O Erro no Direito Penal

O Erro no Direito Penal

Estudo sobre o instituto do erro no Direito Penal.

O erro pode ser tanto falsa representação da realidade, como falso ou equivocado conhecimento de um determinado objeto. Vale dizer que este difere da ignorância, uma vez que é a falta de representação da realidade ou total desconhecimento do objeto – sendo um estado negativo, enquanto o erro é um estado positivo. Entretanto, apesar de didática e teoricamente diferentes, a legislação penal brasileira trata de forma idêntica tanto erro como ignorância, com as mesmas consequências.

Entende-se por erro de tipo aquele que recai sobre algum elemento constitutivo do Tipo Penal. Quando o agente está em falsa representação da realidade, não é possível imputar-lhe dolo de tipo – vontade livre e consciente de praticar a infração – já que o autor do delito não tem consciência parcial ou nula das características e efeitos dos seus atos.

Importante é observar, entretanto, que coexistem no sistema penal brasileiro, o erro evitável e o inevitável. Se o erro for inevitável, levando em consideração as circunstâncias em que se encontrava(m) o(s) sujeito(s) e/ou objeto(s) ao tempo da ação, afasta-se dolo e culpa; Porém, se o erro for evitável, o sujeito ativo irá responder por conduta culposa, se, claro, houver previsão legal para tanto, uma vez que se tomadas as precauções necessárias e plausíveis, o erro não tomaria forma.

Seguindo os ensinamentos de Rogério Greco, no conhecido caso dos dois amigos que vão a uma caçada noturna, e um deles, para brincar com o outro, esconde-se atrás de um arbusto, fazendo movimentos e ruídos similares ao de um animal, e o outro indivíduo atira contra o primeiro, supondo estar atirando contra um animal, há erro de tipo quanto ao art. 121 “matar alguém”, uma vez que o agente que comete o homicídio não queria matar “alguém”, um ser humano, e sim um animal. Neste caso, devemos apenas julgar se o erro foi escusável ou inescusável, pois, se a primeira forma afastaria qualquer chance de imputabilidade, já que não haveria dolo ou culpa, a segunda ainda possibilitaria a punição do sujeito ativo por crime culposo (já que o homicídio culposo é previsto em lei).

O erro sobre os elementos constitutivos do tipo penal pode ser essencial ou acidental. O erro essencial, já estudado, é aquele que afasta dolo e, talvez, culpa, ao recair sobre elementares, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue à figura típica (Greco, 2007).

Contudo, o erro acidental não afasta dolo ou dolo e culpa. Neste caso, o agente tem total consciência da ilicitude de seu ato, apenas errando na concepção sobre elemento não essencial do fato ou em sua execução. Este erro acontece nas hipóteses de erro sobre a pessoa (error in persona), sobre o objeto (error in objecto), execução (aberratio ictus), resultado atingido em face do pretendido (aberratio criminis) e causa do resultado (aberratio causae).

A hipótese de erro sobre objeto se dá quando o autor, dolosamente, tendo consciência da ilicitude de seu ato, se propõe a cometer conduta típica e o faz, mas erra sobre a avaliação das características do objeto, como no caso de um ladrão que subtrai anel supondo o ser de ouro, quando, na verdade, era apenas bijuteria.

No caso de erro sobre a pessoa, incide o art. 20, § 3° do CP, que afirma não isentar de pena o agente, além de salientar que as características usadas na descrição da vítima para o processo, serão as da pessoa a qual se queria cometer o delito. Como exemplo, podemos usar o caso de um sujeito que recebe promessa de recompensa para matar uma pessoa, porém mata o irmão gêmeo de quem deveria ser a vítima. Esta pessoa irá incorrer no descrito no art. 121, § 2°, I do CP, mesmo que não fosse receber a recompensa por não ter cometido o crime certo.

Fala-se em aberratio ictus, segundo Greco, quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o sujeito ativo atinge pessoa diversa da pretendida. Não ocorrendo concurso formal de crimes (art. 70 do CP), o réu responde somente pelo erro sobre a pessoa, no supracitado art. 20 § 3° do CP.

Ainda segundo Greco, ocorrerá aberratio criminis quando, fora dos casos do art. 73 do CP, por acidente ou erro na execução da prática delitiva, for alcançado resultado diverso do pretendido pelo autor. Haverá imputação de culpa se esta for legalmente prevista. No caso de o sujeito ativo conseguir, também, o resultado que pretendia inicialmente, deverá ser observada a aplicação do art. 70 (concurso formal de crimes) e 73 do CP.

Por último, pode, de acordo com a lição de Luiz Flávio Gomes, ocorrer erro sobre o curso causal, o chamado aberratio causa, como no caso do indivíduo que, supondo ter matado a vítima por estrangulamento, enforca-a para dissimular o assassinato e tentar ludibriar os oficiais para que estes pensem que houve suicídio. Entretanto, os peritos descobrem que a morte só ocorreu após o enforcamento. Neste caso, o agente responderá apenas por um só delito (no caso, homicídio) doloso consumado.

Seguindo ainda a lição de Luiz Flávio Gomes, vamos achar o conceito de erro de tipo permissivo, o qual ele descreve como sui generis, e se refere aos elementos normativos e descritivos de uma proposição jurídica. Este erro se assemelha ao erro de proibição por incidir sobre a consciência da ilicitude, e ter a mesma conseqüência. Esta, a qual o conhecimento do tipo não se afeta e é desempenhada plenamente sua função de chamada, determinando que o autor acredite que a norma proibitiva retrocede diante de uma proposição permissiva. No erro de tipo permissivo sempre há dolo, o autor conhece o tipo e a função do dolo típico, mas a reprovação que deve incidir sobre ele é somente à sua falta de atenção, à sua imprudência. Ele difere do erro de tipo incriminador, pois, neste, o dolo é eliminado.

Não há somente erros de tipo do sistema penal brasileiro, e iremos agora abarcar estes outros no trabalho. Na concepção de Fernando Capez, existe erro quando da errada compreensão de uma determinada regra legal: achar que o ilícito é lícito, que o injusto é justo. Ele define tal erro como a má interpretação do dispositivo legal que deveria ser aplicado no caso e acha-se no direito de realizar ação que na verdade é proibida. Devido a essa suposição, dar-se-á a tal erro, o nome de erro de proibição.

Este erro dá-se pelo mau juízo que se faz sobre o que é permitido, mas o juízo não recai sobre os elementos normativos encontrados apenas no código. Trata de juízo emitido no meio social, fruto de opinião dominante, comunitária. Por esta razão não é possível alegar o desconhecimento do texto normativo, já que isto não servirá para eliminar sua responsabilidade pelo crime praticado, já que presumivelmente todos devem conhecer o caráter ilícito do descrito na norma.

Entretanto, é possível que o autor pense que sua conduta foi justa devido ao ambiente em que vive e a opinião social, que no caso concordaria com sua ação. Podemos dar como exemplo o homem que morou a vida toda em um longínquo vilarejo do sertão e agride sua esposa ao encontrá-la em adultério. O homem pode alegar que sabia que agredir alguém é crime, mas naquele meio social sua conduta seria plenamente aprovada, e, mesmo se condenado, o sujeito continuaria achando que sua conduta foi certa. Este erro exclui a ilicitude, pois o agente não sabia que sua conduta era errada, ilícita, proibida.

O erro de proibição, portanto, exclui do agente a consciência da ilicitude de sua ação ou omissão, pois se ele no momento da ação não sabia do caráter proibitivo de tal, naquele instante lhe faltava consciência de que ela era ilícita.

Para se evitarem os abusos no erro de proibição foi criada a potencia consciência da ilicitude, que é a possibilidade de que o autor do fato conheça seu caráter ilícito no momento da ação ou omissão. Desta forma, é possível analisar se o sujeito, de acordo com seu meio social, tradições e costumes, teria a consciência da ilicitude de seus atos, caso contrário qualquer um poderia alegar em sua defesa que desconhecia o caráter proibido de seus atos e eliminar a consciência da ilicitude, eliminando, assim, a penalização por suas atos.

A potencial consciência da ilicitude só é eliminada quando o agente além de não conhecer o caráter proibitivo da ação, também não tinha nenhum meio ou possibilidade de fazê-lo. Este é o erro de proibição inevitável, ou escusável, em que o sujeito, em face das circunstâncias do caso concreto, não tinha como conhecer a ilicitude do fato e, com a exclusão da culpabilidade, o sujeito fica isento de pena.

O erro evitável, ou inescusável, age sobre aqueles que mesmo sem conhecer o caráter ilícito do fato, tinham a possibilidade de conhecê-lo, dentro das circunstâncias em que se encontravam. Se havia a possibilidade, conseqüentemente havia potencial para o conhecimento desta ilicitude, portanto a culpabilidade não será excluída, fazendo com que o agente não fique isento da pena, mas, devido à atual inconsciência da ilicitude, ela será diminuída de um sexto a um terço.

Um outro aspecto da teoria do erro, é o erro sobre os pressupostos fáticos de justificação, ou descriminantes putativas. Descriminar, afirma Greco, é transformar um fato em indiferente penal, não o sendo mais criminoso, uma vez que a própria legislação penal pátria o permitiu. As causas legais que excluem a ilicitude da conduta são as do art. 23 e incisos do CP: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito.

Putatividade refere-se às situações imaginárias que só existem na mente do sujeito, que só ele acredita, erroneamente, existir. Dessa forma, observando o disposto no art. 23 do estatuto repressivo, temos as descriminantes putativas. Desta forma, o indivíduo age pensando estar de acordo com o que legitimaria as ações em que estaria de acordo com as excludentes de ilicitude, quando não estava.

Por exemplo, se A é ameaçado de morte por B, os dois se encontram, sozinhos, em situação sem segurança para as partes, e B leva a mão à cintura, onde A supõe haver uma arma – então, A saca sua própria arma e atira contra B, que depois fica sabendo portar apenas uma goma de mascar no bolso a que tinha levado a mão. Neste caso, não há real injusta agressão iminente, como supôs A quando agiu.

Assim como os outros erros, nas situações putativas, há de se identificar se o erro é escusável ou inescusável. De acordo com o art. 20 § 1° do CP, o erro justificável pelas circunstâncias isenta o agente de pena, enquanto o erro vencível imputa ao agente a culpa, mesmo tendo ele agido com dolo.

Devemos ainda, perceber que quando o agente tiver irreal percepção das circunstâncias factuais, levando-o crer que agiria em uma das causas descritas no art. 23 do CP (exclusão de ilicitude), o agente incorre em erro de tipo. Quando a falsa suposição do erro recair sobre a existência ou os limites de uma causa de justificação, o problema se resolve como erro de proibição, previsto no art. 21 do CP.

No primeiro exemplo dado sobre descriminantes putativas, temos erro de tipo. Como erro de proibição, podemos visualizar o caso de um homem que, após ser agredido, supõe existir legítima defesa posterior à agressão, e, assim, arma emboscada contra o seu agressor quando este já não mais representava perigo.

Na doutrina penal brasileira contemporânea, existem duas teorias que recaem sobre as descriminantes putativas: a extremada (estrita), e a limitada da culpabilidade. Segundo a teoria limitada da culpabilidade – a adotada pela nova parte geral do Código Penal -, se o erro sobre a causa de justificação recair sobre situação de fato, há erro de tipo, nos moldes do art. 20, § 1° do CP, enquanto que se incidir sobre os limites dessa causa de justificação, há erro de proibição (art. 21 do CP). Porém, para a teoria extremada da culpabilidade, todas as hipóteses são consideradas como erro de proibição.


Referências Bibliográficas

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral, 9ª ed. Saraiva, 2005.

GOMES, Luiz Flávio. Erro de Tipo e Erro de Proibição, 5ª ed. Revista dos Tribunais, 2001.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral, 7ª ed. Impetus, 2006.

Sobre o(a) autor(a)
Luís Mário Leal Salvador Caetano
Advogado militante, pós-graduando em Direito Civil pela Universidade Anhanguera, bacharel em Direito pela Universidade de Uberaba, ex-economiário da Caixa Econômica Federal, colaborador em diversas publicações especializadas.
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