Negativação nominal dos cônjuges e dos sócios das sociedades limitadas
Visa demonstrar que é ilegal a negativação nominal dos cônjuges, bem como dos sócio das sociedades limitadas, sem a apreciação do Poder Judiciário, mesmo que as sociedades não tenham adimplido suas obrigações comerciais.
Introdução
A negativação nominal dos sócios e de seus cônjuges possuidores das sociedades limitadas tem se tornado uma prática comum no meio comercial quando está se encontra devedora.
Contudo antes de se tomar qualquer medida, o credor deve observar as regras que orientam as relações empresariais, pois existem um conjunto de regramentos que permitem ou vedam tais atitudes.
Delimitando o presente estudo, analisaremos apenas possibilidade de negativação nominal dos sócios e de seus cônjuges nas sociedades limitadas.
1- Da responsabilidade civil dos sóciosEm regra, as sociedades limitadas respondem, aos compromissos sociais assumidos com a plenitude de seu patrimônio.
Os seus sócios têm, contudo, responsabilidade solidária, de tal sorte que serão chamados para solver os débitos sociais, até o limite da integralização do capital social, desde que caracterizada a insolvência da empresa.
Art. 1.052 Código Civil. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Desta maneira, quando a empresa estiver constituída sob a característica de "responsabilidade limitada’, o eventual credor das obrigações deve apenas levar em consideração que a garantia de recebimento dos seus créditos está limitada ao valor do capital social dela, haja vista que a responsabilidade dos sócios é limitada apenas a sua integralização.
Em ocorrendo a inadimplência da empresa, a responsabilidade individual de cada sócio estende-se, solidariamente, à plena integralização das cotas subscritas pelos outros sócios que, eventualmente, estejam em mora perante a sociedade. Porém, ainda assim, a garantia que se pode proporcionar aos credores não ultrapassa ao montante contabilizado do ‘Capital Social’. (ZANOTI, 2007)
Se o capital já houver sido integralizado, isto é, se todas as cotas estiverem inteiramente liberadas, nenhum cotista, como tal, poderá ser compelido a fazer qualquer prestação. Nada deve ele, nem à sociedade, nem aos credores dela, cuja garantia repousa exclusivamente (como na anônima) sobre o patrimônio social. (ZANOTI, apud, BORGES, 1967, p. 321)
Tão logo, o patrimônio pessoal dos sócios, muito menos o pessoal de seus cônjuges, não respondem pelas obrigações contraídas pela empresa no exercício de suas atribuições.
Vejamos o artigo 50 do Código Civil.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (G.n)
Quando analisamos o caso em tela, verificamos que nenhum dos critérios arrolados no art. 50 CC são preenchidos, pois não houve abuso de direito de personalidade, não houve desvio de finalidade, muito menos confusão patrimonial.
Distante o não preenchimento dos critérios, também podemos observar que a desconsideração da personalidade jurídica é uma faculdade do Magistrado, desde que requerida pela parte ou pelo Ministério Público quando couber intervir no processo.
Portanto é nítida a supressão do Poder judiciário, ao passo que tal atitude é totalmente contra a legislação brasileira.
2- Da inconstitucionalidade do ato.A Constituição da República de 1988, em seu artigo 5
º inciso XXXV, prescreve que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito.
Contudo como podemos verificar nos casos do cotidiano, não é isso que temos visto.
Pois logo que detectado o suposto não pagamento do débito, os credores logo negativam os nomes dos sócios, bem como de seus cônjuges, independentemente de qualquer análise do Poder Judiciário.
Ampliando a visão constitucional, podemos alegar embasando-nos no inciso LIV do mesmo artigo, que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal.
Estendendo o pensamento, o devido processo legal deve vir acompanhado das demais garantias constitucionais processuais, como a ampla defesa e o contraditório.
Não distante as garantias processuais constitucionais, pensamos que a negativação nominal constitui uma espécie de punição privada, caracterizando autotutela.
Contudo, no ordenamento jurídico pátrio é vedada a autotutela, ressalvadas algumas exceções.
Aprofundando ainda mais em ambiente constitucional, encontramos as seguintes garantias:
Artigo 5º [...]
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Assim a negativação nominal significa a privação da possibilidade de aquisição de novos créditos e constituição de novas relações comerciais.
Bem sabemos que em nossa sociedade quem possui o nome “sujo da praça” sofre enumeras sanções, pois quando se encontram em tal situação a sociedade em geral olha o “negativado” como pessoa incapaz de honrar seus compromissos, assim passam a negar todas as possibilidades de transações comerciais
Portanto em nosso entendimento, para que possa haver a negativação nominal da empresa ou mesmo qualquer pessoa física, deve existir a prévia apreciação do Poder Judiciário, sob pena de agressão dos dispositivos contidos nos incisos LIII e LIV do artigo 5º da Constituição da República.
Desta maneira, podemos observar que os credores não costumam vislumbrar nenhuma destas garantias, ocasionando danos imensuráveis às empresas, seus sócios e até mesmo a seus cônjuges.
3- Da responsabilidade CivilÉ possível alcançar o entendimento de que quem sofra algum dano ao seu patrimônio, seja moral ou material, deverá ser ressarcido, assim verificando o restabelecimento ou a amenização dos prejuízos auferidos pela vítima.(CEZAR, 2010)
A palavra responsabilidade tem sua origem na raiz latina spondeo, pela qual se vincula o devedor, solenemente, nos contratos verbais do direito romano. Dentre as várias acepções existentes, algumas fundadas na doutrina do livre-arbítrio, outras em motivações psicológicas, destaca-se a noção de responsabilidade como aspecto da realidade social.
Toda realidade que acarreta prejuízo traz em seu bojo como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui fonte geradora de responsabilidade civil.
Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de restauração de dano. (GONÇALVES, 2010, p.19)
Hodiernamente, no Brasil encontramos dispositivos regulando a responsabilidade civil a partir dos artigos 927 do Código Civil, que diz: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Diante do artigo referido acima, fica novamente demonstrado que a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo, haja vista que emerge logo após o descumprimento de uma obrigação, ou seja, descumprimento do dever de não infringir um direito.
Ao se referir a atos ilícitos, Rui Stoco, tece severa crítica ao legislador quando aludi ao artigo 186 do Código Civil, dizendo que este cometeu um erro grave ao estipular que só comete ato ilícito quem viola direito e causa dano.
É que só a violação do direito já causa ato ilícito, independentemente de ter ocorrido dano. Ou seja, o ato ilícito é aquele praticado com infração de um dever legal ou contratual.
Violar direito é cometer ato ilícito. A ilicitude está só na transgressão da norma.
[...]
O equívoco é manifesto, pois, como afirmado no item precedente, pode-se praticar um ato ilícito sem repercussão indenizatória, caso não se verifique como conseqüência, a ocorrência de um dano. (STOCO, 2004, p. 124)
Carlos Roberto Gonçalves ao citar Enneccerus conceitua o dano sendo, “toda desvantagem que experimentamos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição)” acrescentando posteriormente: “Como, via de regra, a obrigação de indenizar se limita ao dano patrimonial, a palavra “dano” se emprega correntemente na linguagem jurídica, no sentido patrimonial”. (ENNECCERUS, apud GONÇALVES, 2010, p.355)
Segundo Gonçalves, o dano pode ser analisado em sentido amplo ou em sentido estrito. O primeiro seria visto como a lesão a qualquer bem jurídico, incluindo-se o dano moral. Já o segundo, seria a lesão ao conjunto de relações jurídicas de uma pessoa, que é possível a apreciação em dinheiro. (GONÇALVES, 2010, p.355)
4- Do dano moral.Se permanecermos na seara constitucional, encontraremos no artigo 5º inciso X, a seguinte redação:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Além de constar como garantia constitucional, vem o legislador trazendo o seguinte posicionamento no Código Civil de 2002:
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Desta maneira, conseguiremos demonstrar facilmente a ocorrência de danos morais dos sócios e seus cônjuges.
A simples inclusão nominal nos cadastros de maus pagadores, ainda que feita de maneira equivocada já configura dano, independente de prova efetiva de dano.
DANOS MORAIS - Inclusão do nome dos autores no serviço de proteção ao crédito - Ato ilícito - Dano, nexo e culpa evidenciados. A indevida inscrição do nome dos Apelados em banco de dados de devedores relapsos, serviço público de acesso irrestrito, caracteriza humilhação, ofensa aos sentimentos pessoais e violação à intimidade. O dano moral está evidenciado pela dor e tristeza que a Apelante impôs aos Autores, considerados o fato, a mágoa, o tempo, cada pessoa ofendida e cada formação sócio-econômica e cultural. (Apelação Cível n. 693330-0/4 - São Paulo - 34ª Câmara de Direito Privado - Relator: Irineu Pedrotti - 30.03.05 - V.U.)
INDENIZAÇÃO - Danos morais - Inclusão do nome do autor no serviço de proteção ao crédito - Efetivo prejuízo não comprovado - Inadmissibilidade - Não há como negar a existência do dano moral - Recurso não provido. (Apelação Cível n. 58.229-4 - Franca - 9a Câmara de Direito Privado - Relator: Ruiter Oliva -16.09.97 - V.U. * 743/051/4) DANO MORAL - Banco de dados - Consumidor - Inclusão indevida do nome em cadastro de inadimplentes - Constrangimento evidenciado - Indenização devida - Embratel e Telesp - Distinção da atividade das operadoras - Impossibilidade - Solidariedade - Reconhecimento - Recurso provido (Apelação nº 943375-0/9 - São Paulo - 32ª Câmara de Direito Privado - Relator: Ruy Coppola - 09.02.06 - V.U. - Voto nº 10.964)
DANO MORAL - Banco de dados - Inclusão indevida do nome do autor no cadastro de inadimplentes - Dano moral caracterizado - Reparação que decorre da própria situação, independentemente de prova efetiva do prejuízo - Recurso improvido (Apelação Cível n. 970.757-0/1 - Santos - 35ª Câmara de Direito Privado - Relator: Artur Marques - 07.08.06 - V.U. - Voto n. 11481).
Este também o entendimento dos nossos Tribunais Superiores, conforme julgados que seguem:
Consoante jurisprudência firmada nesta Corte, o dano moral decorre do próprio ato lesivo de inscrição indevida junto aos órgãos de proteção ao crédito, "independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pelo autor, que se permite, na hipótese, facilmente presumir, gerando direito a ressarcimento". Precedentes REsp 717017/PE; Recurso Especial 2005/0006053-4 Ministro Jorge Scartezzini T4 - Quarta Turma julgamento: 03/10/2006 DJ 06.11.2006 p. 330 - STJ. Civil.
Processual civil. Recurso especial. Inscrição indevida do nome do autor em órgão restritivo de crédito. Débito inexistente. Uso de terminal telefônico não solicitado e nem utilizado pelo autor. Responsabilidade objetiva da empresa prestadora de serviço de telefonia, embratel. Erro de terceiro. Inocorrência. 1. No pleito em questão, restou comprovado, nas instâncias ordinárias, que a indevida inclusão do nome do autor em órgão restritivo de crédito foi efetuada unicamente pela empresa Embratel (fls.13), bem como a suposta dívida que originou a inscrição refere-se a uso de terminal telefônico que o autor-recorrente não solicitou ou mesmo utilizou, fatos estes que, como ressalta o v. acórdão, "acarretaram abalo à sua honra, dignidade e reputação" (fls.141). REsp 749566/RO; Recurso Especial 2005/0077823-9, Ministro Jorge Scartezzini (1113) T4 - Quarta Turma - Julgamento: 18/04/2006 DJ 08.05.2006 p. 231 - STJ.
Contudo, para que possamos atribuir maior força à nossa tese, entendemos que devemos explanar mais sobre o dano para valorizá-lo.
O Grande professor Yussef Said Cahali, entende que:
O crédito, na conjuntura atual que vivemos, representa um bem imaterial que integra o patrimônio econômico e moral das pessoas, sejam elas comerciantes ou não, profissionais ou não, de modo que a proteção não pode ficar restrita àqueles que dele fazem uso em atividade especulativa;
Prosseguindo Carlos Adroaldo Ramos Covozzi, entende que a interdição do acesso ao crédito, por si, já constitui lesão ao patrimônio moral do individuo, porque o descrédito é sem dúvida uma grave ofensa à honra, e o cerceamento, uma violência a tolher a liberdade individual de contratar e de negociar.
Desta forma ainda que seja determinado a exclusão dos nomes do cadastro dos maus pagadores, ainda ferve o direito que requerer indenização por danos morais, haja vista que a mera exclusão não possui condão a apagar a lesão cometida.
Concluindo, podemos dizer que apenas a negativação nominal já é pressuposto para causar dano moral, ainda mais se ficar caracterizada negativação indevida.
5- Da ilegitimidade passiva.É sabido e assegurado por nossa constituição que lei nenhuma terá condão de afastar da apreciação do judiciário ameaça ou lesão a qualquer patrimônio art. 5º XXXV CF.
Contudo o direito de ação deve obedecer alguns preceitos, sendo eles a possibilidade jurídica, interesse em agir e legitimação ad causam.
Para o caso em tela, concentraremos nossa atenção apenas no que tange a legitimidade ad causam.
O artigo 6º do Código de Processo Civil prescreve que Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
Assim em princípio, é titular da ação apenas a própria pessoa que se diz titular do direito subjetivo, material cuja tutela pede legitimidade ativa. Ao passo que apenas pode ser demandada aquele que seja titular da obrigação correspondente.
Portanto, como verificamos nos capítulos acima, os sócios muito menos seus cônjuges, não devem responder pelas dívidas contraídas pela empresa, exceto nos casos em que a lei dispõe.
Concluindo, erram novamente os que ao negativam os nomes dos sócios e seus cônjuges, pois estes não possuem nenhuma vinculação com a obrigação contraída pela empresa.
A negativação dos sócios seria permitida apenas nos casos previstos nos casos elencados no artigo 50 do Código Civil, contudo a negativação nominal dos cônjuges, não deve existir em hipótese alguma, exceto se estes fizerem parte do quadro social, fato que em regra não ocorre.
6- Conclusão
Derradeiramente, após analisadas as possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica da empresa para incluir os nomes dos sócios e seus cônjuges nos cadastro dos maus pagadores, verificamos que para que o referido acontecimento possa ocorrer, antes de tudo deve haver a apreciação do Poder Judiciário, uma vez que do contrário haveria agressão aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais.
E em decorrência da agressão desses preceitos, fica imediatamente caracterizado dano, podendo ser material ou moral, de modo que logo após a configuração do abuso de direito, bem como a existencia do ilicito, cabe a possibilidade de propositura de ação de reparação de danos.
Referências
ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor, 3 ed. rev. São Paulo. Saraiva, 2009.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25 ed. rev. atual. São Paulo. Malheiros, 2009.
CEZAR, Thyago. Responsabilidade civil do estado pelo descumprimento do princípio da duração razoável do processo. Bauru. 2010
COVIZZI, Carlos Adroaldo Ramos. Praticas abusivas da SERASA e do SPC, doutrina, jurispruedência, legislação. 3 ed. ver ampl. Bauru. Edipro. 2003.
Zanoti, Luiz Antonio Ramalho. Responsabilidade dos sócios no âmbito das sociedades limitadas, 2007.< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9743> Acesso em 19 set. 2010.