Breves comentários sobre a responsabilidade civil por dívida já solvida - Aspectos de Direito Material e Processual

Breves comentários sobre a responsabilidade civil por dívida já solvida - Aspectos de Direito Material e Processual

Cobrar judicialmente divida já paga no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, configura ao credor violação do artigo 187, do Código Civil.

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL POR DIVIDA JÁ SOLVIDA. ASPECTOS DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL.

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Maurício de Freitas Silveira – Advogado em Clevelândia, Sudoeste do Paraná – Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Unisul/SC e Inovações ao Direito Civil e seus Instrumentos de Tutela – Uniderp/MS. Membro da Comissão de Trabalhos da VI Jornada de Direito Civil – Brasília-DF.

Resumo: Cobrar judicialmente divida já paga no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas configura ao credor violação do artigo 187, do Código Civil. Este uso abusivo do credor se trata de ilícito objetivo, sendo desnecessária a comprovação da má-fé para a incidência da pena civil imposta na forma dobrada ou na sua equivalência, podendo o devedor demandado abusivamente utilizar-se de qualquer via processual para receber a indenização cabível, independentemente de promoção de ação autônoma e/ou reconvenção, ressalvando a hipótese da excludente de ilicitude processual permitida ao credor de pleitear a desistência da ação antes de contestada a lide.

Palavra chave: Divida já solvida. Pagamento em dobro. Má-fé. Abuso de direito. Pedido contraposto. Mudança Jurisprudencial do STJ. Excludente de ilicitude de caráter processual.

A matéria de responsabilidade civil por divida já solvida não é novidade no direito material contemporâneo, tal disposição legal era expressa no Código Civil de 1916, contudo, estava posto em titulo relativo à matéria obrigacional (art. 1.531) e não como se encontra atualmente em titulo sobre responsabilidade civil.

Dispunha o art. 1.531, Código Civil de 1916 (Lei 3071/16):

Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação.

Atual redação contida no art. 940, Código Civil de 2002 (Lei 10.406/2002):

Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Na realidade, além da mudança relativa transmudação de matéria obrigacional para responsabilidade civil, ocorreu um aprimoramento sutil inerente à redação (parte final), reduzindo a oração para: “salvo se houver prescrição”. Do restante, a correspondência do dispositivo do Código Civil de 1916 para o Código Civil de 2002 é ipsis litteris.

Através da leitura do dispositivo legal, seja pela redação revogada ou atual, é perceptível que só ocorrera à incidência da responsabilização civil por divida já solvida quando da promoção de cobrança judicial pelo credor, vez que se fala em demandar, ou seja, intentar ação judicial. Nas palavras de Claudio Luiz Bueno de Godoy comentando os artigos 939 e 940, leciona que o dispositivo pressupõe que a cobrança, para ensejar consequências nele previstas, tenha sido já levada a uma demanda judicial1.

Desta forma, a conduta de demandar judicialmente divida já paga é tida como ato ilícito pelo uso abusivo do credor, sendo que o excesso do pedido deduzido resulta na indenização concernente ao pagamento na forma dobrada do valor ou equivalente ao exigido. Caio Mario, com sua indiscutível autoridade, aponta várias hipóteses de abuso de direito previstas no velho Código, citando como exemplo o exercício abusivo do direito de demanda (artigos 1.530 e 1.5312 do CC/1916).

Desta forma, ajuizada demanda por divida já paga configura abuso de direito nos termos do art. 187, do Código Civil3. Esse dispositivo vem acarretando mudança jurisprudencial, ainda tímida, no Superior Tribunal de Justiça concernente a desnecessidade de comprovação da má-fé para aplicabilidade da pena civil dobrada imposta no art. 940 CC, tendo em vista a superação da concepção subjetiva para objetiva inerente ao ato ilícito por excesso manifesto.

Em que pese os doutrinadores Carlos Alberto Menezes Direito e Sergio Cavalieri Filho, sob a Coordenação do saudoso Sálvio de Figueiredo Teixeira sustentarem seus entendimentos (obs: fundados ainda na interpretação do art. 1.531, do CC) no sentido de ser necessária a comprovação da má-fé do credor como elemento subjetivo para a responsabilização civil4 por divida paga, data máxima vênia, entendimento esse retrógado, com a atual conjectura do Código Civil de 2002 - baseado nas clausulas gerais do fim social, fim econômico, boa-fé e bons costumes.

Os comentários trazidos e defendidos pelos ilustres juristas tem como premissa basilar a Sumula n.º 159 do STF, a qual preconiza: STF Súmula nº 159 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 86. Cobrança Excessiva - Boa Fé – Sanções. Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do Art. 1.531 do Código Civil.

Percebe-se, que a publicação desta respeitável sumula oriunda do Supremo Tribunal Federal se deu no ano de 1964, sob a égide do Código Civil de 1916, sendo que força disso o Superior Tribunal de Justiça adotou a mesma orientação, relaciono os seguintes julgados:

REsp. n.º 46203-RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Barros Monteiro; REsp. n.º 14016 –SP, Quinta Turma, Relator Ministro Athos Carneiro; REsp. n.º 184822-SP, Terceira Turma, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito; REsp. n.º 99683 –MT, Terceira Turma, Relator Ministro Eduardo Ribeiro; REsp. n.º 25.304 – SP, Quarta Turma, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar; REsp. n.º 1.964 – RN, Terceira Turma, Relator Ministro Waldemar Zveiter. Precedentes: REsp 466338/PB, 4ª T., Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de DJ 19.12.2003; REsp 651314/PB, 4ª T., Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 09.02.2005; REsp 344583/RJ, 4ª T., Min. Barros Monteiro, DJ de 28.03.2005; REsp 507310/PR, 2ª T., Min. Eliana Calmon DJ de 01.12.2003; (REsp 164932/RS, 3ª. T., Min. Ari Pargendler, DJ de 29.10.2001.

O que sequer obtemperar é que a noção de abuso de direito no Código Civil de 1916, em que se fazia uma leitura a contrario sensu da regra correspondente ao art. 188, I, extraindo-se o seu conceito. Adotava-se, porém, uma concepção subjetiva de abuso de direito em que se exigia a ocorrência de um ato emulativo, praticado com dolo, malícia ou má-fé pelo seu titular, in casu, cobrança de divida já paga.

Ocorre que o Código Civil de 2002, além de positivar o instituto com uma norma específica acolheu a concepção objetiva de abuso de direito. Estabeleceu-se, assim, um conceito autônomo para o abuso de direito como sendo um ato ilícito, superando a concepção subjetiva de abuso de direito do Código Civil de 1916, para adotar uma concepção objetiva, não exigindo um elemento subjetivo específico, bastando um excesso manifesto no exercício desse direito.

Note-se que, enquanto o art. 158 do CC/1916 (atual art. 186, CC/2002), ao enunciar o conceito clássico de ato ilícito, fala em dolo e em culpa, em ato voluntário, negligência ou imprudência, o art. 187 limita-se dizer que também comete ato ilícito quem se excede manifestamente no exercício do seu direito. Nestor Duarte, sob a Coordenação do Ministro do STF aposentado Cesar Peluso, enfatiza que a lei não exige o elemento subjetivo, ou a intenção de prejudicar, para a caracterização do abuso de direito, bastando que seja distorcido o seu exercício5.

Para que o abuso de direito esteja presente, nos termos do que está previsto na atual codificação privada, é importante que tal conduta seja praticada quando a pessoa exceda um direito que possui, atuando em exercício irregular de direito, conforme anotado por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery6.

Arremata Flávio Tartuce que não há que se cogitar o elemento culpa na sua configuração, bastando que a conduta exceda os parametros que constam do art. 187 do Código Civil. Portanto, conforme o entendimento majoritário da doutrina nacional, presente o abuso de direito, a responsabilidade é objetiva, ou independemente de culpa7. Em consonância com este atual entendimento a I Jornada de Direito Civil aprovou o enunciado 37: A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.

Na doutrina de Bruno Miragem esclarece que no Código Civil de 2002, segundo a opção legislativa consagrada fez com que o abuso do direito não se examine, no direito brasileiro, como categoria autonoma, mas com especie de ilicitude objetiva, caracterizada pelo exercicio do direito subjetivo com excesso aos limites impostos pelo fim economico ou social, pela boa-fé, e pelos bons constumes8. Continua o autor a ilicitude objetiva que resulta do art. 187 não é ilicitude genérica, senão espécie prevista em clausula geral, cuja determinação prescinde da caracterizacao do elemento subjetivo (dolo ou culpa)9.

Em convergência ao que foi citado, o Superior Tribunal de Justiça em um caso paradigmático, reconheceu a concepção objetiva do abuso de direito (Resp. n.º 1.114.889 – DF, Terceira Turma, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (30/10/2012)).

Vejamos o pequeno trecho:

Essa norma do art. 187 do CC, ao relacionar o conceito de abuso de direito com os princípios fundamentais do Direito privado, permite, com maior clareza, a concretização desses princípios, estabelecendo efeitos bem perceptíveis para os casos em que são violados. Um exemplo é a boa-fé objetiva que tem sua origem no Direito alemão, fundamentalmente no § 242 do BGB, Código Civil alemão de 1900. A boa-fé objetiva é um modelo de conduta social que se exige do titular de um direito, incluindo o proprietário ou o credor. Deve ele agir como um homem reto, pautado pela honestidade, pela probidade, por um padrão, um standard de conduta ética em todas as relações obrigacionais e em todas as relações contratuais. Há uma preocupação permanente do legislador do Código Civil com a ética, deixando evidente a influência do Prof. Miguel Reale na recepção do instituto.

A propósito o Superior Tribunal de Justiça vem revendo e evoluindo suas decisões no sentido de entender ser desnecessária a comprovação da má-fé do credor, no caso de responsabilidade civil por divida já solvida, aplicando, dessa maneira, o abuso de direito em sua concepção objetiva. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.068.271 - SP (2008/0140299-3) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI – 15/06/2012).

Vejamos o voto:

O Código Civil de 2002 adotou para os negócios bilaterais a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, enquanto regra de comportamento que compreende uma postura respeitosa e povoada de lealdade, não abusiva e nem lesiva, pois nesta trilha culmina com o necessário cumprimento do princípio da socialidade, um dos que orientaram todo o comportamento humano na vida em sociedade. O recorrente também não obedeceu a regra de conduta exigida pelo art. 940 do CC/2002, posto que o dispositivo lhe oportuniza desistir do ato abusivo do ajuizamento e não o fez, ao contrário agiu, segundo o acórdão impugnado com malícia e usou abusivamente o seu direto ao ajuizar a execução de dívida sabidamente que lhe fora integralmente reembolsada pelo IRB.”

Muito embora existam poucas decisões favoráveis sobre a concepção objetiva do abuso de direito, bem como relativo ao pagamento em dobro do valor abusivamente cobrado, o Superior Tribunal de Justiça vem interpretando a penalidade contida no art. 940/CC com respeito ao principio da boa-fé objetiva, da mesma maneira vem quebrando paradigmas no sentido de convergir suas decisões de acordo com a atual ordem civil.

A propósito, na V Jornada de Direito Civil aprovou-se o enunciado 413 com o seguinte teor: “Os bons costumes previstos no art. 187 do CC possuem natureza subjetiva, destinada ao controle da moralidade social de determinada época; e objetiva, para permitir a sindicância da violação dos negócios jurídicos em questões não abrangidas pela função social e pela boa-fé objetiva”.

As decisões majoritárias do STJ de que entendem ser necessária a comprovação da má-fé (elemento subjetivo) foram todas prolatadas em quando sob a égide do CC/1916, porém, quando instado a Corte Superior para interpretar o instituto da responsabilidade civil por divida já solvida em correlação ao conceito atual do instituto do abuso de direito sob a vigência do Código Civil de 2002, entendeu pela prevalência da concepção objetiva da penalidade civil, havendo uma mudança ideológica e jurisprudencial sobre o tema.

Outra discussão doutrinária e jurisprudencial relevante sobre o instituto da responsabilidade civil por divida ja solvida, é relativa a via processual adequada para o devedor postular a penalidade civil.

Carlos Roberto Gonçalves entende que a sanção imposta pelo art. 940 só pode ser pleiteada pelo devedor mediante ação autonôma e reconvenção, não sendo possivel realizar-se mediante Embargos do devedor ou na própria contestação10.

Nessa mesma esteira de pensamento Carlos Alberto Menezes Direito e Sergio Cavalieri Filho, sob a Coordenação do saudoso Sálvio de Figueiredo Teixeira conclui que a melhor posição é aquela que admite a postulação da pena tanto em reconvenção na propria ação de cobrança ilicita, ou por ação posterior11.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu no Agravo Regimental em Agravo 326.119 – MG, Relator Ministro Ari Pargendler que a sanção imposta pelo art. 1.531 (atual art. 940) está sujeita a reconvenção. Porém em sentido contrário e atualmente o STJ manifestou no REsp. nº 661.945 – SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão pela possibilidade demandado utilizar qualquer via processual para pleitear a sua incidência.

Sobre a via processual adequada para a solicitação da penalidade civil é oportuno fazer a seguinte pergunta. Qual rito segue a cobrança indevida? Sabemos que hodiernamente o código procedimental revela-se como marco “pela busca da prestação jurisdicional efetiva e justa”, acerca dos mecanismos dedicados e destinados para aferição à tutela jurisdicional efetiva do direito material, a qual legisla pela eficiência e economia jurisdicional.

Desta forma, identificado o rito que segue a cobrança abusiva do credor deverá o devedor utilizar os mecanismos do procedimento processual provocado. Por exemplo. O credor promove a demanda abusiva pelo rito da Lei 9.099/95 (Juizado Especial), caberá ao devedor utilizar-se do pedido contraposto, calcado no art. 3112, da mencionada lei para a incidência da sanção civil, do art. 940 CC desde que não ultrapasse 40 S.M. Da mesma maneira, se o credor promove ação judicial pelo rito sumário (art. 278, §1º do CPC) o devedor utilizará do mesmo artifício - invocando o pedido contraposto13.

Ora se própria legislação processual nos disponibilizou ferramentas para rebater pedidos abusivos, não seria crível e nem razoável impedir e/ou limitar a postulação da sanção civil decorrente da responsabilidade civil por divida já solvida apenas mediante ação autônoma ou reconvenção14. Isso seria um retrocesso.

De outro canto, se o credor utilizasse o rito executivo de titulo extrajudicial cuja pretensão fosse pleitear seu pedido abusivo (divida já solvida ou não ressalvar o que já recebeu), poderá o devedor mediante embargos à execução solicitar a sanção civil do pagamento em dobro e/ou pedido equivalente, visto que o inciso V15 do art. 745, do CPC vaticina que o executado pode arguir qualquer matéria licita como defesa em processo de conhecimento (Redação mantida pelo art. 873, do NCPC).

Parte da doutrina processual rechaça a possibilidade e/ou admissibilidade da reconvenção nos Embargos à execução16, desdenhando certa similaridade dos embargos com a defesa stricto sensu. Clito Fornaciari Jr.17 arrola como empecilhos à reconvenção nos embargos: a) o procedimento; b) a falta de matéria conexa; c) a falta de interesse processual, pois a reconvenção provocaria óbice ao processo executivo, sendo mais útil ao embargante, credor neste último, veicular seu direito por meio de ação autônoma. Dessarte, de outro lado Jose Rogerio Cruz e Tucci18e Paulo Henrique dos Santos Lucon19, em consonância com a doutrina italiana de Mandrioli20 admitem a possibilidade da reconvenção como matéria defensiva nos embargos, inclusive para criar um título judicial de outro crédito.

Apesar da existência de posições doutrinarias e jurisprudenciais conflitantes sobre a via processual adequada para pleitear a indenização do art. 940 do CC é importante enfatizar que o NCPC caminha no sentido de extinguir o rito sumário, bem como caminha igualmente para a extinção do instituto processual da reconvenção, extinção essa, antevista pela Ministra Fátima Nancy Andrighi quando escreveu artigo em Homenagem a Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, sugerindo a eliminação do instituto da reconvenção e em contrapartida permitindo em todos os processos a existência de pedido contraposto, com o objetivo de evitar a multiplicidade de demandas21.

Desta forma, o art. 32622 do NCPC se mantida sua redação pela Comissão - permitirá como regra geral a possibilidade do réu (devedor) utilizar o mecanismo de pedido contraposto como via processual para pleitear a penalidade civil contida no art. 940 CC, seja mediante defesa em forma de contestação, seja através de embargos à execução ou mediante ação autônoma.

Por fim, o art. 94123 do Código Civil complementa e estabelece como única excludente de ilicitude das penas impostas pelo art. 940 CC um ato unilateral processual do credor, em forma de pedido de desistência da ação, desde que solicitada antes de contestada à lide. Tal arrependimento exercitado pelo credor demonstra sua boa-fé, ou que promoveu a ação em erro e em tempo oportuno volta atrás.

Em harmonia com a lei processual, a redação dada pelo art. 941 CC exige que a desistência seja manifestada antes da contestação (art. 267, VIII, do CPC24). Porém, transcorrido o prazo e apresentado a resposta pelo réu, o pedido de desistência irá depender da concordância do demandado, consoante estabelece o §4º do mesmo artigo processual, passando o ato ser bilateral25. Destarte, havida a desistência posterior a defesa já apresentada, não afastara a incidência das sanções impostas pelo art. 940 CC, acerca do conceito atual do instituto do abuso de direito acima suscitado.

Posto em debate as posições doutrinarias e jurisprudenciais sobre a responsabilidade civil por divida já solvida, tangencialmente sobre a comprovação ou não da má-fé para a aplicação da sanção civil na forma dobrada e/ou equivalente, bem como qual seria a via processual adequada para pleitear a respectiva responsabilização civil, fica o seguinte registro:

O Superior Tribunal Justiça vem adaptando suas decisões sob o novo prisma conceitual do abuso de direito (art. 187/CC 2002), superando a concepção subjetiva do instituto previsto no Código Civil de 1916, para adotar uma concepção objetiva, não exigindo o elemento subjetivo específico da comprovação da má-fé nos casos de responsabilidade civil por divida já solvida, bastando um excesso manifesto no exercício desse direito para o recebimento da indenização decorrente do art. 940.

E em relação à possibilidade do demandado utilizar qualquer via processual para pleitear a sua incidência civil do art. 940, devemos ter em mente que não se pode retroceder estrangulando o sistema processual civil atual, pelo contrário, é flagrante a intenção da celeridade procedimental e sua economia, para fornecer ao demandante uma segurança jurídica apta à preservação do seu direito objeto de litígio, permitindo ao devedor demandado abusivamente rebater o excesso do pedido, seja qual for rito e/ou procedimento escolhido, ressalvando a aplicabilidade da indenização quando da ocorrência do pedido de desistência formulado pelo credor, antes de contestada a lide, como sendo a única excludente de ilicitude no caso de responsabilidade civil por divida já solvida.


1 Código Civil Comentado. Coodernador Ministro Cesar Peluso. 2012. 6ª Edição. Pg. 943.


2 Instituições de Direito Civil, Forense, 1961, vol. I, pg. 472.


3 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.


4 Comentários ao Novo Código Civil, da Responsabilidade civil e Privilégios Creditórios, Editora Forense, 2011, pg. 338, volume XIII, Coordenador Salvio de Figueiredo Teixeira.


5 Ob. Cit. pg. 139.


6 Nery Jr, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado, 2ª ed. São Paulo, 2003, pg 255.


7 Tartuce, Flavio. Manual de Direito Civil. 3ª ed. São Paulo, 2013, pg. 429.


8 Miragem, Bruno. Abuso do direito. Ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no Direito Privado. 2ª Ed. 2013, pg. 111.


9 Ob. Cit. pg. 112.


10 Carlos Roberto Gonçalves, em sua Obra Responsabilidade Civil, de acordo com o Novo Código Civil (Lei. 10.406/2002), São Paulo: Saraiva, Nona Edição, 2006, pg. 54/55.


11 Ob. Cit. pg. 340/341.


12 Art. 31. Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia.


13 Art. 278 - Não obtida à conciliação, oferecerá o réu, na própria audiência, resposta escrita ou oral, acompanhada de documentos e rol de testemunhas e, se requerer perícia, formulará seus quesitos desde logo, podendo indicar assistente técnico.§ 1º - É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, desde que fundado nos mesmos fatos referidos na inicial.


14 Verifica-se, que o art. 31 da Lei 9.099/95 não admite a reconvenção apenas o pedido contraposto.


15 Art. 745 - Nos embargos, poderá o executado alegar: V - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.


16 Castro, Jose Antonio de. Execução no Código de Processo Civil. 3 ed. São Paulo, 1983, n. 341, pg. 471. Beltrame, Jose Alonso. Dos embargos do Devedor. 2 ed. São Paulo. 1983, n. 53, pg, 66.


17 Fornaciari Jr., Clito. Da reconvenção no direito processual civil brasileiro. 2 ed. São Paulo, 1983, pg. 78.


18 Cruz e Tucci, Jose Rogério. Da reconvenção. São Paulo, 1984, n. 5.7.2, pg. 72.


19 Lucon, Paulo Henrique dos Santos. Embargos à execução. São Paulo. 1996, n. 110, pg.269.


20 Mandrioli, Crisanto. “Opposiozione all’esecuzione e agli atti esecutivi. Milão: Giuffre, 1980, v 30, n. 9, pg. 449.


21 Os Poderes do Juiz e o Controle das Decisões Judiciais. Estudos em Homenagem a Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. Coordenação Jose Miguel Garcia Medina. São Paulo. 2008. pg. 197.


22 Art. 326. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido contraposto para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa, hipótese em que o autor será intimado, na pessoa do seu advogado, para responder a ele no prazo de quinze dias.


23 Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.


24 CPC. Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: Vlll - quando o autor desistir da ação.


25 CPC. Art. 267, §4o Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.

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Mauricio de Freitas Silveira
Maurício de Freitas Silveira – Advogado em Clevelândia, Sudoeste do Paraná – Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Unisul/SC e Inovações ao Direito Civil e seus Instrumentos de Tutela – Uniderp/MS. Membro da Comissão de...
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