Exames de DNA: Quando a Justiça deve solicitar nova análise?

Exames de DNA: Quando a Justiça deve solicitar nova análise?

Não há crime perfeito. Esta tão badalada frase representa uma verdade que ficou ainda mais evidente com o emprego investigativo da genética. O artigo aborda pontos importantes das perícias em DNA.

1. Introdução

Não há crime perfeito. Esta tão badalada frase representa uma verdade que ficou ainda mais evidente com o emprego investigativo da genética. A genética forense é o ramo da biologia que utiliza técnicas de biologia molecular para determinar o perfil genético de amostras. As primeiras aplicações desta nova área ocorreram na década de 1980, no Reino Unido. Desde então, tais metodologias se espalharam por praticamente todo o mundo (JEFFREYS et al. 1985a, b). Contudo, as técnicas empregadas variam de acordo com o avanço tecnológico de cada região do globo ou disponibilidade de recursos do laboratório (SMARRA et al., 2006a). No Brasil, existem dezenas de laboratórios que realizam tais exames, não havendo na rede privada uma padronização absoluta de métodos. A disputa do mercado levou a queda significativa nos preços dos exames e, no momento, diversos laboratórios buscam a qualidade total, com serviços “Classe Mundial”, reduzindo prazos, variando as formas de coleta oferecidas e especializando suas equipes (SMARRA et al., 2006a, b; PARADELA e FIGUEIREDO, 2009).

2. A apresentação judicial do exame

Deve-se ter em mente, sempre que se tratar de um caso envolvendo exames de DNA, seja na área criminal ou em investigação de vínculo genético, a seguinte questão: a(s) evidência(s) deve(m) ser novamente analisada(s)? Os aspectos mais críticos desta reflexão incluem: (1) os dados oferecem suporte às conclusões? (2) as conclusões apresentadas estão em concordância com outras informações sobre o caso? Para responder a estas perguntas, faz-se mister revisar o laudo pericial, investigar se todos os procedimentos para garantia da qualidade foram executados (ou seja, averiguar a validade científica do exame) e verificar se os técnicos responsáveis são qualificados para este tipo de perícia científica (MELGAÇO et al., 2007). De acordo com o resultado desta revisão, pode-se recomendar uma análise independente das amostras.

As situações onde se discute a possibilidade de nova análise estão relacionadas à verificação de investigação científica inapropriada pelo laboratório responsável ou à necessidade da utilização de marcadores genéticos adicionais para a obtenção de índices estatísticos aceitáveis. A apresentação nos tribunais dos resultados de um exame de DNA usualmente está acompanhada de afirmações baseadas na análise estatística dos resultados, como por exemplo: “a probabilidade de acharmos esse perfil genético em um homem aleatoriamente indicado na população local é de 1 em um milhão...” (WEIR, 1996). Em regra, quanto maior o número e o grau de polimorfismo dos marcadores usados, mais impactante será a assertiva estatística.
Em um laudo judicial, todas as etapas empreendidas para a tipagem do DNA - desde a coleta até a interpretação do significado estatístico dos dados obtidos - serão consubstanciadas em uma peça pericial escrita que servirá aos interesses de seus leitores. Em instância final, o laudo poderá ainda servir como elemento de convicção para juízes, promotores e advogados nas ações penais e de família (FIGUEIREDO e PARADELA, 2007).

3. Considerações gerais sobre o uso forense das tipagens de DNA

Vale destacar que o fato de duas ou mais amostras terem o mesmo perfil para um grupo de marcadores genéticos em especial não significa, obrigatoriamente, que elas possuam a mesma origem (mesmo doador). Quando a tipagem genética de amostras é igual, torna-se necessário expressar numericamente a significância deste evento. O número de marcadores empregados, a presença de subestruturas na população e a mistura de amostras podem interferir nos resultados. A expressão estatística dos resultados deve basear-se na presença ou não de misturas de material biológico, como é freqüentemente observado, por exemplo, em casos de abuso sexual (MELGAÇO et al., 2007).

Uma questão fundamental no uso do DNA como evidência é a validação científica dos métodos de análise. Em outras palavras, é preciso ter garantias científicas de que os testes podem inequivocamente identificar inclusões e exclusões para cada marcador genético utilizado. Inicialmente, a credibilidade dos testes deve partir da natureza das amostras biológicas utilizadas. Com freqüência, as amostras são encontradas em superfícies não-estéreis, podendo sofrer danos após contato com a luz solar, microorganismos e solventes. Existem procedimentos que podem minimizar a ação destes fatores de degradação do DNA.

Entretanto, muitos cuidados devem ser tomados para evitar equívocos na interpretação. A amplificação pela PCR (reação em cadeia da polimerase), que é largamente empregada nas tipagens genéticas, pode produzir falhas e artefatos quando a qualidade do material biológico está comprometida. As amostras parcialmente degradadas podem proporcionar, por exemplo, a amplificação preferencial de alelos e o surgimento das bandas fantasmas (“stutter bands”). No primeiro caso, tem-se a amplificação de um alelo em detrimento do outro. Isto pode gerar a falsa impressão de se tratar de um indivíduo homozigoto ao invés de heterozigoto para o locus em estudo. Já as bandas fantasmas decorrem de falhas no processo que geram bandas com uma unidade de repetição a menos que a do alelo original. Deste modo, pode-se interpretar equivocadamente o resultado como um falso heterozigoto ou identificar um alelo erroneamente.

4. Discussão

Um artigo recente, publicado em revista científica especializada, reporta a “inclusão” de dois homens na qualidade de pai biológico de uma mesma criança (GONZÁLES-ANDRADE e colaboradores, 2009). Outros exemplos de erros técnicos e/ou interpretativos são apresentados em trabalho de MELGAÇO et al., 2007. Tais questões levantam debate sobre a importância de se contar com um especialista para verificar os exames forenses de DNA.

Há ainda situações em que as circunstâncias aumentam o grau de dificuldade do exame. A ausência do suposto progenitor masculino (Suposto Pai (SP)) em uma investigação de paternidade, por exemplo, faz com que sejam buscadas estratégias investigativas especiais para a reconstituição do perfil genético do SP. Os resultados dessa perícia dependem do sucesso na reconstituição dos genótipos da pessoa morta ou ausente. O grau de confiança do resultado dependerá do número de indivíduos analisados, dos vínculos genéticos que mantêm entre si e em relação à pessoa falecida/ausente, e da quantidade de loci analisados (vide: http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=teste-de-paternidade-DNA-dispensa-material-genetico-do-pai. Extraído em 08/09/2010).

Em diversas ocasiões o laudo pericial representa um fator de peso na convicção dos juízes e a busca da verdade inconteste deve ser a regra.

5. Conclusões

Na atualidade, existem tecnologias com capacidade para evitar erros como os supracitados. Contudo, os equipamentos são caros e o número de técnicos capacitados no Brasil ainda é limitado, diante da quantidade de casos operados. Outro fator importante é a reprodutibilidade dos testes. Em Ciência, é preciso que os resultados sejam passíveis de reprodução para que sejam aceitos como verdade científica. No campo forense, não é incomum
a necessidade de repetição das tipagens. Isto pode encarecer o processo, mas não deve ser descartado, principalmente quando o que está sob suspeita é o teste em si.

Para as análises de DNA, diversos quesitos podem ser postulados para a interpretação dos dados, incluindo-se neste ponto a escolha e o uso apropriado das técnicas; as supracitadas freqüências populacionais empregadas para os cálculos e o tipo de análise estatística empregada; os controles de qualidade adotados; a documentação dos procedimentos; a qualidade dos equipamentos e reagentes utilizados e a capacitação técnica dos profissionais envolvidos.

É cabível a advogados, juízes e a comunidade científica estar atentos ao fato de que os testes absolutamente não são infalíveis, como ocorre com qualquer outra atividade humana. Deve-se implementar na rede privada brasileira, conforme já ocorre em outros países, rigorosos padrões de qualidade para garantir a credibilidade de tão importante ferramenta.

Em adição, na busca do aumento da confiabilidade dos testes genéticos é possível solicitar os sserviço de contra-perícia e assistência de perícia para qualquer uma das partes envolvidas, além do trabalho a ser realizado pelo perito do juízo. Estes serviços são rotineiramente oferecidos, tanto para acompanhamento da coleta, da análise propriamente dita e do laudo feito por outro laboratório, quanto para contra-prova das mesmas amostras colhidas para o teste, sendo necessário que a parte interessada contrate o perito assistente antes da coleta, para este fim determinado.

6. Referências Bibliográficas

Figueiredo ALS, Paradela ER. Bancos de dados de DNA: Uma ferramenta investigativa útil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 32, 31/08/2006 [Internet]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br. Acesso em 26/09/2010.
González-Andrade F, Sánchez D, Penacino G, Jarreta BM. Two fathers for the same child: A deficient paternity case of false inclusion with autosomic STRs. Forensic Science International: Genetics. Volume 3, Issue 2, 2009.
Jeffreys AJ, Wilson V and Thein SL Hypervariable 'minisatellite' regions in human DNA. Nature. 1985a 314: 67-73.
Jeffreys AJ, Wilson V, Thein SL. Individual-specific 'fingerprints' of human DNA. Nature. 316 (6023): 76-9. 1985b.
Melgaço MCP. DNA e Paternidade: "Falsa Exclusão". Revista de Direito da Defensoria. 12. 1998.
Melgaço MCPP, Figueiredo ALS, Paradela ER. Perícias em DNA: a coisa certa pode ser feita de forma errada? Um estudo de caso hipotético. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1509, 19 ago. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10285>. Acesso em: 15 set. 2010.
Paradela ER, Figueiredo ALS. O Seis Sigma como estratégia para a melhoria da qualidade e da lucratividade em laboratórios de genética forense – A importância do índice de paternidade / razão de verossimilhança para a credibilidade do testes de DNA. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 70, 01/11/2009 [Internet]. http://www.ambito-juridico.com.br. Acesso em 26/09/2010.
Smarra ALS, Figueiredo ALS, Paradela ER. A Confiabilidade dos Testes de DNA. Revista Consultor Jurídico. 2006a. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/45325,1. ISSN 1809-2829.
Smarra ALS, Paradela ER, Figueiredo ALS. A Genética Forense no Brasil. Scientific American Brasil. 2006b. 51:83.
Weir BS. Genetic Data Analysis II. Sinauer Associates Ed. Sunderland, MA, US, 1996.

Sobre o(a) autor(a)
Eduardo Ribeiro Paradela
www.dnaforense.com
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