim ao processo em que duas trabalhadoras pretendiam o reconhecimento
de vínculo de emprego com o Instituto Interamericano de Cooperação para
a Agricultura (IICA) e, por consequência, o recebimento de verbas
salariais.
De acordo com o relator, ministro Vieira de Mello Filho, a
Constituição confere ao presidente da República a prerrogativa de
celebrar tratados internacionais (ratificados pelo Congresso Nacional)
que concedam imunidade de jurisdição aos organismos internacionais.
Assim, se o Brasil, por livre e espontânea vontade, concedeu imunidade
ao Instituto, por meio do Decreto nº 216, de 27 de novembro de 1991, o
Judiciário não pode ignorar o compromisso firmado, exorbitando a sua
atuação. Caso contrário, haveria afronta ao princípio constitucional da
separação dos poderes (artigo 60, §4º, inciso III).
O relator explicou ainda que, num primeiro momento, a
jurisprudência consolidara-se no sentido da imunidade absoluta dos
Estados estrangeiros. Com o tempo, distinguiram-se duas espécies de
conduta desses Estados: a prática de atos de gestão e de império. Desse
modo, quando o processo no Judiciário brasileiro envolvesse causa de
natureza trabalhista (conflitos próprios de atos de gestão), seria
inaplicável a imunidade de jurisdição.
A novidade da Constituição de 1988 (artigo 114) foi garantir que,
mesmo o empregador sendo ente de direito público externo, o julgamento
de causa trabalhista, se transposto o óbice da imunidade jurisdicional,
ainda assim permaneceria no âmbito da Justiça do Trabalho. Então,
afirmou o ministro, na medida em que a imunidade jurisdicional dos
Estados estrangeiros não era absoluta e estava vinculada aos seus atos,
a questão era saber se essas considerações se aplicavam também aos
organismos internacionais, no caso, o IICA.
Para o relator, a resposta é não. Somente na hipótese de previsão
no tratado internacional firmado é que poderia haver jurisdição do
Estado brasileiro. Diferentemente da imunidade do Estado estrangeiro
que é regida pelo princípio da reciprocidade, a do organismo
internacional é definida mediante tratado. A renúncia à imunidade até
seria admissível em certas situações, desde que prevista no tratado.
O ministro destacou que a matéria ainda está em discussão na
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST e
citou precedente do Supremo Tribunal Federal que trata da
impossibilidade de extensão aos organismos internacionais da
flexibilização da imunidade jurisdicional permitida pelo STF aos
Estados estrangeiros.
Para o Supremo, os organismos internacionais são pessoas de direito
público internacional dotadas de características distintas dos Estados
estrangeiros e em nenhum momento a evolução do tema da imunidade
jurisdicional na Corte os alcançou, pois a imunidade para Estados
estrangeiros nasceu de norma consuetudinária internacional (com base
nos usos e costumes) e a dos organismos internacionais tem origem em
tratados. Ainda segundo o Supremo, muitas vezes a Justiça do Trabalho
interpreta, de forma equivocada, a jurisprudência do STF sobre o tema.
Foi o que aconteceu com o Tribunal do Trabalho da 7ª Região (CE) ao
manter a sentença de primeiro grau e negar provimento ao recurso
ordinário do organismo para extinguir a ação. O TRT aplicou à hipótese
a jurisprudência do TST e do Supremo Tribunal Federal sobre imunidade
de jurisdição em causas trabalhistas envolvendo Estado estrangeiro.
Depois dos esclarecimentos trazidos pelo relator, ministro Vieira
de Mello Filho, a Primeira Turma, por unanimidade, acatou o recurso de
revista do Instituto para julgar extinto o processo, sem exame do
mérito.