A ética no e-mail

A ética no e-mail

Tem por escopo registrar o fato de que o e-mail é uma correspondência, que sua violação constitui um crime e que os infratores devem ser punidos.

A criação da Internet representou um avanço comunicativo sem precedentes. Nunca dantes, em toda história da humanidade, as pessoas estiveram tão próximas, apesar das distâncias, muitas vezes continentais. Para que uma pessoa, aqui no Brasil, se comunique com uma outra no Japão ou Canadá basta apenas um “click”.

A criação do e-mail, do inglês eletronic mail – correio eletrônico, fez com que as correspondências possam viajar numa velocidade milhões de vezes mais rápida do que a correspondência tradicional.

Quando se envia um e-mail, instantaneamente, ele chega a seu destinatário. Deveras, uma velocidade incomensurável, haja vista o fato de que, na forma convencional, o espaço mais curto de tempo para que uma correspondência chegue a seu destino é de dois dias.

Assim, o e-mail, representou uma evolução e um avanço comunicativo sem precedentes.

Todavia, paralelamente ao grande benefício representado pelo e-mail, surge um grande problema, cuja solução vem encontrando barreiras intransponíveis.


Como funciona o e-mail na Internet



A primeira forma de comunicação surgida nas redes de computadores, quando a Internet ainda não existia, foi o e-mail. Claro que ainda não com este nome, mas o princípio da comunicação imitando cartas e correios convencionais sempre esteve presente. Com a expansão da Internet em escala mundial, o e-mail tornou-se parte importante na comunicação de empresas e pessoas, hoje ele é praticamente indispensável.

O e-mail, de “eletronic mail”, funciona exatamente como o correio convencional. Tanto a pessoa que expede, quanto o receptor da mensagem possuem caixas postais únicas, como as existentes nas agências do correio convencional. No e-mail, o endereço segue o padrão nome@domínio.com.br. Neste exemplo, podemos dizer que: nome corresponde ao número da caixa postal ou ao destinatário (pessoa) em uma casa e o domínio .com.br é o endereço da agência responsável por aquele destinatário. Como no sistema convencional, temos um espaço chamado caixa postal que fica localizado na agência de correios, no caso do e-mail, fica localizado no servidor da empresa dona do domínio .com.br. Observamos que cada pessoa que possui um e-mail em domínio .com.br caracteriza uma “conta” no servidor e desta forma o servidor deve reservar um espaço em seus meios de armazenamento para esta conta. Quando um remetente X@zyk.com.br envia uma mensagem a um destinatário Y@abc.com.br, o computador da pessoa X entra em contato com o agente de transporte do e-mail (servidor smtp) de zyk.com.br entregando a este servidor a mensagem que contem em seu envelope virtual o nome do destinatário (Y@abc.com.br) e de seu remetente (X@zyk.com.br) e demais informações necessárias. O smtp de zyk.com.br despacha a mensagem através da Internet de servidor em servidor ate chegar no smtp de abc.com.br. Quando abc.com.br recebe a mensagem, descobre que esta é destinada a conta Y em seu domínio e portanto deve guardá-la no espaço correspondente a conta Y.

É indiscutível que a velocidade implementada no correio eletrônico é gigantesca, permitindo que pessoas separadas por milhares de quilômetros comuniquem-se quase instantaneamente a um custo relativamente baixo. O sistema ainda permite o envio de documentos anexos, também como no sistema convencional, assim podemos trocar fotos, trechos de áudio e vídeo e até documentos ou apresentações comerciais em questão de minutos. Por estas vantagens, quase todas as empresas fornecem contas de e-mail a seus funcionários esperando obter melhor produtividade nos trabalhos cotidianos da empresa. Porém, pesquisas mostram que nem sempre a agilidade e rendimento esperados são obtidos através dessa ferramenta. Ao contrário, algumas pesquisas apontam queda na produtividade dos funcionários após estes passarem a utilizar o e-mail regularmente. O ponto em questão é justamente a facilidade oferecida pelo e-mail. Os estudos indicam que os usuários do sistema de correio eletrônico passam a utiliza-lo para bater papo, troca de cartões, flertes e até para criar correntes de sorte e amizade, novamente imitando aquelas pirâmides que às vezes nos surpreendem em nossas caixas de correio. A facilidade aliada ao custo zero para o funcionário torna a ferramenta muito atraente.

Para as empresas que fornecem o serviço a seus funcionários o prejuízo não fica só na produtividade alterada, mas também no custo total de propriedade incluso no sistema e sua manutenção. Porém os mesmo estudos indicam que o funcionário ao ter acesso aos colegas através do e-mail trabalha mais descontraído e satisfeito, neste ponto a produtividade pode aumentar. A tendência das empresas atualmente é a de controlar os abusos com a ferramenta. Para isso elas estão investindo milhões de reais em ferramentas capazes de monitorar a correspondência que entra e sai de seus servidores e detectar os e-mails que agridem a política da empresa, normalmente e-mails pornográficos, pedófilos ou os temidos boatos virtuais (hoaxes) que causam prejuízo moral e até financeiro. Claro que nem todo o processamento pode ser feito de maneira computacional e por várias vezes o administrador do sistema de e-mail da instituição vê-se obrigado a bisbilhotar a correspondência alheia verificando se a ferramenta computacional estava certa ou errada.


Invasão de privacidade: crime ou necessidade?



Como foi ressaltado acima, em vista dos abusos que vêm sendo cometidos por meio do e-mail, os provedores ou, empresas que disponibilizam este serviço, se vêem obrigadas a abrir estes e-mails que são enviados para conhecer seu conteúdo e, dessa forma, coibirem possíveis atos ilícitos que estejam sendo cometidos. Deveras, até mesmo o crime organizado, que se tornou um câncer em nosso país, pode, via e-mail, praticar ou montar esquemas para a prática de crimes.

A prática de um crime pode ser filmada e transmitida por e-mail facilmente. Imagine um delinqüente qualquer. Este leva sua vítima até uma região desabitada, como uma mata fechada, por exemplo. Ao chegar neste local, retira a roupa de sua vítima. Pratica com a mesma atos libidinosos diversos. Submete esta pessoa as mais covardes e atrozes situações de constrangimento. E mais, leva um colega seu com uma filmadora e registra em vídeo todo o acontecido. Depois de tudo, ainda não satisfeito, lascivamente, obcecado pelo prazer do sofrimento, e demonstrando ser um psicopata cruel, estupra sua vítima e a mata. Como se não bastasse esta atitude hedionda, cruel, desumana e doentia, via e-mail, remete as imagens de sua barbárie a outros psicopatas adoradores do sofrimento humano. Evidentemente, se as autoridades responsáveis pudessem ter conhecimento do conteúdo deste e-mail, que é mandado a consumidores selecionados, muitas vezes conveniados a este tipo de site, poderia prender a criminoso e desmantelar sua rede de atos ilícitos.

Mas, aí surge uma questão: seria isso lícito, uma vez que nosso código penal prevê o crime de violação de correspondência? Não há como negar ser o e-mail uma correspondência. Uma carta que é enviada de uma pessoa para outra. Não importa o meio utilizado para que isso se faça, pois, na essência, continua a ser uma correspondência.

Reza textualmente o Código Penal em seu art. 151, in verbis:

Artigo 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:

Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Como se nota claramente, e às escâncaras, nosso ordenamento jurídico penal tipifica como crime devassar a correspondência que uma pessoa dirige a outra. Desta forma, quando um e-mail é indevidamente, devassado ou aberto por outra pessoa que não o remetente ou destinatário, estaremos diante de um crime, que sujeita o infrator a uma pena de 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção ou multa. A expressão “indevidamente”, contida na estrutura frásica do tipo do art. 151 do CP, está a se referir a terceira pessoa. Se, quem abre o e-mail é pessoa estranha ao remetente ou ao destinatário, está devassando, abrindo, indevidamente o e-mail e, portanto, a correspondência e, assim, deve ser punido nos termos da lei.

Não convence o argumento de que, tal expediente, qual seja, analisar, indevidamente, o conteúdo do e-mail, seja realizado com o escopo de impedir a prática de crimes. Pois, até mesmo pelo meio convencional se pode cometer crimes. Por exemplo, uma pessoa que envia, por e-mail, fotografias de crianças nuas para sites de pedofilia. Mesmo sem o e-mail e, valendo-se do meio tradicional de correspondência, com envelope e tudo mais, uma pessoa pode enviar fotos de crianças nuas para associações de pedófilos. Nada justifica a prática de um crime.

Imagine o seguinte: um físico ou matemático elabora, cria uma fórmula matemática para resolver um problema intrincado desta área. Uma fórmula inédita que ninguém até aquele momento havia criado. Antes de patenteá-la, a envia a um colega para que este emita sua opinião. Todavia, um terceiro, responsável pela análise do conteúdo dos e-mails, cuja finalidade é fiscalizar e coibir a prática de crimes pela Internet, intercepta este e-mail e descobre a fórmula. Inadvertida e ilicitamente, joga esta fórmula na rede. Isso possibilitará que qualquer pessoa no mundo possa se apropriar desta fórmula e patenteá-la, ficando o inventor sem poder auferir o mérito de ter criado uma fórmula matemática inédita que revolucionou o mundo. Fiquemos com a seguinte hipótese: imagine se Einstein tivesse mandado por e-mail a fórmula E=mc2 a um amigo físico seu para que este emitisse um parecer sobre a possibilidade de se transformar matéria em energia. Com o intuito de evitar a prática de crimes, uma pessoa, incumbida de devassar os e-mails, se depara com tal fórmula e, inescrupulosamente, a lançasse na rede, onde qualquer pessoa do mundo pudesse ter acesso a tal fórmula. Para um leigo isso não representaria problema algum, mas, para um outro físico as coisas mudam de configuração. Este físico simplesmente poderia se apossar da fórmula e patenteá-la em seu nome. E aí a fórmula E=mc2 jamais lembraria a Einstein, mas sim, a algum oportunista que, em decorrência de um crime, qual seja, a violação de correspondência, se apropriou desta fórmula que representou uma grande revolução no campo da Física.


Conclusão



Assim, vê-se claramente o quão arriscado é esta política de monitoração de e-mails. Porque a grande verdade, é que o e-mail não é apenas monitorado, mas sim, violado, devassado, bisbilhotado e até divulgado. Não podemos olvidar do fato de que, na essência, a pretensão dos provedores e demais pessoas que disponibilizam os serviços de e-mail, de monitorar o mesmo para evitar e coibir a prática de condutas ilícitas seja louvável. No entanto, a grande verdade é que os efeitos negativos são muito maiores do que os positivos.

O “bem público”, expressão muitas vezes utilizada para se cometer abusos, para justificar posturas adotadas pelas autoridades públicas, com o pretenso intuito de que o estão fazendo para o bem de todos, não pode mais ser invocado para justificar os excessos que são praticados.

Não devassar a correspondência alheia é muito mais do que uma obrigação legal é, acima de tudo, um dever ético. A postura ética no concernente ao e-mail, deve ser mantida a todo custo. Pois, o que está em jogo é a vida íntima, a privacidade das pessoas. E a privacidade de uma pessoa é um território sagrado e inviolável.

Portanto, se tal postura se verificar, qual seja, o devassamento de um e-mail, tal conduta deverá ser punida, pois que tal conduta, conforme o art. 151 do CP constitui um ato ilícito, pois, uma correspondência estará sendo devassada.
Sobre o(a) autor(a)
Rodrigo Mendes Delgado
Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Especialista em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de...
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