Por que punir? Breves considerações acerca da finalidade punitiva e da eficácia da nossa lei de execuções penais

Por que punir? Breves considerações acerca da finalidade punitiva e da eficácia da nossa lei de execuções penais

O que punir? A quem punir? Por que punir hoje? Como tem sido o tratamento dado pelo Direito Penal à realidade econômica e cultural do mundo globalizado? Por fim são feitas correlações entre o o tema central das questões ora abordadas e a eficácia da nossa Lei de Execuções Penais.

O Direito Penal possui características específicas que o tornam um caso exemplar para o pensamento jurídico. Uma dessas características que podemos dizer está exacerbada na modernidade, é a presença do tipo penal, ou seja, de um conceito de crime apto a possibilitar o julgador e o agente distinguirem no caso concreto se ocorreu um caso daquele tipo. A segunda característica é o uso da noção do que seja crime e delito para guiar a ação.

Estas características delineadas estão dispostas no mesmo centro do pensamento jurídico e levam freqüentemente ao centro da discussão filosófica prática moral e Filosofia do Direito. A primeira delas se refere à capacidade de julgar e à própria definição de Direito, da prática de aplicar uma regra de caráter universal, resumindo a capacidade de seguir determinada regra. A segunda característica infere que o conceito de bem ou mal pode ser algo diferente do simples gosto, do simples prazer ou desprazer social, do apetite, do nojo. A partir permite-se questionar: o que se proíbe é bom? Por que proibir? Concluísse que se delibera portanto em detrimento de um bem, ou de uma finalidade, se assim preferirmos. Mas torna-se necessário ter consciência dessa finalidade, ou seja desse bem, para que possa torna-se possível qualquer deliberação.

A partir das discussões levantadas e das características enfocadas é que se questiona a finalidade punitiva, ao tempo que se argúi se haveria alguma noção de bem ou de mal a ser incluída nas políticas penais? Quais os males a evitar, quais os bens a perseguir, quais ações ou atividades a punir? Continuamos a punir? Continuamos tendo necessidade de punir

A FINALIDADE PUNITIVA AO LONGO DOS SÉCULOS

No século XVIII o Direito Penal desempenhou papel deveras importante no sentido de definir e sustentar a ordem social da época se constituindo como uma teoria à luz do Estado, como entidade forte.

Nessa época as concepções de Helvétius e de Hume foram de fundamental importância, pois estabeleceram o princípio utilitarista aplicado ao Direito, permitido a vinculação do prazer/dor à quantificação. Quantificação do que e por quê? Quantificação do crime e pena a ser aplicada. O que permite essa aplicação da pena? O que a sustenta? A teoria do Estado. Teoria essa alicerçada nas bases do contrato social, desenvolvida por Hobbes, Montesquieu, Locke e consumada por Rosseau. Esses pensadores relacionavam a idéia de liberdade do indivíduo, originária da cultura jusnaturalista, com a necessidade convivência coletiva em sociedade.

Nesse contexto surge a teoria de Cesare Becaria precursor da humanização das penas com objetivo de abonar essa nova ordem social, autenticando o direito punitivo na cessão de parcela mínima de liberdade que os indivíduos outorgam ao soberano, para sair do estado natural, onde há guerra de todos contra todos, e conviverem em estado de harmonia. Ou seja, o direito de punir é do soberano e dos cidadãos.

Nasce assim a Teoria do Direito Penal Moderno que, na Europa continental, servirá de modelo para as codificações vindouras.

A punição é justificada como ferramenta primordial para manutenção da paz social. Conceituando delito como sendo aquelas ações que podem perturbar a harmonia social, e estabelecendo que este delito deve ser reprimido com a premissa de que o homem não volte ao estado de guerra. A partir deste ponto o delito já não era o que a religião considerava como pecado e o que a moral considerava como vício.

Nesse contexto, a punição passou a desempenhar dois relevantes papéis: prevenir ações que perturbam a paz social e limitar o arbítrio do Estado na aplicação da penas.

A pena cumpre sua função de prevenção e é considerada justa ao tempo que passa a ser fundada no critério da proporcionalidade, fundada na prevenção da ocorrência de novos delitos, que propicia criar uma racionalidade no sistema penal, onde o maior delito seria aquele que pudesse causar tal dano à paz social.

Os castigos corporais, os suplícios, a tortura e a pena de morte passaram a serem repudiadas como forma de aplicação da pena e como forma de obtenção da verdade. A pena passou a assumir o papel de impor limites ao arbítrio judicial na sua aplicação.

As leis penais passaram a ter caráter simples e serem essencialmente claras para que todos pudessem ter conhecimento do seu conteúdo, e conseqüentemente estarem habilitados a realizarem um cálculo prévio entra a prática delitiva e apenas a ser aplicada.

No século XIX, o surgimento do capitalismo como forma de produção dominante da origem à Revolução Industrial, que tem início na Inglaterra a partir de 1760, também irá buscar a fundamentação de uma ordem legal que contemple a segurança das relações comerciais.

Bentahm surge com a propositura de uma teoria legal que objetiva alicerçar essa nova perspectiva socioeconômica. O intuito da lei passa a ser promover a maior felicidade, punindo os atos perniciosos e premiando aqueles que estimulem essa felicidade.

Nesse contexto, a lei penal passa atender um objetivo principal que é o de promover a maior segurança da sociedade, possibilitando assim a maior felicidade da maioria das pessoas e punindo todos os atos que possam colocar em risco essa felicidade.

A punição passa a assumir um caráter preventivo, ao passo em que visa a transmitir a mensagem de que quem praticar um delito será punido.

Bentham propõe então critérios para que o legislador da época possa realizar o cálculo entre o delito e a pena. A mensuração proposta é a utilidade: evitar ações que perturbem a segurança, sendo que quando elas ocorram, realizar a quantificação do dano e aplicar a penalidade proporcional.

Seguindo as idéias do pensamento de Bentam a pena restritiva de liberdade seria a mais adequada para que se cumprisse o papel de reforma do réu e um exemplo para que outros não viessem a futuramente cometer delitos, e uma espécie de ressarcimento da parte lesada. Bentahm propõe finalmente o Panopticon como modelo ideal para a execução da pena privativa de liberdade, em que o trabalho assumirá função central como forma de reformar o réu e torná-lo útil à sociedade e conseqüentemente permitido total acompanhamento do indivíduo preso, de maneira que esse cumpra a pena nos moldes definidos pelo Estado.

A FINALIDADE PUNITIVAS NOS DIAS ATUAIS

O século XX e o começo do século XXI emergem como a oportunidade limite para que possamos promover uma revitalização uma reengenharia um grande debate em detrimento das novas questões e realidades colocadas pela sociedade contemporânea globalizada.

Nesse contexto surge a teoria denominada de garantismo penal, que propõe um modelo penal que tem como fim a limitação do poder punitivo estatal.

Por essa teoria o Direito penal é concebido como uma ferramenta de controle de conflitos sociais, que se constitui também como instrumento capaz de proteger os direitos fundamentais de todo e qualquer ser humano, tutelando tanto os que não cometeram delitos, como aqueles que cometeram, ao evitar a aplicação de penas injustas e arbitrárias.

As constituições dos países que aderiram ao Estado Democrático de Direito contemplam os direitos fundamentais. Os documentos e organismos internacionais fornecem uma limitação ao poder estatal que é benéfica ao impor a efetivação das garantias liberais e sociais previstas nesses documentos por parte do Estado e que é maléfica ao limitar que só o Estado incumbe legislar quais s bens jurídicos devem ser protegidos pelo Direito Penal, sendo o único legitimado para impor uma punição àquele que cometeu um delito.

A sociedade atual é caracterizada pelo risco e pela globalização, que estão presentes nos anseios da pessoas e do Estado, quando questões inerentes à justiça e suas ramificações são postas, suscitando um enfrentamento rápido e eficaz, soberano e forte por parte do Estado.

Em outra esfera a complexidade da sociedade atual torna frouxos os limites do Estado e expandem ações internacionais que penetram na vida das pessoas.

Por outro lado, estamos todos expostos à violência que coloca em risco a nossa segurança, isto é, a observância dos direitos fundamentais.

Valores como eficiência e funcionalismo são a todo tempo utilizados como forma de tornar obscuro o discurso de um Direito Penal alicerçado no modelo de democracia contextual em que as instituições e práticas sociais estão voltadas á efetividade dos direitos fundamentais.

Há hoje uma imposição de um controle penal social com a aplicação de penas mais duras e sendo assim com o aumento do encarceramento, ocorre o aumento da segregação penal daqueles que são sujeitos excluídos da economia globalizada.

Vivemos o surgimento e o enfrentamento de uma nova espécie de criminalidade que tem caráter transnacional, como o tráfico internacional de drogas, de armas e de pessoas, de órgãos e de corrupção e lavagem de dinheiro. Além daqueles crimes praticados contra humanidade, seja pelos governos tiranos ou pelas guerras civis ou entre nações.

O enfrentamento dessa nova criminalidade deve ser feito através da criação de legislações internacionais e da assinatura de tratados nessa magnitude e de outras soluções que contemplem a participação das administrações nacionais.

A teoria funcionalista explana de maneira diferente o papel que o direito penal deve exercer na sociedade. Ela parte da análise da proteção penal para os novos riscos decorrentes das atividades altamente tecnológicas, que podem colocar em risco a própria vida no nosso planeta. Sendo assim,a partir daqueles valores colocados em uma determinada sociedade, os legisladores estarão aptos a analisar quais aqueles riscos que devem ou não ser tutelados pelo Direito Penal, de maneira que possibilitem ao sistema penal uma maior habilidade na solução de problemas atuais.

Nessa perspectiva passam a ser contempladas pela legislação penal, novos bens jurídicos a serem tutelados como por exemplo: o meio ambiente, a saúde pública, as atividades econômicas.

É imperativa a necessidade da edição de novas leis que possam regular atividades que antes só eram evidenciadas e regradas em caráter administrativo. Leis que possam prevenir e coibir os Crimes Penais de risco.

Para a teoria funcionalista o fundamento da punição é a sua função enquanto ferramenta preventiva de delitos e com cunho pacificador de conflitos sociais, que integrem o autor do crime à sociedade. Por outro lado a punição vista desta ótica passa assumir um caráter pedagógico que visa poder evitar possíveis danos no futuro.

No palco moderno a punição estava ligada ao dano causado pelo crime que ocorreu no momento passado. No Direito Penal do risco, a punição se projeta para um possível fato futuro, cuja previsão se estende para ações que poderiam causar risco ao planeta e a para a organização atual.

Aquele comente o delito deixa de ser analisado individualmente passando a ser considerado o contexto social em que as pessoas podem se tornar delinqüentes, mesmo que praticando ações de caráter lícito, mas que possam levar perigo.

A FINALIDADE PUNITIVA NA NOSSA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS.

Em 1984 o Brasil aprovou a Lei Federal 7.210 (LEI DE EXECUÇÕES PENAIS), que contempla em sua letra a reintegração social como uma forma da finalidade punitiva, estabelecendo regras claras e bem definidas para o cumprimento desse fim.

Desde a entrada em vigor da Lei 7.210, todos aqueles condenados a uma pena privativa de liberdade, dentro da prisão, deveriam em tese serem tratados com dignidade, ao tempo que se ofereceria ao criminoso as maneiras necessários para este fim, como por exemplo: saúde, educação, reaproximação familiar, profissionalização e tratamento humano, condições estas sem as quais a reincidência criminal será sempre crescente. A realidade na prática, como sabemos, é bem diferente da letra da lei. Os almejados ideais de uma pena de ressocialização do apenado, que viessem a propiciar mudança no seu comportamento moral e segurança pública, tornam-se praticamente irrealizáveis. E se afirma isso porque o sistema punitivo brasileiro é materializado através de dois extremos opostos: pelo desrespeito aos mais elementares direitos da pessoa humana, ou, então, pela não punição pura e simples dos atos criminosos. Nos dois casos, estamos diante da falência do sistema punitivo, de sua possível função social e a consagração da ineficácia do sistema e da impunidade.

A Lei 10.792/03, que introduziu alterações na 7.210/84, apresenta um endurecimento de regime, que trouxe à letra da lei indiscutível retrocesso no aspecto criminológico, por outro lado apresenta alguns avanços no sentido de adequação constitucional que podem resultar em sua maior racionalidade como também na sua maior eficácia.

A reforma na Lei de Execuções Penais é lastreada na jurisdicionalização, pelo menos no tocante a essa nova medida que introduziu ao sistema; a inclusão de condenado ou preso provisório no regime criado depende de requerimento motivado do diretor do estabelecimento, seguindo-se as manifestações do Ministério Público e da Defesa, e, só depois delas, a decisão judicial.

Entretanto, ainda persiste o sistema de "jurisdição sem ação", ou seja, que não se compatibiliza com o texto constitucional, quanto ao aspecto relativo ao sistema acusatório. O sistema ainda se pauta pelo procedimento ex-ofício, porquanto dependente a iniciativa apenas de simples representação da autoridade administrativa, que sem possuir a capacidade postulatória, dirige-se diretamente ao juízo da execução.

O princípio da humanidade é adotado constitucionalmente, envolvendo não apenas o Direito Penal, como também o Direito da Execução Penal. Basta olharmos para o art. 5º da nossa Carta Magna em seus incisos XLVII, XLVII e XLIX.

A Lei de Execuções Penais segue os passos dados pelo texto constitucional, mas como dissemos nas linhas acima, na prática é tudo bem diferente, pois o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas últimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial a privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autênticas masmorras, bem distantes do respeito à integridade física e moral dos presos, ou seja direito constitucionalmente imposto.

CONCLUSÃO

O Direito Penal legítimo é aquele que representa um limite máximo do poder punitivo do Estado. Este modelo deve estar em harmonia com um Estado e uma sociedade civil que promovam políticas públicas e particulares, no sentido de propiciar a minimização das desigualdades sociais e possibilitar o favorecimento da edificação da cidadania, em que sejam garantidos os seus direitos fundamentais à subsistência, à vida, à saúde, à educação.

Verifica-se hoje que o estado nem sempre promove estas políticas. Por outro lado cresce na sociedade civil o número de organizações não governamentais que vem lutando pela promoção da cidadania.

Os governos precisam se libertar nos modelos neoliberais que tentam abolir os programas sociais e as políticas públicas de auxílios aos excluídos. Se isso não acontecer poderá haver uma segregação dos excluídos do mercado e das atividades de produção.

Os problemas elencados em uma sociedade de risco não devem ser tratados no âmbito do Direito Penal. Devem ser criados instrumentos normativos transnacionais que possibilitem à comunidade internacional tratar desses problemas. Devem ser portanto fortalecidas os documentos globais, os tratados as convenções internacionais e os órgãos internacionais como a ONU – Organização das Nações Unidas.

REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. DOS DELITOS E DAS PENAS – tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2002.

BICUDO, Tatiana Vigioni. Por que punir? Teoria geral da pena. S/ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5.ed. rev., atual. e ampl.3.tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

Sobre o(a) autor(a)
Richard Eduard dos Santos
Acadêmico do 10º período do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (Faculdade AGES)
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